Discurso no Senado Federal

OBSTACULOS ENFRENTADOS NA CONSECUÇÃO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO CERRADO - PRODECER II.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • OBSTACULOS ENFRENTADOS NA CONSECUÇÃO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO CERRADO - PRODECER II.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/1999 - Página 9962
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, INEFICACIA, EXPLORAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, REGIÃO NORTE, REGIÃO CENTRO OESTE.
  • CRITICA, SUPERIORIDADE, JUROS, BANCO DO BRASIL, COBRANÇA, PRODUTOR, PROGRAMA NIPO-BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO DOS CERRADOS (PRODECER), INCENTIVO, INADIMPLENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, SETOR, FINANÇAS, GOVERNO FEDERAL, REVISÃO, CRITERIOS, BANCO DO BRASIL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PREVISÃO, CRISE, DIPLOMACIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, MOTIVO, DESCUMPRIMENTO, CRITERIOS, PROGRAMA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROGRAMA NIPO-BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO DOS CERRADOS (PRODECER), DIFUSÃO, MODERNIZAÇÃO, TECNICAS AGRICOLAS, REFERENCIA, ESTADO DO TOCANTINS (TO).
  • CRITICA, POLITICA AGRICOLA, CARENCIA, PROJETO, AGRICULTURA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a utilização do potencial agrícola das terras brasileiras é incipiente - é o que podemos constatar após esses quase cinco séculos de colonização. A discrepância mais acentuada entre o que é possível e o que está sendo praticado em termos de produção agrícola ocorre certamente nas áreas mais desabitadas do País, nas Regiões Norte e Centro-Oeste.  

A mudança dessa situação, entretanto, é uma realidade cada vez mais palpável. Em um momento em que os postos de emprego tornam-se cada vez mais escassos e muitas empresas diminuem o seu ritmo produtivo ou chegam mesmo a encerrar suas atividades, vemos o Estado do Tocantins aparecer com alternativas viáveis de crescimento da produção econômica: antes de tudo, da produção agrícola, mas com excelentes perspectivas também para a pecuária e para a agroindústria.  

O fato de o Tocantins ser um Estado novo, sem vários dos problemas que se acumularam ao longo dos tempos em outros Estados, tem ajudado a começar em bases modernas e planejadas tanto a estruturação do aparelho governamental quanto os empreendimentos econômicos.  

Muitas são também, sem dúvida, as dificuldades a serem superadas, boa parte delas decorrente das grandes distâncias existentes entre o nosso Estado e os centros econômicos do País. A adoção de novos meios e rotas de transporte, no entanto, pode alterar substancialmente esse quadro, como veremos adiante.  

O que não queremos nem podemos admitir, Sr. Presidente, é que a falta de entendimento com o Governo Federal crie obstáculos injustificáveis ao desenvolvimento econômico do Estado do Tocantins, neste momento em que é tão importante o exemplo de empreendimentos bem sucedidos.  

Refiro-me precisamente às condições impostas pelo Banco do Brasil e pela Secretaria do Tesouro Nacional ao Governo do Estado e aos agricultores envolvidos na terceira etapa do Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrados – Prodecer III. Trata-se de um programa nipo-brasileiro de cooperação econômica, no qual a Agência Japonesa para Cooperação Internacional (Jica), entra com 60% do capital investido, ficando 30% a cargo do Governo Federal e 10% por conta dos agricultores.  

A primeira etapa do Prodecer desenvolveu-se em Iraí, Minas Gerais; a segunda, em várias áreas selecionadas nos Estados de Minas, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; a terceira, enfim, iniciada em julho de 1996, no Tocantins e antes nos Municípios de Balsas e de Pedro Afonso, no Tocantins, em 1996, como já me referi anteriormente.  

A área delimitada para o projeto em Pedro Afonso foi de 80 mil hectares, sendo a metade deles destinada à preservação ambiental. Nos demais 40 mil hectares, os 40 produtores participantes do programa abriram áreas para o cultivo de produtos agrícolas, com predominância da soja, fazendo uso de técnicas inovadoras de plantio e manejo das lavouras.  

Disso tem resultado uma produtividade da cultura de soja das mais elevadas do País. Enquanto a produtividade média no Rio Grande do Sul é de 2 toneladas por hectares, a média do Município de Pedro Afonso, no Tocantins, situa-se em 2.4 toneladas por hectare.  

O capital financiado pelo projeto foi empregado em construção de unidades de armazenamento e de estradas, em eletrificação e irrigação. Apenas os empregos diretos gerados pela iniciativa somam oito mil, representando um impulso significativo para o desenvolvimento de toda a região.  

A produção de soja do Tocantins, que caíra acentuadamente nos últimos anos, quando dos 59 mil hectares plantados em 1989, passou a 7 mil hectares em 1996, mostra agora sinais mais que evidentes de recuperação, apontando para uma breve ultrapassagem do recorde de produção de 104 mil toneladas anuais, alcançado no final da década passada. Todo esse sucesso técnico do empreendimento, entretanto, está seriamente ameaçado pela condução do processo de financiamento.  

Quais são afinal as condições estabelecidas pelo Banco do Brasil, bem como pela Secretaria do Tesouro Nacional, para o financiamento do Prodecer no Estado do Tocantins, as quais lançam incertezas sobre a boa continuidade do projeto? Trata-se, em primeiro lugar, da fixação dos juros que serão cobrados sobre os empréstimos aos produtores rurais, em torno de 29,34% ao ano. Se tal taxa de juro já se mostra, por si mesma, incompatível com a atividade agrícola, torna-se ainda menos admissível quando sabemos que a taxa que incide sobre o capital emprestado pela agência japonesa é de 2,75% ao ano.  

Ou seja, Sr. Presidente, no acordo de cooperação nipo-brasileiro, as taxas de juros cobradas pelos bancos japoneses são de 2,75% e financiam 60% do projeto. O Banco do Brasil está cobrando 29,34% desse dinheiro dos produtores do nosso Projeto Prodecer III, na cidade de Pedro Afonso.  

Se tal taxa de juro já se mostra por si mesma incompatível com a atividade agrícola, torna-se ainda menos admissível. Portanto, quando sabemos que a taxa que incide sobre o capital emprestado pela agência japonesa é de 2,75%, isso para enfatizar.  

Se considerarmos que os recursos oriundos do Japão constituem 60% do capital investido, enquanto o Governo Federal entra com apenas 30%, devemos constatar que há um desvirtuamento dos fins visados pelo projeto de cooperação.  

A função de auferir lucros sobre financiamento de cooperação internacional, cujo objetivo é o de estimular a produção em áreas prioritárias, não é nem pode ser própria ou legítima do Banco do Brasil. No entanto, o nobre Senador Eduardo Siqueira Campos, que veio abrilhantar a representação do Estado de Tocantins nesta Casa, informou, em discurso tão veemente quanto oportuno, em que abordou a questão, no dia 24 de fevereiro passado, que "o Superintendente do Banco do Brasil, no Estado, (...) admite que, ao final de 15 anos da operação, terá acumulado um lucro de 107%". A contraparte desse lucro – auferida, portanto, pelo Banco do Brasil – tem sido a inadimplência dos produtores, que certamente se agravará se mantidas as atuais condições, levando à interrupção de suas atividades.  

Mas as cláusulas exorbitantes não findam aí. Talvez prevendo que os agricultores possam ter dificuldades em arcar com juros dessa ordem, a Secretaria do Tesouro Nacional exigiu um aval do Governo do Estado correspondente a 50% do montante financiado. Essa exigência é inédita em relação aos demais projetos do Programa de Desenvolvimento do Cerrado. Ou seja, em nenhum Estado da Federação, isso jamais aconteceu.  

Sr. Presidente, não nos parece justo nem aceitável que o Estado do Tocantins sofra um tratamento diferenciado sem qualquer explicação razoável para o mesmo. Lembremos que os orçamentos estaduais, de norte a sul do País, já estão bastante comprimidos e comprometidos para poderem assumir riscos que não são inerentes às atribuições governamentais. O Banco do Brasil, por sua vez, além de cobrar uma taxa de administração de 3%, fixou em 2% uma taxa de risco, de modo que a referida exigência, além de discriminatória, mostra-se de todo descabida.  

Não nos parece que tal prática seja compatível com o espírito que costuma nortear o Banco do Brasil, por seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social do País, nem tampouco com a isenção e o equilíbrio que devem caracterizar a atuação da Secretaria do Tesouro. Pedimos, portanto, às autoridades do setor financeiro do Governo Federal, tendo em vista interesses legítimos do Estado do Tocantins, que tais condições irrazoáveis e injustas sejam revistas com urgência.  

A inadimplência que já se verifica no pagamento das obrigações do Prodecer III está evidentemente relacionada à cobrança de juros exorbitantes. Dívidas que perfazem R$1,2 milhão obrigaram o Governo estadual ao desembolso de R$600 mil junto ao Banco do Brasil, no final do ano passado. Considerou-se inicialmente que a dívida resultara do desvio dos recursos por alguns dos agricultores. De acordo com o Presidente da Cooperativa Agrícola de Pedro Afonso (Coapa), Ricardo Cury, não houve tal desvio: dos 40 produtores, 18 não teriam conseguido saldar as dívidas de custeio da safra anterior. Cinco deles, em razão de alegados prejuízos com a safra, teriam depositado o resultado da comercialização em juízo, contestando na Justiça as condições de financiamentos estabelecidas pelo Banco do Brasil.  

Sr. Presidente, o agricultor planta, colhe uma safra excelente, pensa que vai ter lucro e, quando vai pagar ao Banco, perde dinheiro. Aí ele coloca o produto da sua safra à disposição do Banco e entra na Justiça para ver se minimiza as perdas resultantes dessas taxas de juros escorchantes cobradas pelo Banco.  

A continuidade do programa de cooperação, que previa a implantação do Prodecer IV - seria um outro Prodecer a ser implantado na fronteira do nosso Estado com o Estado do Maranhão - e novos investimentos na localidade onde já funciona, deparou-se com esse obstáculo, acarretando a suspensão da negociação entre as autoridades japonesas e brasileiras naquilo que foi considerado pela Gazeta Mercantil , de sete de abril último, como a iminência de uma crise diplomática.  

O que constatamos é uma sucessão de erros que nos conduzem da perspectiva de um empreendimento dos mais exitosos para uma situação absurda, na qual são desperdiçados preciosos recursos oferecidos por um país amigo e nosso imenso potencial agrícola, levando ao desespero produtores rurais que nada mais querem que o resultado justo pelo esforço despendido.  

Também parece-me estranho, ainda que tal manifestação seja bem-vinda, que os responsáveis pelo programa de cooperação japonês tenham que assumir as dores dos produtores brasileiros e de nossa agricultura, face à insensibilidade das autoridades federais.  

Assim é que o Coordenador-Geral do Jica, Sr. Akira Hasumi, em visita ao País, noticiada pela Gazeta Mercantil, de 11 de março, afirmou que "não está (sendo cumprida) a cláusula que prevê condições financeiras especiais nesses empréstimos", ressaltando que "o Brasil não deveria pensar apenas no aspecto financeiro do Prodecer, mas vê-lo como parte de uma política nacional de desenvolvimento agrícola".

 

O Supervisor Técnico do Jica, Yutaka Hongo, por sua vez, considerou a taxa real aceitável para os produtores como sendo no máximo de 6% ao ano, uma vez que "os recursos são destinados à abertura de novas áreas" para a agricultura.  

A importância de um projeto como esse desenvolvido no Município de Pedro Afonso não se restringe ao próprio Município nem sequer ao Estado: além de servir de difusor e indutor de novas técnicas agrícolas para as regiões adjacentes, trata-se, acima de tudo, de tornar concreta a viabilidade econômica do campo brasileiro, tão fundamental nesse instante em que nossas cidades apresentam inúmeros problemas, decorrentes do excesso populacional, sobretudo por conta de elevados contingentes de desempregados.  

Cabe destacar ainda que parte substancial da produção agrícola do Prodecer III está sendo destinada ao mercado externo. Apesar da distância em relação aos portos oceânicos, a soja produzida no Tocantins tem se beneficiado da existência da estrada de ferro Carajás, que leva o produto até o Porto de Itaqui, no Maranhão. Desse modo, o custo do transporte da tonelada de soja até o seu ponto de embarque para o exterior fica reduzido a R$26,00 sendo R$10,00 referentes ao transporte por caminhão, de Pedro Afonso até Imperatriz, já no Maranhão, ligada pelo primeiro trecho da ferrovia Norte-Sul em funcionamento até a estrada de ferro de Carajás. Tendo em vista a maior proximidade de Itaqui em relação à Europa quando comparada com os portos de Santos ou Vitória, diferença que chega a superar 3.000 milhas marítimas, entendemos por que a soja tocantinense tornou-se competitiva no mercado internacional.  

Muito mais, no entanto, deve ser feito para otimizar os resultados da produção agrícola no centro do Brasil. Com a próxima abertura da nova hidrovia do Tocantins, o transporte por caminhão será substituído pela navegação até a cidade maranhense de Estreito, o que constitui apenas uma parte da implantação do Corredor Multimodal de Transporte Centro-Norte. Tirado do esquecimento pelo programa federal "Brasil em Ação", o corredor, que abrangerá a Ferrovia Norte-Sul e as hidrovias do rios Tocantins e Araguaia, trará um efeito de ampliação exponencial para o desenvolvimento agrícola não apenas do Estado do Tocantins mas também das regiões do leste do Mato Grosso, sul do Pará, sudoeste da Bahia, sudoeste do Maranhão e sul do Piauí.  

O Brasil tem plenas condições, ao investir nas obras de infra-estrutura, de consolidar sua posição como um dos grandes produtores de grãos do mundo. Lembremos, como contraponto, que a última grande obra concluída pela União na área do Estado de Tocantins foi a Rodovia Belém-Brasília, ainda na década de 50, feita por Juscelino Kubitsckek.  

Nem tudo são facilidades para os produtores rurais de Tocantins, como já pudemos assinalar. No caso dos produtores agrícolas de Pedro Afonso, vinculados ao Prodecer, a excelente colheita de soja não trouxe grandes resultados financeiros, tendo em vista a desvalorização do produto no mercado internacional, fazendo recuar o preço de US$10,50, pago pela saca em dezembro passado, até os atuais US$7. Essa oscilação, normal em termos de economia agrícola, não traria conseqüências tão danosas não fora o endividamento dos agricultores junto ao Banco do Brasil, que já chega à casa dos R$60 milhões, de acordo com dados da própria instituição financeira.  

As pendências de pagamento têm impedido entre outros novos investimentos, a implantação de dois projetos complementares do Prodecer III: o de irrigação coletiva e o de cultura perene, este último voltado para a viabilização de 600 hectares destinados à fruticultura.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, voltando a enfatizar a urgência de se chegar a uma solução para a questão dos agricultores do Prodecer III, devemos constatar que falta, ainda, ao nosso País um verdadeiro projeto para a agricultura, que considere todos os seus aspectos fundamentais, como infra-estrutura, crédito, sustentabilidade, redistribuição fundiária e apoio técnico. Os retornos econômicos e sociais de tais investimentos seriam imensos, pondo o Brasil no caminho certo para a superação da crise. Essa necessidade, que as autoridades e técnicos japoneses podem identificar com clareza, parece que as autoridades insistem em ignorar.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/1999 - Página 9962