Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA, REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A NECESSIDADE DA IMEDIATA INSTALAÇÃO DO CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA, REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A NECESSIDADE DA IMEDIATA INSTALAÇÃO DO CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/1999 - Página 9972
Assunto
Outros > HOMENAGEM. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, LIBERDADE DE IMPRENSA, EVOLUÇÃO, SITUAÇÃO, IMPRENSA, HOMENAGEM, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), RECEBEDOR, PREMIO, QUALIDADE, IMPRESSÃO GRAFICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, FUNÇÃO, PUBLICIDADE, APOIO, IMPRENSA, FORMAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • CRITICA, FUNÇÃO, IMPRENSA, CRIAÇÃO, ALTERAÇÃO, PROPAGANDA, ADULTERAÇÃO, VERDADE, INFORMAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROMOÇÃO, ELEIÇÃO, EFETIVAÇÃO, CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, OBJETIVO, DISCIPLINAMENTO, CRITERIOS, CONCESSÃO, CONTROLE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, GARANTIA, LIBERDADE DE IMPRENSA.
  • HOMENAGEM, TAQUIGRAFO, BRASIL, MOTIVO, DIGNIDADE, PROFISSÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemora-se hoje, 3 de maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Essa expressão é originária das revoluções iluministas, da época em que o conhecimento era escondido nos mosteiros medievais, muitas vezes privilégio somente dos escribas beneditinos que compilavam as grandes obras dos filósofos clássicos. Somente muito mais tarde, às vésperas das revoluções burguesas e aperfeiçoamento da "máquina de imprimir", iniciou-se o processo de difusão da informação.  

É verdade que a história mostrou que esse iluminismo não alcançou todos os indivíduos. Privilegiou uma parcela da sociedade que, obtendo e manipulando o domínio do saber e da comunicação, apropriou-se dos meios de produção e utilizaram a comunicação a favor da manutenção desse status quo . Contudo, a comunicação social não ficou restrita somente à classe dominante. Surgiram os tablóides alternativos e impressos "extra-oficiais" de associações e sindicatos operários, que defenderam o direito dos trabalhadores e foram importantes nas suas conquistas ao longo dos tempos.  

É evidente que hoje a situação é diferente. Para enfrentar a mídia moderna, os tablóides e os jornais dos trabalhadores são quase inoperantes. O transcorrer da história não retira o sentido e o valor da "liberdade de imprensa", tanto que o exemplo histórico da contrapropaganda oficial para o desenvolvimento da consciência de classe de grande parte dos operários, dos grandes centros urbanos industriais, deixa claro o valor dessa liberdade, que, para muitos, com inteira razão, é corolário da "liberdade de expressão". Ainda tem razão Cecília Meireles, que diz: "Liberdade. Não existe quem a defina com precisão, mas não há quem a desconheça."  

A questão, Sr. Presidente, não é meramente conceitual. Não é preciso conceituar a "liberdade de imprensa" para se conhecer a sua essencial finalidade. Se não é preciso conceituar para se entender, fica fácil falarmos que a liberdade de imprensa corresponde à problemática da delimitação de atuação da imprensa nos dias de hoje, pois ao mesmo tempo em que ninguém nega a amplitude de sua contribuição para o desenvolvimento da democracia, também é passivo o entendimento de que é de fundamental importância encontrar-se um limite para os seus abusos, que todos sabem existir.  

A imprensa brasileira, nos dias de hoje, não tem elevado a alma humana à dignidade, e sim ao consumo material. Tratei disso quando aqui estive, nesta mesma tribuna, para homenagear o prêmio recebido pelo Jornal Correio Braziliense, pelo seu padrão de qualidade gráfica. Naquela oportunidade, implicitamente já dizia que a imprensa é capaz de santificar ou macular a honra do indivíduo conforme ela assim o optar. Imprensa, na verdade, é capaz de transformar um anjo em diabo, ou um diabo em anjo. Expressei o desejo de retornar a esta tribuna para parabenizar a imprensa nacional também pelo conteúdo das matérias divulgadas.  

Todavia, atualmente, como a imprensa é programada no Brasil, toda ela, salvo honrosas exceções, gira em torno da publicidade, mesmo porque o preço da informação, por meio de revistas ou do nosso diário jornal, é baixíssimo, se comparado ao de outros países. Por exemplo: ninguém paga para ver TV, exceto quando se trata de canais alternativos ou por assinatura. Fora disso, ela custa tanto quanto ligar o rádio na tomada. Assim, quem sustenta a parafernália da imprensa é a publicidade.  

E a publicidade, Sr. Presidente, tem os seus segredos: associa nosso imaginário com o produto veiculado; e o produto veiculado pode ser tanto um sabonete como a ordem para rezar a cartilha do capital internacional e repudiar quem não compartilha com essa submissão.  

O adesismo é um fenômeno predominante da imprensa moderna, que deturpa a sua função e mancha a história dessa instituição de tão grandes contribuições para o aperfeiçoamento das relações políticas e sociais brasileiras. A sabedoria do adesista é uma só, seja oriunda da imprensa, de um sindicato ou dos políticos. Consiste em manter-se sempre pronto a movimentar-se na direção de quem se projeta. Em sua face, traz sempre um sorriso cínico de quem acha graça da própria lógica, que tudo explica e justifica, pois seus anseios são de fazer da política um bom emprego e do poder, uma função de prestígio.  

O nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso deve saber do que estou falando desta tribuna, por ter visto muitos aderirem ao seu Governo antes da crise e como estes estão atuando hoje.  

Sr. Presidente, atualmente, ao poder da imprensa, fonte do imenso poder da comunicação neste final de século, foi atribuída a nomenclatura de "quarto poder", talvez justamente por seguir a lição de Maquiavel, tendo como sinônimo "a conivência e conveniência, fazendo do interesse público o colchão que lhe amacia a queda em terreno alheio".  

Na verdade, a imprensa é o primeiro de todos os poderes do nosso Brasil, muito mais do que o quarto poder. Só uma coisa lhe importa: preservar-se no poder, único lugar onde se reduz a distância entre o desejável e o possível. Para tanto, comanda a "arte" de criar a "opinião pública" por meio de propaganda corrompida, que adultera a realidade, graças à indústria de massas, promovidas pelos meios de comunicação e institutos de pesquisa.  

Os jornais, as estações de rádio e televisão, seus redatores, seus colaboradores, seus comentaristas, escrevendo as colunas políticas e sociais, programando os noticiários, preparando as emissões radiofônicas, fazendo os grandes êxitos da televisão, constituem os veículos que conduzem a opinião e a elaboram, quando não a recebem já elaborada, com palavras de ordem, que — dizem — "vêm lá de cima", pois as massas se limitam simplesmente a recebê-la e adotá-la de maneira passiva, dando-lhe a chancela de "pública".  

A partir do que se denomina, agora, de sociedade pós-guerra fria, as artes, entre as quais escolhemos a imprensa para falar hoje, foram submetidas a uma servidão: as regras do mercado capitalista e a ideologia da "indústria de massa", baseada na idéia e na prática do consumo; disso resulta que as notícias, "as informações" são mercadorias, como tudo o que existe no sistema capitalista.  

Portanto a imprensa ou, como se diz modernamente, a mídia, que, com sua "liberdade", representa requisito fundamental para a democracia, a bem da verdade, não se democratizou; massificou-se para consumo rápido no mercado da moda e dos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de prestígio político e controle social.  

Não é minha intenção, hoje, no dia em que se comemora o "Dia Mundial da Liberdade de Imprensa", atacar o modelo econômico neoliberal, ou, muito menos, proceder a comentários acadêmicos acerca da "natureza" dos meios de comunicação de massa. Quero apenas salientar que, sob o controle econômico e ideológico das empresas de "produção de informação", a notícia se transformou em seu oposto: é algo feito para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras humanas. É algo para ser consumido, e não para ser conhecido e refletido, ou seja, pensado criticamente.  

As informações poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, como a rede internacional "Internet", por exemplo, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso às notícias, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las; poder-se-ia, inclusive, superá-las, formando-se outras opiniões, em vez de se repetirem as já publicadas.  

A democratização da informação tem com pré-condição a idéia de que as notícias são direitos de todos os cidadãos e não privilégios de alguns. Democracia nos meios de comunicação significa direito de acesso às notícias, direito à informação e à formação cultural, direito à produção da própria opinião. É a regra que está no art. 220, §§1º e 2º, da Constituição Federal de 1988, feita em boa hora, com tanta interferência da sociedade, mas já tão modificada pelo sistema neoliberal e pelo Governo Fernando Henrique.  

O direito fundamental dos cidadão à informação é assegurado constitucionalmente no Brasil e, internacionalmente, no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 19 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e no art. 10 da Convenção Européia.  

Contudo, os meios de comunicação manifestam claramente o traço da indústria cultural de massa, desfigurando a realidade, distorcendo e deturpando a notícia, produzindo uma "opinião pública" em laboratório. Tal é feito por alguns segmentos de comunicação, objetivando atender às exigências de seus patrocinadores — que normalmente coincidem com os detentores do poder econômico —, os quais financiam os programas e/ou colunas, tendo em vista os consumidores potenciais de seus produtos e a manutenção do status quo . Em outras palavras, o conteúdo e a forma da comunicação já trazem em seu interior a marca da elite dominante de nosso País.  

Ora, a figura do patrocinador e do compromisso ideológico-político do meio de comunicação determina o conteúdo e a forma de informação a ser prestada, pois a quantidade de dinheiro paga pelo patrocinador interessa aos proprietários daquele veículo de comunicação. Se este apresentar notícias favoráveis ao Governo ou mesmo demonstrar que a popularidade do Executivo é positiva, poderá o patrocinador aumentar o patrocínio. Para não perder o cliente, o meio de comunicação veicula notícias favoráveis e, pior, fomenta uma idéia positiva da realidade, "criando", ou melhor, forjando uma "opinião pública" em prejuízo da consciência de toda a população.  

Dessa maneira, o direito à informação desaparece, e os indivíduos da sociedade (leitores, telespectadores ou ouvintes) são desinformados ou ficam mal informados, são levados a não ter raciocínio crítico. Tal comportamento, facilmente demonstrável, sufoca o pluralismo político e atenta contra a cidadania e contra o direito à informação previsto no art. 220 da Constituição.  

A comunicação social, sendo em si mesma a liberdade de expressão e de informação pelos meios específicos da comunicação social, liga-se também a outros direitos, como a liberdade de religião, a liberdade política, a liberdade de associação, de pensamento e de expressão.

 

Ocorre que a liberdade de comunicação social é uma liberdade institucional, visto que pressupõe organização de empresa, ainda que seu exercício dependa sempre, em maior ou menor medida, de atos de pessoas individualmente consideradas — os jornalistas, os colaboradores, os leitores, os ouvintes, os telespectadores.  

Portanto, a comunicação social carrega-se também de um sentido de poder. A comunicação social — sobretudo, nas últimas décadas, a audiovisual — converte-se em fenômeno de poder, uma vez que a televisão transmite a comunicação de forma quase instantânea, de uma só vez, para milhões de telespectadores. Assim, por imperativo do estado de direito e do regime democrático pluralista, esse poder deve ser dividido, pois não pode ser absorvido pelo poder político estatal — o do Governo, sujeito às conjunturas —, nem por qualquer poder social — designadamente, o poder econômico dos grandes veículos de comunicação.  

Surge, assim, a finalidade do Conselho de Comunicação Social.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, frente ao dilema do poder da imprensa, imperiosa e necessária se faz a efetivação do Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição Federal de 1988 e instituído mediante a Lei nº 8.389/91, como instrumento hábil para disciplinar os critérios de concessão, democratização e descentralização do controle dos meios de comunicação, enterrando definitivamente o caráter exclusivo de apadrinhamento político do setor.  

Ora, percebe-se, por conseguinte, que a segurança da comunicação social, em última instância, da própria informação, é atribuição do Estado, que tem a função legal de tomar as medidas preventivas e curativas necessárias para mantê-la com respeito à cidadania e ao pluralismo político. Todavia, o Estado assim deverá fazer por meio da descentralização do seu poder estatal, que começa a ser feita pela via da delegação de atribuições, como acontece com a criação do Conselho de Comunicação Social. É a sociedade civil participando mais ativamente das soluções para seus problemas. No caso, o Conselho de Comunicação Social, na forma prevista na Lei n.º 8.389/91, é formado por treze membros, sendo quatro representantes patronais, quatro representantes dos trabalhadores do setor, e os cinco restantes, da sociedade civil.  

A idéia encontra-se plantada e solidificada em nossa estrutura político-organicional, restando o iniciar desse exercício do direito de comunicação social, com a efetivação dos trabalhos do Conselho e o pleno desempenho de suas funções e atribuições (art. 2º da referida lei), no que merece pleno apoio o requerimento da nossa Líder na Câmara dos Deputados, Deputada Luíza Erundina, para que o Plenário do Congresso Nacional se digne promover a eleição do referido Conselho, que desde 1991, data da vigência da lei, encontra-se esquecido.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluo aqui este meu pronunciamento comemorativo do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa para salientar o papel a ser desempenhado pelo Conselho de Comunicação Social para a verdadeira efetivação da liberdade de imprensa, já que a distância mantida por alguns meios de comunicação para com a sociedade, constituindo-se centros formadores de opinião pública, e a ação daqueles que emitem "o pensamento feito" e o impõe às massas dóceis, cuja função subseqüente será apenas a de reproduzi-lo, provoca-me o dever de lembrar a este Plenário que não se deve confundir opinião pública com opinião publicada, como tem acontecido tantas vezes.  

Sr. Presidente, faço essa homenagem no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa tecendo críticas severas aos meios de comunicação brasileiros e pedindo ao Congresso Nacional e ao próprio Executivo a indicação dos nomes para que o Congresso instale o Conselho de Comunicação Social em nosso País.  

Aproveito a oportunidade para homenagear os taquígrafos e as taquígrafas de todo o Brasil pelo seu dia e dizer que sua profissão é bela, exige muita habilidade, muita inteligência, muita capacidade. O trabalho que as senhoras e os senhores têm desempenhado ao longo do tempo tem contribuído para registrar a história e mudar os seus rumos.  

Encerro com essa homenagem, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/1999 - Página 9972