Discurso no Senado Federal

VOTOS DE PRONTO RESTABELECIMENTO DO SENADOR RONALDO CUNHA LIMA. REFLEXÕES SOBRE A GUERRA NA IUGOSLAVIA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • VOTOS DE PRONTO RESTABELECIMENTO DO SENADOR RONALDO CUNHA LIMA. REFLEXÕES SOBRE A GUERRA NA IUGOSLAVIA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/1999 - Página 1040
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, VOTO, RESTABELECIMENTO, RONALDO CUNHA LIMA, SENADOR, TRATAMENTO MEDICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, GRAVIDADE, TRANSFORMAÇÃO, GUERRA CIVIL, AMPLIAÇÃO, CONFLITO, GRUPO ETNICO, BUSCA, AUTONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, IUGOSLAVIA, INTERVENÇÃO, FORÇAS ESTRANGEIRAS, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar o meu discurso de hoje, agradeço ao Senador Nabor Júnior por ter me cedido a vez.  

Quero também, Sr. Presidente, desta tribuna, desejar ao meu companheiro de Bancada, Senador Ronaldo Cunha Lima, o mais rápido e total restabelecimento. Muitos foram os Senadores que já expressaram esse mesmo desejo; ainda ontem o Senador Luiz Estevão e a Senadora Heloisa Helena se manifestaram, além de outros que foram solidários.  

No meu caso, trata-se de uma amizade de muitos anos. Às vezes até divergimos, mas essa amizade supera as divergências. Aproveito, ainda, para informar que o Governador do meu Estado também apresentou à família do Senador não só os votos de pronto restabelecimento, mas também lhes ofereceu todos os meios de que o Estado possa dispor para que o nosso companheiro e querido amigo Ronaldo Cunha Lima supere essa etapa dolorosa de sua vida.  

Estou fazendo uma coleta completa da situação de meu Estado - e pediria que outros Senadores, de outros Estados, também o fizessem - com relação à seca, uma vez que se fala, novamente, na suspensão das frentes produtivas de trabalho. É preciso que nós, do Senado da República, bem como os Deputados, estejamos atentos para que não se perpetue mais uma injustiça. Há lugares no Nordeste - no meu Estado são muitos - que não tiveram absolutamente coisa alguma de colheita e tampouco conseguiram fazer a reserva necessária de água para consumo humano e animal. Em breve estarei aqui, apresentando esses dados.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o século XX termina como começou. Para quem se acostumou com a idéia da incessante transformação da História para o sentido de evolução que deveria caracterizar a trajetória das sociedades, nada mais estranho que essa constatação. No entanto, desgraçadamente, ela é real.  

O mundo assiste, Sr. Presidente, entre espantado e temeroso, a mais uma conflagração entre tantas que já marcaram o nosso século. Há diferenças, contudo, entre elas, pois entre as centenas de guerras que devastaram o Planeta ao longo dos anos 900 - algumas mundiais, inúmeras localizadas -, esta, nos dias de hoje, tem mostrado uma face realmente dura e convulsiona a Europa balcânica. Em primeiro lugar, porque a área é naturalmente explosiva.  

Histórica via de interseção entre as culturas ocidental e oriental, ponta divisória do Mar Mediterrâneo, os Bálcãs sempre atraíram a atenção de todos e a cobiça de muitos. Não por acaso, a região foi alvo da ação de forças dominadoras externas e, entre os séculos XIX e XX, repartida e estilhaçada por grandes impérios. Assim, não fica difícil entender ter sido essa região - exatamente na velha Sarajevo, na Bósnia - o estopim que acendeu a Grande Guerra de 1914. Naquela época, como agora, a mesma e traumática realidade: etnias e culturas diversas lutando pela autonomia, buscando fugir do peso da dominação de outros povos.  

O que estamos assistindo neste final de século é a comprovação - dolorosa, por certo - de uma antiga e preciosa lição da História: as soluções artificiais e impostas, especialmente quando se coloca em jogo a crucial questão da identidade nacional, têm fôlego curto. Podem prevalecer por algum tempo, sobretudo se ancoradas na força, mas acabam por terra. A dinâmica natural das sociedades leva à desmoralização desse tipo de solução.  

A esse respeito, o caso dos Bálcãs é emblemático. Ao final da Primeira Guerra Mundial, derrotados os impérios otomano e austro-húngaro, destronado o czarismo russo - que jamais escondeu suas veleidades expansionistas sobre a área, a pretexto de oferecer proteção às populações eslavas -, a região foi redesenhada.  

No caso que mais nos interessa, no momento, aconteceu algo cujas repercussões vararam o século, explodindo na atualidade: a criação artificial de um país - a Iugoslávia -, a partir da junção de vários grupos étnicos distintos. Invadida pelas idéias e tropas nazi-facistas, a Iugoslávia empreendeu uma longa e penosa luta pela libertação nacional, sob o comando de Tito. Terminada a Segunda Guerra Mundial, e graças à liderança do Marechal Tito, pôde o país manter-se unido e, o que é tão ou mais importante, preservar sua independência frente a Moscou, numa época de absoluta satelitização do Leste europeu.  

A artificialidade do processo, presente desde a criação do país, ficou patente na década de 1980: a Iugoslávia não resistiu à morte de sua maior liderança e, a seguir, ao desmoronamento do modelo socialista até então vigente. O país estiolou-se. Ao verdadeiro genocídio que vinha sendo praticado na região, nos últimos tempos, junta-se agora a intervenção externa, representada pelas forças da OTAN, sob o comando dos Estados Unidos.  

Penso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que algo de muito grave envolve o atual estágio do conflito. Sem falso alarmismo, podemos dizer que uma guerra civil transformou-se em conflito de proporções perigosamente ampliadas, em que a eventual perda de controle dos acontecimentos pode levar a uma conflagração mundial. Exatamente por isso, trago o tema ao debate nesta Casa. Preocupa-me, como acredito que a todos, a possibilidade de ampliação do conflito; assusta-me, como a todos os seres humanos que não perderam a sensibilidade, o espetáculo de milhares de pessoas esfomeadas, desabrigadas, vagando em busca da chance de continuarem vivas, ultrajadas em sua dignidade; espanta-me, como a qualquer pessoa que acompanha o desenrolar dos acontecimentos, o fracasso dos órgãos e mecanismos tradicionais criados para fixar parâmetros e dirimir conflitos nas relações internacionais.  

Quero crer, Sr. Presidente, ser essa a questão central. Independentemente das razões que os levaram a agir, por meio da OTAN, os Estados Unidos assumiram a posição de síndicos de um condomínio em crise.  

No anterior caso do Iraque, havia um atenuante: pelo menos formalmente, haviam recebido uma delegação das Nações Unidas. Agora, não. Não estou fazendo juízo de valor, mesmo porque não disponho de elementos suficientes e confiáveis para tal. Registro, tão-somente, com elevado grau de preocupação, o fato de que, neste final de século, o mundo está carecendo de instituições que possam, entre outras atribuições, regular as relações entre Estados e consolidar uma nova concepção de direito universal.  

Estados e Nações parecem estar perdidos em meio a um novo cenário mundial, edificado com extrema celeridade, em curtíssimo espaço de tempo. No caso específico da crise na Iugoslávia, sinto que até mesmo a Chancelaria brasileira - reconhecida por sua tradicional competência - está confusa, tomando atitudes que pecam pela dubiedade.  

Ao trazer o assunto ao debate, nesta sessão, não foi outra minha intenção senão a de alertar a Casa para a gravidade da situação balcânica.  

Num mundo cada vez mais globalizado, que subverteu as concepções tradicionais de tempo e espaço, a ampliação de um fenômeno como esse é possibilidade concreta. Que o Senado esteja atento para o que está ocorrendo, até mesmo como forma de, aprofundando sua reflexão sobre o assunto, oferecer subsídios à condução da política externa brasileira. Esse é um desafio em relação ao qual não podemos nos omitir.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/1999 - Página 1040