Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DOLARIZAÇÃO DA ECONOMIA DA AMERICA LATINA E A CRIAÇÃO DA ALCA - AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A DOLARIZAÇÃO DA ECONOMIA DA AMERICA LATINA E A CRIAÇÃO DA ALCA - AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1999 - Página 10703
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • COMENTARIO, PROXIMIDADE, PRAZO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), REGISTRO, LOBBY, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, ATENÇÃO, ANALISE, INTERESSE, BRASIL, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL.
  • ANALISE, PROCESSO, CRIAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), IMPORTANCIA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, PRIORIDADE, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, sistematicamente, os jornais brasileiros vêm publicando uma série de notícias cujo fundo é o mesmo: a dolarização da economia latino-americana e a cobrança de autoridades norte-americanas para uma urgente manifestação dos países latinos, entre eles o Brasil, de apoio à criação da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas.  

Esta semana, por três dias consecutivos, li matérias relativas a esse assunto. Ontem, li a defesa da Secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, sustentando que a Alca "é a base para um desenvolvimento sustentável no hemisfério".  

Outra manifestação sua, conforme a notícia estampada no Jornal de Brasília , foi a de que "nada será mais importante para a futura segurança, prosperidade e liberdade do povo dos Estados Unidos do que nossas associações nas Américas".  

Em 2001, todos sabemos, termina o prazo estipulado para que seja efetivada a criação da Alca, ano em que as barreiras alfandegárias hoje existentes entre seus 34 membros deverão ser eliminadas. Portanto, esse é o motivo maior que me traz a esta tribuna.  

O mundo globalizado, que não espera nem suporta os que ficam a reboque do progresso, afunila seus interesses, sugere um único remédio e aguarda, com prazo determinado, por nossa decisão de embarcar ou não no redemoinho de suas conveniências.  

Vejo com cautela essas soluções mágicas. Não vou repudiá-las com veemência, como também não vou agarrá-las num afã de desespero. A economia, difícil até mesmo para os economistas, exige a arte da paciência. Envolve questões de produção e competitividade, que merecem profunda reflexão antes do passo seguinte, notadamente quando povos e nações estão envolvidas.  

Antes, porém, de analisar se o que é bom para os Estados Unidos também será bom para nós, quero falar do Mercosul.  

Em 1991, em 26 de março, com a celebração do Tratado de Assunção, nasceu o Mercosul, uma aliança entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Naquele dia, o Brasil demonstrou estar atento às necessidades impostas pelas mudanças no padrão de funcionamento e de desenvolvimento da economia internacional, uma economia orientada no sentido de uma crescente globalização dos mercados e caracterizada pela interdependência entre a produção das diversas nações.  

Em 1991, portanto, o Mercosul passou da condição de uma restrita área de livre comércio, caracterizada pelo comércio isento de tarifas entre os países do acordo, para uma união aduaneira, isto é, além do livre comércio intrabloco, uniformizou suas tarifas externas. Dessa forma, consolidou-se a TEC, sigla de Tarifa Externa Comum, que passou a representar o atual estágio da evolução do Mercosul. Como resultado disso, 95% do comércio entre os quatro países, hoje, é realizado livre de barreiras tarifárias, condição que, até o ano 2000, deve alcançar a totalidade do comércio intra-regional.  

A TEC, que hoje varia de zero a 20% e que foi implementada, em grande parte, a partir de janeiro de 1995, encontra-se definida para todo o universo tarifário do Mercosul. E até 2006, quando termina o período de convergência ascendente ou descendente das tarifas nacionais que ainda se encontram em regime de exceção, a TEC estará implementada para a totalidade do universo tarifário.  

É importante ressaltar que a atual configuração do Mercosul se deve ao Protocolo de Ouro Preto, assinado, em dezembro de 1994, pelos quatro países. Foi a partir da assinatura desse Protocolo que ficou reconhecida a personalidade jurídica de direito internacional do bloco, composto dos quatro países, atribuídos, assim, de competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais.  

Com entusiasmo, olho essa opção brasileira de inserir-se na economia internacional, inclinando-se, num primeiro passo, em direção a seus vizinhos da América do Sul. Corroboro o pensamento de que essa é a escolha adequada.  

O empenho do Brasil a favor da integração das economias da América do Sul há de ser, futuramente, louvado nos livros de História como a principal iniciativa da política externa brasileira na segunda metade deste século. Portanto, vejo ser preferível buscar associação com as nações vizinhas da América do Sul a aventurar-se em empreendimentos mais ambiciosos e mais incertos, como seria o caso de pleitearmos nosso ingresso no Acordo de Livre Comércio da América do Norte - o Nafta.  

A Argentina, o Uruguai, o Paraguai e outras nações latino-americanas estão muito mais próximos de nós, em termos de tamanho da economia e de desenvolvimento, do que os Estados Unidos. No Nafta, fatalmente, os interesses brasileiros seriam esmagados pela presença de um parceiro muito mais poderoso do que nós, os Estados Unidos. Ademais, os norte-americanos, na qualidade de nação hegemônica mundial, possuem uma ampla gama de influências e de interesses em várias regiões do planeta, o que, obviamente, reservaria ao mercado sul-americano um papel secundário na sua ordem de prioridades.  

O Mercosul, neste instante, é para nós o que representa de ideal e economicamente viável.  

Em 1990, por exemplo, um ano antes da assinatura do Tratado de Assunção, o intercâmbio comercial entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai girava em torno de US$1,3 bilhão. Em 1996, esse intercâmbio atingiu a cifra de US$18,3 bilhões. A taxa de crescimento no período 1990/1998 foi de 408%, o que transformou o bloco econômico num fato irreversível.  

Especificamente com a Argentina, o comércio do Brasil passou de US$3 bilhões em 1991, para US$12 bilhões em 1996, fato que tornou a Argentina o segundo principal mercado individual para as exportações brasileiras, perdendo apenas para os Estados Unidos. Até 1998, com tendência ao crescimento, a Argentina representou 11% do total de nossas exportações. O Brasil, por sua vez, desde 1994, mantendo superávit na balança comercial, ultrapassou os Estados Unidos como primeiro mercado importador de produtos argentinos.  

Agora, depois do ataque especulativo sofrido pelo real, após as declarações do Presidente argentino favoráveis à completa dolarização de seu país, idéia que prosperou nos meios financeiros e acadêmicos, e após a declaração do Subsecretário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Peter Romero, que afirmou ser "inevitável a dolarização da América Latina" e, pior, que as crises aqui acontecidas colocaram em xeque o Mercosul e a estratégia brasileira de resistir a uma integração continental acelerada, o tema deixa de ser fato isolado para causar maiores preocupações.  

Está na hora, acho, de todos nós, o Congresso Nacional, promovermos discussões mais profundas e constantes sobre essa questão. Bem sabemos que, a longo prazo, a humanidade caminha para um mundo sem fronteiras. A redução de moedas no mundo, ao que parece, é um fato inevitável, haja vista a implantação do euro, a moeda única para o bloco da União Européia.  

Também nós estamos trilhando esses mesmos caminhos com o Mercosul. Não necessariamente visando uma moeda única, mas com vistas a um comércio sem fronteiras, baseado no princípio de que os benefícios do crescimento sejam distribuídos mais harmoniosamente.  

Prova disso é a proliferação de associações que ocorre entre empresas de nacionalidades distintas, no âmbito do Mercosul, as chamadas joint-ventures. Em 1995, elas já eram mais de trezentas, a maioria estabelecida entre Brasil e Argentina, cujos investimentos, naquele ano, superavam os três bilhões de dólares.  

A exemplo do processo verificado na União Européia, também não precisamos ter pressa. Vamos continuar trilhando com segurança o caminho certo, preferindo o terreno firme de uma integração por etapas, estudada, que é a melhor forma para se colher os melhores frutos.  

Alio-me, neste instante, às palavras de duas autoridades nessa questão do Mercosul, que são o ex-Ministro Botafogo Gonçalves e o Embaixador argentino no Brasil, Jorge Vegas. Nas palavras de Botafogo Gonçalves, "O Mercosul não é uma instituição feita só para determinadas situações conjunturais". Já o Embaixador Jorge Vegas afirma, categoricamente: "O Mercosul está baseado em um desejo que transcende questões comerciais e econômicas. É um projeto estratégico, econômico e político de longo prazo. Paga-se o preço de situações conjunturais em função de um objetivo maior".  

Era isso, Sr. Presidente, meus nobres Colegas, que eu tinha a dizer.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1999 - Página 10703