Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA CONVOCAÇÃO DO MINISTRO DA FAZENDA PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS PERANTE A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO, TENDO EM VISTA DECLARAÇÕES FEITAS A IMPRENSA A RESPEITO DA ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL NO CASO DOS BANCOS MARKA E FONTECINDAM.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • NECESSIDADE DA CONVOCAÇÃO DO MINISTRO DA FAZENDA PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS PERANTE A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO, TENDO EM VISTA DECLARAÇÕES FEITAS A IMPRENSA A RESPEITO DA ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL NO CASO DOS BANCOS MARKA E FONTECINDAM.
Aparteantes
Amir Lando, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/1999 - Página 11065
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONVOCAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), COMPARECIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), FORNECIMENTO, INFORMAÇÃO, FAVORECIMENTO, BANCO ESTRANGEIRO, EXCESSO, LUCRO, OPORTUNIDADE, DESVALORIZAÇÃO, CAMBIO, PREJUIZO, TESOURO NACIONAL.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, nesta oportunidade, desejo trazer ao debate algumas declarações feitas, no final de semana e mesmo nesta manhã, pelo Ministro da Fazenda. Tais declarações nos deixaram assombrados. Entendemos que nada melhor do que a Providência Divina, ou a pressão do Congresso, ou da Imprensa, para fazer com que S. Exª mudasse de idéia a respeito de uma informação anterior sua, qual seja: a de que nada falaria sobre a saída de Francisco Lopes a não ser dez anos após sua morte em um livro póstumo. Nada melhor do que os informantes do Bem que nos possibilitam o conhecimento de determinadas coisas. Fiquei muito perplexa ao ouvir o Ministro dizer que tinha conhecimento da operação feita pelo Banco Central e que, após 15 dias desse evento, tinha colocado à disposição do Presidente da República tanto o seu cargo quanto o do Presidente do Banco Central. O Presidente Fernando Henrique Cardoso optou apenas pela mudança no Banco Central.  

Para profunda desolação de todos os brasileiros que ouvimos as declarações, não foi feito absolutamente nada a partir desse dado, não foi aberta uma sindicância no Banco Central, nada foi explicado à opinião pública, não se buscaram mecanismos para punir os culpados.  

Creio que os mais diversos setores da sociedade brasileira - não apenas aqueles que, por meio de um postulado ideológico, defendem a mudança da política econômica do Governo, mas os mais diversos setores, das pessoas mais simples às que entendem o que está acontecendo, quer seja ligando para A Voz do Cidadão , quer seja por meio de correspondência eletrônica -, não conseguem entender o maravilhoso tráfico de intuição consolidado em determinados relações, em lucros gigantescos de determinadas instituições financeiras. É exatamente por isso que está mais do que chegada a hora de o Ministro Pedro Malan vir à Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as atividades dos bancos e o do sistema financeiro para dar suas explicações.  

Portanto, fica o meu apelo a todos os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito para que o Ministro Pedro Malan venha até à CPI explicar, quer seja a boa mesada dada ao Banco Marka e ao Banco FonteCindam, quer seja essa oitava maravilha do mundo, ou seja, o "tráfico de intuição" feito pelos grandes bancos que ganharam muito dinheiro do Tesouro Nacional, dinheiro esse arrancado das famílias brasileiras. Aguardamos, também, a presença daqueles assessores maravilhosos que estabeleceram laços, elos, relações. A corretora que presta assistência ao Banco, num surto de intuição - não é mais inside information , deve ser insight, como na psiquiatria, insight, o estalo, o vislumbre, algo muito rápido –, uma intuição tão maravilhosa que alguém, de repente, passa a investir R$50 milhões, R$300 milhões, mudando completamente uma postura política que vinha sendo adotada.  

O nome de uma das corretoras, inclusive de filhos de ex-Ministros e de figuras poderosas, talvez já diga muito sobre o elo, o laço que os grandes e os poderosos estabeleceram com a pérola do sistema financeiro internacional, com o capital especulativo e com informações privilegiadas dentro do Banco Central. Nós, Senadores, precisamos desvendar esse laço, desmanchar o laço da corretora dos filhos do Mendonça de Barros, quebrar esse elo terrível que desmoraliza as instituições deste País, que desestimula a sociedade e cria nela a desesperança de forma geral.  

O Sr. Amir Lando (PMDB-RO) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Pois não, Excelência.  

O Sr. Amir Lando (PMDB-RO) - Nobre Senadora Heloisa Helena, V. Exª traz à discussão um tema que, no mínimo, agride o bom senso da cidadania. Esse prejuízo brutal, essa perda de recursos públicos injustificável que significou ganho para grandes instituições - de todas as instituições financeiras ou, mais especialmente, de 24 delas que têm uma vantagem expressiva no ranking –, mostra uma crise, sobretudo uma crise moral no Brasil. Quando se tem a notícia de que um enfermeiro no Rio de Janeiro - sabemos apenas desse caso - resolveu eliminar um número de pacientes, que se estima em torno de 150 pessoas, em troca de R$80,00 a R$100,00 das funerárias, essa também é uma informação privilegiada. Esse enfermeiro informava diariamente os funcionários da funerária que havia falecido mais uma pessoa. Esses chegavam, como espécie de urubus, para buscar o cadáver, que poderia ter vivido até a sua morte natural ou poderia ter tido a possibilidade de sobreviver. Veja V. Exª que a conduta da informação privilegiada para se tirar vantagem, de certa maneira, é a mesma. O que se pode dizer disso que aconteceu? Um núcleo de decisão, que não nominarei - mas não passa de dez pessoas - detinha essa informação. Se vazou, vazou dessas pessoas. Todos são suspeitos. A informação passa pela diretoria, chega aos Ministros de Estado, e todos ficam no mesmo nível de suspeição. E o que se observa? Que a investigação deveria partir desse dado, que é o ponto de partida. Alguém detinha informações, e agora é preciso buscar algum elo, alguma relação entre a ação da vantagem final e a decisão. Isso permanece sob o véu obscuro, num primeiro momento, da dificuldade ou da falta de determinação política de ir atrás dessa relação espúria. Veja V. Exª que esse fato não está ocorrendo agora. Segundo informação que tenho – e pode não ser definitiva –, dos 26 bancos considerados de investimento, 20 deles têm relação direta com ex-Presidentes do Banco Central. Ora, isso não é novidade, pois acontece há longa data. Todos sabem e fazem de conta que é natural, que são regras de mercado, que há o risco sistêmico. Buscam-se justificativas que não dão nenhuma resposta cabal, mas iludem a opinião pública. Tudo fica do mesmo jeito. Quem devolverá esses R$10 bilhões que faltam à saúde, à educação, à infra-estrutura, à qualidade de vida do povo brasileiro? Possivelmente, ninguém. Por que não se investiga essa relação mais do que incestuosa e vergonhosa entre os ex-Presidentes e esses bancos? Muitos inclusive quebraram os bancos que estavam dirigindo para buscarem socorro do Proer ou de programas similares, e voltaram a atuar e a fundar outros bancos. Ninguém sofreu punição. Alguns processos tramitam a passos lentos na Justiça, mas por intermédio de bons advogados criam-se mil mecanismos de procrastinação, e tudo fica do mesmo tamanho. Riquezas e fortunas foram erigidas à custa do Erário, e o dinheiro falta aos hospitais, às escolas. Evidentemente, há uma recessão, mas esse dinheiro sai do mercado, é retirado, é extirpado e vai para o ócio das Ilhas Cayman ou quaisquer outros paraísos fiscais. É o dinheiro sangrado do povo brasileiro, daquele contingente de recursos que poderia gerar atividades produtivas e fazer andar a máquina do processo econômico. Concluo para dizer a V. Exª que o procedimento é antigo. Vislumbra-se todo o iter criminis , mas ninguém ousa colocar a mão. Veja V. Exª quem hoje dirige uma instituição esteve ontem em um banco, já foi presidente do Banco Central, quebrou alguns, fundou outros e atualmente está com uma vantagem brutal por uma instituição que não tem nada a ver com o povo brasileiro. É uma ave de rapina que suga o sangue, a miséria determinada pelo processo de rapinagem dos recursos do povo brasileiro. É isso que estamos vivenciando. De repente, um auxiliar de enfermagem mata 150 pessoas, mas os dez milhões possivelmente vão matar muito mais porque esses dez milhões que vão faltar à infra-estrutura, aos investimentos fundamentais e essenciais para a melhoria da qualidade de vida e para dar cidadania por certo vão provocar a morte de muito mais gente. E tudo se quedará no silêncio, na condescendência e talvez até num atestado de bons antecedentes para esses senhores que sempre manipularam os recursos do Brasil sem qualquer sentido ético, sem qualquer atitude ética, sem o menor pejo, mas só com o único e exclusivo objetivo de extrair vantagens para si e para seu grupo. Muito obrigado.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Agradeço o aparte e compartilho da indignação de V. Exª, Senador Amir Lando.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senadora Heloisa, associo-me às preocupações de V. Exª, que também são colocadas pelo Senador Amir Lando, e desejo registrar a minha preocupação com o momento delicado que estamos vivendo, da evolução da CPI dos Bancos. Hoje, se não me falha a memória nem a interpretação que tive do programa Bom Dia Brasil , o Ministro Malan colocou, com clareza, que não teve conhecimento imediato da operação com o Banco Marka, mas que duas semanas após S. Exª foi informado da situação, procurou o Senhor Presidente da República e dividiu a gravidade do assunto cujo desfecho teria sido a saída do Presidente do Banco Central. Foi a interpretação que fiz da entrevista apresentada hoje no programa Bom Dia Brasil . Gostaria também de registrar minha preocupação com outras circunstâncias relacionadas à CPI, como o pensamento de que essa deva ser sufocada imediatamente, deva ter seu trabalho concluído. O registro do jornal Folha de S.Paulo, segundo a qual a Polícia Federal estaria tentando envolver outras figuras do Poder Central em relação ao caso Banco Marka e sistema bancário e financeiro, traz-me uma preocupação com relação a uma nova conduta da CPI. Imagino que é um assunto que não deva ser sufocado. É muito rico, é de profunda contribuição à moral pública e exige uma investigação rígida, muito criteriosa em relação a todos esses acontecimentos. Quando se fala em CPI dos Bancos, o conceito e a interpretação deveriam ser mais amplos. Veja V. Exª, estamos com a CPI do Banco do Estado do Acre, e hoje o Governo tem que pagar cerca de R$800 mil por mês, acumulado em 30 anos, de uma dívida que não foi assumida pelo povo acreano, mas contraída por meia dúzia de espertalhões que se apropriaram do dinheiro público e que levaram à falência do Banco do Estado. E nós temos hoje uma CPI que escandaliza a Região Norte e que está se propagando Brasil afora. Ontem, ganhou destaque no jornal

O Globo a notícia de que apenas um desembargador, utilizando-se do cheque especial do banco, que tem um teto de cobertura de R$5 mil, gastou R$700 mil dos cofres públicos e diz que vai discutir a dívida na Justiça. Então, em relação à falência de um banco cuja dívida o Governo do Estado do Acre vai pagar por 30 anos e que poderia ser invertida e estar gerando milhares de empregos para aquele povo humilde, que soma 72 mil desempregados, parece-me que a CPI dos Bancos deveria aproveitar e exigir a associação do Governo Federal, para que o escudo da moral pública, no momento, seja o de dar um grande exemplo de que lugar de bandido não é no sistema financeiro, mas atrás das grades, e fazer com que o povo brasileiro tenha na sua moeda um direito sagrado à geração de emprego, renda e distribuição das riquezas do nosso País. Muito obrigado e parabéns pelo pronunciamento.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Agradeço o aparte, Senador, e fica aqui a reflexão para todos nós. Qual é o papel do Senado? Qual é o nosso papel? Qual é a importância do Senado, além de ser essa obra arquitetônica maravilhosa e ter esses tapetes azuis tranqüilizadores? Qual é o nosso papel diante de situações desse tipo?  

Qual é a pessoa de bom senso, independentemente de suas convicções ideológicas ou da sua identidade partidária, capaz de proteger tamanha aberração? Qual é a pessoa de bom senso capaz de entender que, de repente, saem dos cofres públicos mais de R$7 bilhões, fora os outros bilhões dados para banquinhos? Qual é a pessoa de bom senso capaz de entender que todo um País volte sua política econômica para a subserviência e para a subordinação ao capital especulativo internacional? Qual é a pessoa de bom senso capaz de defender a fome, a miséria, o desemprego, a humilhação, o sofrimento, o desmantelamento de parques produtivos inteiros, o desmantelamento do setor agrícola e da pecuária, a ausência absoluta de obras de infra-estrutura no País? Qual é a pessoa de bom senso capaz de defender tudo isso?  

É preciso ser uma estrutura fiscal muito frágil, porque, diante de um escândalo como esse, não é possível que determinadas personalidades não sejam chamadas a depor. O Ministro da Fazenda tem que ser chamado a depor! Os senhores da tal Corretora Link – como o próprio nome diz, laço, elo ou o que seja –, têm que ser chamados a depor! Caso contrário, não teremos o direito sequer de fazer a condenação do auxiliar de enfermagem que mata ou de qualquer pessoa mais simples da população que mata porque outras personalidades políticas estão matando a esperança de milhares de pessoas.  

Milhares de e-mails enviados e milhares de pessoas que ligam para o programa A Voz do Cidadão pedem pelo amor de Deus que a CPI dos Bancos, Senador Eduardo Suplicy, aprofunde suas investigações e enquadre alguém que represente os grandes e os poderosos, a fim de que se sintam melhores como brasileiros. Há uma torcida generalizada no País no sentido de pegar não os pequenininhos, mas os grandes, aqueles que estão na estrutura do poder político e do poder financeiro, estabelecendo a danosa promiscuidade entre o setor político, a instituição e o setor econômico do País.  

Espero que a CPI tenha a oportunidade de desvendar os mistérios sujos em relação ao Banco Central. E que chame o Ministro Pedro Malan. Se fosse este um País onde os mecanismos de controle e as instituições de fiscalização fossem fortes o suficiente, o mandato do Presidente da República já estaria sob risco, porque, diante de um escândalo como esse, nenhum presidente poderia se preservar impassível no poder. Portanto, fica o nosso protesto e a nossa solicitação de que a CPI dos Bancos convoque para depor determinadas personalidades que, sem dúvida alguma, tenham relação direta com o gigantesco escândalo que machuca ainda mais os corações tão sofridos do povo brasileiro.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/1999 - Página 11065