Discurso no Senado Federal

ANALISE DA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA. ENCAMINHAMENTO A MESA DE REQUERIMENTO SOLICITANDO A CRIAÇÃO DE COMISSÃO TEMPORARIA DE ESTUDO DO CINEMA NACIONAL.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • ANALISE DA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA. ENCAMINHAMENTO A MESA DE REQUERIMENTO SOLICITANDO A CRIAÇÃO DE COMISSÃO TEMPORARIA DE ESTUDO DO CINEMA NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/1999 - Página 11068
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, INDUSTRIA CINEMATOGRAFICA, BRASIL.
  • ENCAMINHAMENTO, MESA DIRETORA, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO TEMPORARIA, ESTUDO, CINEMA, PAIS.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso.) — Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, começo com palavras do jovem aguerrido e vitorioso cineasta Walter Sales:  

"Um filme nunca vence um festival sozinho. Traz consigo a história viva de toda uma cinematografia. No caso de Central do Brasil, há no filme o desejo explícito de homenagear os grandes criadores do cinema novo, estes cineastas que colocaram pela primeira vez, de forma visceral, o rosto do Brasil na tela. Há também a vontade de dialogar com o jovem cinema brasileiro, com aqueles realizadores que começam agora a filmar, reinventando e dando prosseguimento ao sonho possível e necessário do cinema brasileiro." Ver Central do Brasil, editora Objetiva, pág. 13.  

Sr. Presidente, neste último mês, por três vezes vim a esta tribuna para falar de um assunto empolgante: os sucessos do filme Central do Brasil , do jovem e aguerrido diretor Walter Salles, da magnífica atriz Fernanda Montenegro e do ator-mirim Vinícius de Oliveira.  

Hoje, retomando o tema, volto à tribuna com um grito de alerta. É que, por trás dos indiscutíveis sucessos da cinematografia brasileira nestes últimos quatro anos, graves dificuldades ameaçam seu atual renascimento. Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário discernir o teor verdadeiro dessas dificuldades, e por isso temos de estudá-las. Todos queremos, por certo, o desenvolvimento pleno e consistente da nossa indústria cinematográfica.  

Mas qual deve ser nosso papel nessa história, como Parlamentares e como instituição?  

Aberta a questão, tenho recebido, pela Internet, por telefone e por contatos pessoais, persistentes manifestações de apoio ao nosso interesse pela matéria, por intermédio de propostas variadas, de amplo debate com acadêmicos, artistas, cineastas, historiadores, intelectuais, investidores, jornalistas, políticos, com as instituições, envolvendo a sociedade brasileira como um todo, de forma especial, o Congresso Nacional.  

A mídia vem dando ampla repercussão à nossa iniciativa.  

Durante recente viagem ao Rio de Janeiro, o Ministro Francisco Weffort me dizia que o Congresso tem um papel fundamental porque nele estão as Casas do debate franco e da concentração possível, indispensáveis.  

E é disso, de um acerto geral sobre o caminho principal a seguir, sobre a política mestra a implementar, sobre as leis a refazer e a fazer, que o cinema brasileiro precisa, neste momento. Nosso papel é maior do que simplesmente fazer, reformular e adequar as leis às necessidades presentes e às do futuro. Nosso papel é também representar os interesses, deixar que se expressem livremente, para que os acertos alcançados capturem o sentido natural das coisas, e a reforma das leis ou as novas leis deles decorrentes tenham eficácia duradoura.  

Com esse espírito – o de estudar nossas reais dificuldades e o de reformular as leis no bojo de um acerto geral dos sentidos –, estou propondo à Mesa do Senado, na forma regimental, a instalação de uma comissão especial temporária de estudo do cinema brasileiro, justamente na esperança de que a virtude política, devidamente orientada, seja capaz de prevalecer sobre as contingências.  

Sr. Presidente, é sabido de todos que, com a extinção da Empresa Brasileira de Filmes – Embrafilme – e do Conselho Nacional do Cinema – Concine –, em 1990, no rastro dos grandes problemas da década perdida, dos anos 80, o cinema brasileiro beijou a lona. O Brasil, que chegara a produzir mais de cem longas-metragens por ano durante os anos 70, passou a produzir, na primeira metade desta década, dois ou três filmes por ano, apenas.  

Mas ao extinguir a Embrafilme e, com esta, o antigo modelo estadista de gestão da indústria cinematográfica, o Governo Collor sinalizou qual seria o novo modelo. A livre iniciativa deveria, a partir daquele momento, comandar o setor.  

A produção na lona e pressionado por forças sempre vivas da comunidade cinematográfica, o mesmo Governo logo reconheceu que a sorte do cinema não poderia ficar exclusivamente na mão de um mercado, por sinal já dominado por fortes interesses estrangeiros. Esse reconhecimento, todavia, não levou a um retorno à antiga política, ou seja, à reintrodução da mão do Estado no setor, mas a uma política de incentivos fiscais como novo modelo de capitalização da produção nacional.  

Aprovou-se, em primeiro lugar, a Lei nº 8.313, de 1991, Lei Rouanet, que restabelecia e reformulava disposições da precedente Lei nº 7.505, Lei Sarney, concedendo incentivos fiscais às empresas que quisessem investir em projetos culturais já qualificados pelo Ministério da Cultura.  

Aprovou-se, em segundo lugar, a Lei nº 8.401, de 8 de janeiro de 1992, que dispôs, entre outras coisas, sobre a autenticidade das obras audiovisuais, sobre o sistema de informação, controle e comercialização, sobre a associação de capitais na produção inclusive com a conversão de créditos da dívida externa, e sobre quotas de tela.  

Aprovou-se, por fim, a Lei nº 8.685, de 1993, Lei do Audiovisual, então sob o Governo do Presidente Itamar Franco, que permitiu o abatimento do Imposto de Renda até o limite de 3% do Imposto devido por pessoas físicas e 1% do Imposto devido por pessoas jurídicas, para investimento na produção de obras audiovisuais. Essa lei criou ainda, em seu art. 3º, dispositivo que encoraja as distribuidores estrangeiras a investir 70% do imposto devido (15%) sobre suas remessas de lucros na produção brasileira de audiovisuais. Três anos depois, o Governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da Lei nº 9.323, de 5 de dezembro de 1996, alterou esse limite de dedução do imposto devido das pessoas jurídicas para 3%, o que propiciaria um ainda maior aporte de recursos.  

Outras leis do gênero surgiram em alguns Estados e Municípios. É o caso, por exemplo, da Lei nº 8.819, de 1996, Lei de Incentivo à Cultura, em São Paulo, que criou programa de incentivos capaz de viabilizar até 80% dos projetos aprovados. É o caso também da Lei nº 10.923, de 1991, Lei Mendonça, do Município de São Paulo, que permite ao contribuinte IPTU e do ISS abater até 70% do imposto a pagar para investimento em projetos culturais. Leis como essas já existem em Minas Gerais, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e noutros Estados, bem como em dezenas de municípios.  

Sr. Presidente, o renascimento do cinema brasileiro vem-se processando no bojo dessas e de outras leis. Nos últimos quatro anos foram captados R$256 milhões, sendo R$ 193milhões pela Lei do Audiovisual e R$62 milhões pela Lei Rouanet. A produção de longas-metragens subiu para 10 filmes em 1995, 16 em 1996, 22 em 1997 e 24 em 1998. Este ano de 1999 promete ser ainda melhor, com o lançamento previsto de 49 longas.  

Da safra de 1995 saiu "O Quatrilho", ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais, o primeiro filme brasileiro a obter indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Da safra de 1997 saiu "O que é isso companheiro?", outro ganhador de prêmios e o segundo a obter indicação para o Oscar. Da safra de 1998 saiu "Central do Brasil", com seus 48 ou mais prêmios já colhidos e oito indicações no Brasil, na França e nos Estados Unidos, sendo duas destas para o Oscar.  

Portanto, em quatro anos, obtivemos dezenas de prêmios e quatro indicações para o mais importante prêmio da indústria cinematográfica mundial. Esse não é um balanço medíocre, pelo contrário. Nunca, em tão curto espaço de tempo, o cinema projetou tanto o Brasil no exterior quanto agora. Nem mesmo nos anos 60, quando o Cinema Novo colocou pela primeira vez, de forma visceral, o rosto do Brasil na tela, isso ocorreu com a mesma intensidade.  

Urge, portanto, preservar esse momentum, agindo prontamente, prevenindo para remediar, porque nos assustam os sintomas da crise subjacente. Somos como gato escaldado, porque a nossa história, a história do cinema brasileiro, é a de um círculo recorrente, alternante, entre decadências e renascimentos, ápices e quedas de tempos em tempos.  

Não custa lembrar, Sr. Presidente, que o Brasil entrou na produção de filmes praticamente junto com os países pioneiros, França, Inglaterra, Itália e Estados Unidos. Na primeira década deste século, chegamos a produzir mais de 200 filmes ou "vistas" por ano, e aquela década pioneira ficou conhecida como a época de ouro do nosso cinema.  

Em 1912, a produção cinematográfica brasileira foi à lona pela primeira vez. Citam-se como causas daquela primeira depressão o início da importação de filmes estrangeiros, a fundação de trustes de exibição e as dificuldades de importação da matéria-prima (a película virgem) surgidas com a aproximação do grande conflito que foi a Primeira Guerra Mundial.  

No final dos anos 20 e nos anos 30, conhecemos um primeiro renascimento, seguido por esforços eventualmente fracassados de se implantarem aqui grandes estúdios à maneira de Hollywood. Dessa época, ainda estão na memória de muitos brasileiros os filmes da Atlântida, produzidos nos anos 40 e 50, e os da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, produzidos nos anos 50. É grato ressaltar aqui que a Companhia Vera Cruz está sendo reinstalada com boas expectativas de sucesso.  

Nos anos 60, passamos pela experiência inovadora do Cinema Novo, com filmes realizados fora dos estúdios e com atores não-profissionais, locados em favelas e no sertão. A frase "uma câmara na mão e uma idéia na cabeça" definia o espírito desse movimento. Glauber Rocha foi sua figura exemplar.  

Nos anos 70 e 80, o cinema brasileiro experimentaria o novo pico produtivo sob a égide do Estado, do INC - Instituto Nacional do Cinema e da Embrafilme. Duas cinematografias se distinguem. De um lado, adaptações literárias e fatos históricos são explorados, a exemplo dos filmes "Dona Flor e seus Dois Maridos", "Xica da Silva" e "Como era Gostoso o meu Francês". Do outro lado, as pornochanchadas. Começa, então, o êxito comercial dos Trapalhões. Com filmes dirigidos às crianças e temas extraídos das histórias infantis, eles têm sido um público que oscila entre 3 e 6 milhões de espectadores por ano. No auge desse período, entre 1974 e 1980, o público nacional chegou a atingir 60 milhões de espectadores por ano. A produção de longas alcançou 100 filmes por ano no início da década dos anos 80.

 

Cada um dos surtos de produção mencionados organizou-se e desorganizou-se, de forma específica, sob as contingências de uma economia nacional em franca transformação. Dadas as especificidades de cada ciclo, não podemos tirar deles lições que nos sejam realmente úteis hoje, salvo a de que devemos prolongar ao máximo o atual renascimento, porque a sua extensão é o que poderá realmente gerar e acumular conhecimentos, padrões e mão-de-obra.  

A crise do ciclo atual apresenta dois aspectos relevantes: um, mais fácil de se ver, que se mostra na queda dos recursos, e outro, mais sutil, que se encontra na política de investimento e seus critérios e que só apareceu quando os recursos de produção tornaram-se mais abundantes. Esse lado mais complexo da crise pode ser resumido nos seguintes termos: 1) os incentivos fiscais criaram uma demanda indiscriminada de projetos; 2) os projetos variados do documentário à grande produção competem em todo e no mesmo espaço de capitalização; 3) a falta de critérios e habilitação das empresas e de alocação dos recursos resultou no desperdício, na inadimplência de muitos projetos e na desprofissionalização do setor.  

Mas a primeira manifestação da crise do atual modelo de produção foi contábil, visível desde o ano passado, na dificuldade que vários projetos de filme, até mesmo de cineastas consagrados, estão encontrando para completar a captação, mesmo depois de já terem elevado percentuais dos recursos necessários. Citam-se entre as causas dessa redução: 1) a privatização de empresas estatais tradicionalmente preocupadas com o incentivo à cultura; 2) a recessão econômica que atingiu a economia nacional desde meados do ano passado: e 3) falhas na legislação dos incentivos.  

A captação de recursos via Lei do Audiovisual caiu de quase R$80 milhões, em 1987, para cerca de 40 milhões no ano passado. Muitos vêm nessa queda uma demonstração do filme do atual modelo, tido como excessivamente sensível às flutuações da economia. Sabe-se ainda que o art. 3º da Lei nº 8.685, de 1993, dispositivo que busca o investimento das distribuidoras estrangeiras no cinema nacional, não surtiu ainda os efeitos almejados na escala possível. Ora, em última análise, nada escapa aos vagares da economia, o que não requer dizer que o atual modelo já se tenha esgotado. Além disso, sempre se pode aperfeiçoar a legislação ou até mesmo adotar políticas compensatórias que não para a economia como um todo, pelo menos para setores específicos.  

Sr. Presidente, é justamente isto - políticas compensatórias - que o Governo vem fazendo pelo Ministério da Cultura. Os filmes a serem finalizados este ano poderão pleitear recursos junto a um programa especial de financiamento, dirigido pelo Ministério da Educação e Cultura - MinC, e com recursos do BNDES e Sebrae, operados pelo Banco do Brasil e com o aval do próprio Ministério da Cultura. O Governo poderá liberar até 80 milhões de reais para cineastas, produtores e donos de cinema em 1.999 e 2.000. Serão custeados 63 filmes em fase de finalização e 71 em estágio avançado de produção. Haverá, também, dinheiro para distribuidores e para quem quiser reformar, modernizar ou construir novas salas de cinema, assim como para a divulgação de filmes nacionais. Enfim, os recursos escasseados pelo mercado serão compensados.  

A produção está garantida, Sr. Presidente, até o ano 2.000, com essas compensações. Mas e depois, como será? Para os resultados deste ano o cinema brasileiro contou com uma boa captação de recursos até meados do ano passado. Instalada a crise do segundo semestre, o crescimento da economia em 1.988 reduziu-se a quase zero, projetando-se para este ano de 1.999 um crescimento de até 3% negativos.  

Sob esse cenário, a captação de recursos este ano ainda está mais comprometida do que esteve no ano passado. Portanto, ao olharmos para depois do ano 2.000, vemos que a produção de filme deverá cair em relação a este e ao próximo ano. Isso ocorrerá se as atuais políticas compensatórias forem descontinuadas e os investidores continuarem fora da produção. Duas medidas, pois, parecem urgentes: 1) Melhorar e manter a política compensatória até que passe a crise de captação; 2) Reajustar a legislação para atrair novos investidores.  

E se todos os filmes programados para este ano forem realizados como se promete?  

Aí, então, chegaremos ao instigante paradoxo do atual renascimento e da sua crise subjacente. Teremos chegado a uma supersafra relativa de filmes. relativa ao mercado exibidor e super porque extrapola a capacidade de absorção do mercado. Esse paradoxo entre o atual renascimento e sua crise aponta para uma falha estrutural de longa data na cinematografia brasileira.  

O cinema brasileiro acaba tendo problemas de produção simplesmente porque não consegue resolver nem o problema da distribuição nem o da exibição. Daí advém um encadeamento de dificuldades onde os mais sacrificados são os exibidores, e os mais frustrados, os produtores. Esse encadeamento perverso faz com que, não raro, uns se posicionem contra os outros, em especial quando chegam as crises.  

A solução mais freqüentemente aplicada a essa falha estrutural - e que continua posta como um resíduo na legislação vigente - tem sido a de alguma proteção para o cinema nacional. O paradoxo da supersafra já levou à sugestão de que a dificuldade chave do cinema brasileiro não está tanto em reservar para si uma parte de um mercado já estreito, mas em recriar e fazer crescer um mercado maior.  

Via de regra, Sr. Presidente, os produtores são a favor de alguma reserva e os distribuidores são contra. Estaria a melhor solução para nosso cinema em não se promover qualquer reserva, mas em ganhar mercado pela competitividade intrínseca do produto nacional? Isso implica confiarmos na criatividade brasileira, na pujança de nossa cultura, nos nossos produtores, diretores, roteiristas, técnicos e artistas. E mais importante: implica darmos a essa comunidade condições reais de competitividade, o que, muitas vezes, reclama uma certa dose de proteção. Como confiar em nós mesmos?  

O nosso mercado cinematográfico está, de fato, bem aquém das suas potencialidades, começando só agora, nos últimos três anos, a se recuperar de um longo período de decadência. A decadência começou nos anos 70, com a introdução e a disseminação de novas tecnologias audiovisuais. Refiro-me aqui à televisão aberta e a cores, ao videocassete e, finalmente, às TVs a cabos e por assinatura. Foram mudanças tecnológicas que alteraram bastante os hábitos da produção, sendo o seu maior impacto o fechamento das salas tradicionais de cinema, de forma acentuada nas cidades do interior.  

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador Francelino Pereira, a Presidência cumpre o dever de informar-lhe que são passados 5 minutos além do seu tempo regulamentar, mas estamos respeitando a contribuição que está dando com a análise que faz da indústria cinematográfica brasileira. Apenas faço o registro para que possa considerar os demais oradores.  

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG) - Eu pediria a V. Exª, ao Plenário e aos oradores em especial que me permitissem concluir este trabalho que me tomou pelo menos um mês de pesquisas, estudos e encontros com os homens do cinema nacional.  

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Nós lhe permitiremos continuar.  

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG) - Muito obrigado.  

Sr. Presidente, o pico do número de salas ocorreu no Brasil no início dos anos 70. Em 1975, existiam no País 3.276 salas de exibição, estando 2.701 delas no interior e 575 nas capitais. Nos treze anos que vão de 1975 a 1988, foram fechadas 1.853 salas: 1.719 no interior e 134 nas capitais. Quer dizer, para cada sala de cinema fechada nas capitais, nesse período, foram fechadas 12,8% no interior. Segundo projeção feita pelo Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas, Vídeo e Similares do Estado de São Paulo, teríamos de ter hoje, no território brasileiro, sete mil salas aproximadamente. O déficit de 5.600 salas é cinco vezes maior do que o número de salas existentes: hoje em torno de 1.100 efetivamente operacionais.  

É justamente na recuperação do mercado brasileiro que grandes empresas exibidoras estrangeiras estão apostando, com fortes investimentos em novos conjuntos de salas que levam à caracterização de "multiplex". Seu objetivo é o de instalar 1.300 novas salas no País até o ano de 2001. O próprio Governo projeta uma recuperação do setor, com expectativa de atingirmos 4.000 salas até o ano de 2002. Então, teremos um mercado espectador ampliado, mais desenvolvido, no qual alguns dos problemas de espaço atuais poderão ser mais facilmente sanados.  

Sr. Presidente, as perspectivas são boas, mas muito há que se fazer.  

Debruçado sobre a matéria nas últimas cinco semanas, adquiri uma razoável idéia da sua complexidade e das suas demandas correntes. No início, minha vontade foi a de apresentar um projeto de lei sucinto, objetivo, que favorecesse o cinema nacional nesses dias bicudos. Logo vi, todavia, que a iniciativa isolada de um parlamentar não poderia resolver a questão de forma assim tão ligeira, além de ser mal recebida pelo setor.  

Ante minhas indagações, o professor Carlos Calil, ex-Presidente da Embrafilme e hoje professor de cinema na USP, escreveu-nos solidário: "A matéria é complexa, os beneficiários são exigentes e barulhentos, os adversários são gente poderosa, não admira que o Senador queira refletir um pouco".  

As idéias iniciais que meus assessores e eu aventamos receberam críticas sinceras e sugestões, o que nos fez evoluir e compreender melhor os fatos, movendo-nos no sentido de requerer essa Comissão Especial do Cinema, temporária, porque é realmente uma demanda do setor.  

Vera Zaverucha, ex-titular da Secretaria do Audiovisual do MinC e consultora dessa indústria, enviou-nos propostas, análises e muitos dados. Entre outros, ela nos enviou cópia de importante documento, assinado por Gustavo Dahl e 66 outras personalidades do ramo cinematográfico, encaminhado ao Governo Federal em outubro do ano passado. Nesse documento, além de uma penetrante análise dos problemas atuais, apresentaram-se as metas para a produção, a distribuição e a exibição de filmes até o ano 2003, bem como as metas para difusão e mercado externo.

 

Mariza Leão, Vice-Presidente para as Relações Institucionais do Sindicato Nacional dos Produtores de Cinema, estimulou-nos a prosseguir, "pois é urgente agir antes que a crise que hoje atravessamos se transforme numa nova paralisia da produção", oferecendo-nos a legislação audiovisual compilada e traduzida de oito países para termos um amplo quadro de referência.  

Falamos por telefone com os produtores Luiz Carlos Barreto, Francisco Paulo Aragão e Aníbal Massaíne Neto. Recebemos em meu gabinete a visita de Steve Solot, representante para a América Latina das grandes distribuidoras centradas em Hollywood. Recebemos Adalberto Moura Macedo, Presidente da Federação Nacional das Exibidoras Cinematográficas, acompanhado por Ricardo Difine Leite, Presidente do Sindicato dos Exibidores do Rio Grande do Sul, e por Alberto Bitelli, Presidente do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas, Vídeos e Similares do Estado de São Paulo. E conversamos com Walkiria Barbosa, produtora e diretora do Rio Cine Festival.  

Acompanhei as demandas do setor junto ao Poder Executivo e verifiquei que o governo vem respondendo com medidas positivas, sinal de que a indústria do cinema tornou-se uma de suas prioridades. Em janeiro deste ano, por exemplo, o Ministério da Cultura reformulou a antiga Comissão do Cinema, dando-lhe ampla representatividade e obtendo com isso a aprovação do setor. Essa positividade começa a ser creditada pelo povo do cinema a José Álvaro Moisés, que, ao assumir no MinC a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual este ano, imprimiu-lhe um novo dinamismo.  

Assim é que pude verificar, entretanto, que algumas frustrações persistem no meio cinematográfico brasileiro. Reclama-se que as propostas feitas no documento de outubro ainda não foram devidamente consideradas. Reclama-se, e esta demanda nos interessa aqui especialmente, um foro relevante e conseqüente para os seus debates. Eis aqui, manifesta, a necessidade da entrada do Poder Legislativo nessa questão.  

Claro, sabemos todos, que a ação do Governo é fundamental, enquanto Poder Executivo, na formulação e nas decisões de solução para muitos dos problemas da nossa cinematografia. Mas por muito que o Governo responda, não pode prover ao povo do cinema a atual demanda por um foro de debate e de concentração de suas idéias.  

Assim é que, Sr. Presidente, corroborado pela demanda manifesta desse povo e pela opinião do Ministro Francisco Weffort sobre a importância do Poder Legislativo na obtenção dos acertos necessários, entendo oportuna a instalação dessa Comissão Especial do Cinema no Senado Federal.  

Sua pauta, por tudo que vimos até aqui, será positiva. Ela realizará debates, inclusive audiências com produtores, distribuidores e exibidores, almejando a concentração dos interesses. Ela examinará a legislação vigente e produzirá uma nova, adequada às necessidades do atual ciclo de produção. E estou seguro de que, com a colaboração de todos, ela contribuirá enormemente, no prazo regimental, para afastarmos os problemas que, sem ela, se abaterão certamente sobre o cinema brasileiro do ano final deste século.  

Encerro, Sr. Presidente, com Fernanda Montenegro, com sua manifestação sobre a necessidade visceral de se filmar no Brasil:  

"Às favas a modéstia! O que se vê na tela é o tocante resultado deste excelente roteiro(...) Filmar esta bela história foi um ato gozoso e doloroso, obstinado, orgânico e absolutamente surpreendente na sua coragem e despudor de falar ao coração, e só ao coração. Longa, vitoriosa vida a esta Central, que é este renascer conjunto do cinema no Brasil." (Em Central do Brasil, Ed. Objetiva, contracapa).  

Sr. Presidente, toda esta dissertação é para que, traduzida em documento específico, transforme-se num referencial para iniciar-se nesta Casa o debate em torno do cinema brasileiro.  

O cinema brasileiro não tem uma convivência com o Congresso Nacional, nem com a Câmara e nem com o Senado. Bate sempre às portas do Ministério da Cultura. Mas convém salientar que um Ministro de Estado nem sempre tem a liberdade de falar abertamente, de contrariar interesses dentro da própria estrutura governamental. Já o Congresso Nacional, que é uma Casa de debate por natureza, pode dialogar abertamente, com todas as opiniões contrárias, até encontrar convergências no sentido de realizarmos o objetivo dessa Comissão Especial do Cinema. Para tanto, Sr. Presidente, apresento o seguinte requerimento:  

Requeiro, nos termos do art. 58 da Constituição Federal, e dos artigos 74 e 76 do Regimento Interno, a criação de uma comissão temporária de estudo do cinema brasileiro, composta de 9 integrantes, com o objetivo de, até 15 de dezembro do corrente ano, fazer estudo exaustivo da situação do cinema nacional, em todos os ângulos de sua atuação, e propor uma legislação específica de fomento a essa atividade.  

Assinado por este Senador.  

Sr. Presidente, sobre este assunto, conversei com o ilustre Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, manifestando a minha preocupação no sentido de que há nesta Casa mais de 10 requerimentos de criação de Comissões Especiais. S. Exª considerou que este tema é de interesse da Nação brasileira e envolve um segmento da sociedade altamente interessado em encontrar o melhor caminho para o cinema nacional, através do foro legislativo, no Congresso, especialmente no Senado da República.  

Muito obrigado.  

 

Ä ¿ 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/1999 - Página 11068