Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AOS DADOS APRESENTADOS PELO JORNALISTA ALOYSIO BIONDI, EM SEU LIVRO 'O BRASIL PRIVATIZADO'.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.:
  • COMENTARIOS AOS DADOS APRESENTADOS PELO JORNALISTA ALOYSIO BIONDI, EM SEU LIVRO 'O BRASIL PRIVATIZADO'.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/1999 - Página 11286
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, REFERENCIA, DESEMPREGO, MOTIVO, PRIVATIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, ALOYSIO BIONDI, JORNALISTA, ASSUNTO, CRITICA, DADOS, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMISSÃO COLETIVA, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, MOTIVO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS.
  • CRITICA, GLOBALIZAÇÃO, MOTIVO, DESCUMPRIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, PRIMEIRO MUNDO, REQUISITOS, LIBERALISMO, COMERCIO EXTERIOR.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou trabalhar, na tarde de hoje, devido ao tempo que resta para o encerramento da sessão, no segundo tema, que já foi muito cantado em verso e prosa pelo Estado brasileiro, por esse monstrengo a serviço da elite econômica, como se fosse a salvação do Brasil, uma das panacéias capazes de resolver todos os males: a prática nazifascista contra os servidores públicos.  

Alguns até dizem que se tem de "colocar para fora", porque alguns políticos irresponsáveis "colocaram para dentro". Entretanto, esses políticos irresponsáveis que "colocaram para dentro" certamente continuam saltitando alegremente pelas estruturas de poder, sem que lhes aconteça absolutamente nada.  

A outra panacéia que sempre foi apresentada à sociedade é a privatização. Eu não ia falar sobre esse tema, mas me senti seduzida a fazê-lo em função do debate sobre o servidor público — servidor público e privatização sempre foram as desculpas da incompetência e da irresponsabilidade, a panacéia para todos os males . Senti-me estimulada a falar até em função de um livro que ganhei, escrito pelo jornalista econômico Aloysio Biondi, intitulado O Brasil Privatizado . Certamente, ele foi um ótimo presente do Dia das Mães.  

Paradoxalmente, este livro me trouxe dois sentimentos. Em primeiro lugar, a tristeza, porque apresenta dados concretos — até do BNDES — que mostram a irresponsabilidade patrocinada pelo Governo Federal no processo de privatização, que destruiu o patrimônio público e o Brasil, portanto, a nação dos nossos filhos. Imaginem o que sinto, como mãe, vendo destruída a Nação não apenas dos meus filhos, mas das futuras gerações. Em segundo, a alegria, porque, se vi, por um lado, a irresponsabilidade dos que destruíram a Nação, por outro, constatei a importância de as crianças e os jovens deste País terem exemplos de pessoas corajosas, como esse jornalista.  

Considero corajoso aquele que tem a possibilidade de enfrentar o pensamento hegemônico, a cantilena dos meios de comunicação que tanto ajudaram a irresponsabilidade do processo de privatização. É importante que os nossos filhos vejam exemplos como o desse jornalista, que tem a coragem de denunciar o profundo vazio moral do Governo em relação às privatizações.  

Os dados apresentados são tristes; demostram, por meio das cifras oficiais, a grande demagogia montada em torno do processo da privatização. Meu Deus do céu! Olha essa conversa de mercado, conversa fiada! Na verdade, não se submetem ao mercado, à competitividade; não se submetem a esse deus que tanto cantam como o deus do mercado. Estado paternalista, esse Estado que foi tão criticado! No entanto, o grande capital nacional e internacional tem a mão protetora, carinhosa, paternalista, justamente desse Estado, conforme mostram os dados oficiais.  

Indubitavelmente, este livro, produzido pela Editora Perseu Abramo, foi um grande presente do Dia das Mães, porque, se causou tristeza, também provocou alegria, ao mostrar homens com coragem. Isso, sim, significa coragem!  

O autor apresenta vários dados. Antes de vender as empresas telefônicas, o Governo investiu R$21 bilhões no setor, em dois anos e meio. Acabou vendendo esse setor por uma simples entrada de R$8 bilhões, a qual, na verdade, não foi nesse valor, porque o próprio Estado paternalista financiou a metade para os compradores. Qualquer pessoa de bom-senso é capaz de ver a lógica! Isso não é pressuposto ideológico. No Nordeste, diz-se que isso é uma "esculhambação"; aqui se pode dizer que é um profundo vazio moral. Como se justifica o fato de o Estado investir R$21 bilhões e vender por uma entrada de R$8 bilhões, que não é de R$8 bilhões, mas de R$4 bilhões, porque foram financiados R$4 bilhões?  

Na venda do Banco do Estado do Rio de Janeiro, os tais "compradores" pagaram pelo banco R$330 milhões. No entanto, o Governo do Rio, antes de vender, fez um empréstimo de R$3 bilhões para fazer a demissão, pagar direitos trabalhistas e entregar tudo bem arrumadinho, a fim de que esses supostos compradores ganhassem, usufruíssem, lucrassem com o patrimônio público.  

Na privatização da Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, a empreiteira que ganhou o leilão assinou um contrato, comprometendo-se a construir uma nova pista até abril de 1999. Está recebendo R$220 milhões de pedágio por ano e ainda não iniciou a obra.  

A Companhia Siderúrgica Nacional foi comprada por R$1,05 bilhão, dos quais R$1,01 bilhão em moedas podres, vendidas aos supostos compradores pelo próprio BNDES — Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, financiadas em 12 anos. Vejam o descaso absurdo com o patrimônio público.  

Assim é a privatização brasileira: o Governo financia a compra no leilão, vende moedas podres a longo prazo, financia os investimentos que os compradores precisam fazer — até a Light recebeu empréstimo de R$730 milhões no ano passado — e, para aumentar ainda mais o lucro dos futuros compradores, toma para si, gentilmente, dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta as tarifas antes do processo de privatização.  

Penso que todos nós, brasileiros, temos de nos meter nesse processo, para verificar se ele é tão bom para o povo brasileiro, como o é para o setor privado, que não se submete às leis do mercado, às leis da competitividade, a absolutamente nada.  

Como jornalista — este é o seu maior mérito —, Aloysio Biondi lembra muitos fatos interessantes, como o de que houve uma intensa campanha contra as estatais nos meios de comunicação, uma verdadeira lavagem cerebral da população para facilitar as privatizações. O Srs. Senadores devem lembrar-se de uma propaganda bem interessante, em que se dizia: "tudo vai melhorar com a privatização; vai ser instalado telefone até em São José da Tapera".  

São José da Tapera é um Município muito pequeno de Alagoas, que não teve o serviço de telefonia instalado e, pior do que isso, tem a maior mortalidade infantil do mundo, é a pior cidade do Brasil em condições de miserabilidade. E mais: não foi contemplado com o projeto de renda mínima do Governo Federal, e não há nenhuma ação efetiva no sentido de reverter isso, o que é uma verdadeira aberração.  

Eles diziam: "Claro que o telefone não apareceu lá". Entre os principais argumentos, apareceu sempre a promessa de que elas traziam preços mais baixos para o consumidor, graças à maior eficiência das empresas privadas - essa propaganda enganosa, que, sem dúvida, foi e, com certeza, está sendo feita novamente em relação às nossas hidrelétricas.  

Nos casos dos serviços telefônicos e de energia elétrica, o projeto do Governo sempre fez exatamente o contrário, ainda mais, como sempre, por debaixo do pano e na surdina. Todos sabemos que, antes das privatizações, o Governo já havia começado a aumentar as tarifas alucinadamente para, assim, garantir imensos lucros, supostos lucros, aos compradores, sem que eles tivessem que enfrentar risco nenhum de protesto e indignação dos consumidores.  

Estão vendo a esculhambação?  

O Governo aumentou antecipadamente essas tarifas para criar, na população, a ilusão de que não seriam esses setores que iriam aumentar as tarifas, além de criar mecanismos que possibilitavam cada vez mais lucro a esses setores. E são essas pessoas que se dizem com autoridade para perseguir servidor público! Isso é uma aberração!  

Para as telefônicas, reajustes de até 500% a partir de novembro de 1995, e, para as fornecedoras de energia elétrica, aumentos de 150%, e reajustes ainda maiores para as famílias de trabalhadores que ganham menos, vítimas, como sabemos, das mudanças em relação à política tarifária. Tudo isso, um belíssimo preparativo para garantir que essas empresas "competentes" pudessem ganhar muito mais à custa do patrimônio público e tantas outras mentiras patrocinadas. Tudo isso é muito doloroso.  

As tarifas e preços: reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização; aumentos de última hora, como o reajuste de 58% para as contas de energia do Rio, poucos dias antes do próprio leilão da Light.  

Quanto às demissões antes da privatização, o Governo tem feito demissões maciças de trabalhadores das estatais. Por quê? Porque, com isso, ele gasta bilhões com pagamentos de indenizações e direitos trabalhistas, que, na verdade, seriam de responsabilidade dos compradores. Se querem comprar, então que as comprem do jeito que está, porque as estatais são apresentadas à sociedade como empresas que dão prejuízo.  

Tomemos o exemplo o Governo de São Paulo, que demitiu 10.026 funcionários de sua empresa ferroviária, a Fepasa, de 1995 a 1998. Ainda assim ficou responsável pelo pagamento de 50 mil aposentados da ferrovia.  

No Rio, o Governo, antes da privatização, incumbiu-se de demiti nada menos do que a metade dos funcionários do Banco Banerj, 6.200. Com essas demissões, além de livrar do pagamento de indenizações, aposentadorias, os compradores, também possibilitou que recebessem folhas de pagamentos mais baixas, mês a mês. E o mesmo valendo para todas as empresas privatizadas.  

Um dos aspectos dos mais dolorosos: as dívidas engolidas. Esse, sem dúvida, é um ponto que nunca ficou claro para o povo brasileiro e jamais ficará, porque tamanho vazio moral não tem como explicar. Ao longo de trinta anos, desde o final dos anos 60, o Governo freqüentemente usou as estatais para "segurar" a inflação ou beneficiar determinados setores da economia, geralmente por serem considerados "estratégicos" para o País.  

Houve períodos em que o Governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos, como o aço, e de serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pressões e controlar as taxas de inflação. Esses "achatamentos", esses "congelamentos" foram os principais responsáveis por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algumas estatais e sempre foram apresentados como sinal de incompetência. Essas estatais passaram a acumular dívidas ao longo dos anos, sofrendo, então, uma nova sangria de recursos, representada pelos juros que tinham de pagar por essas dívidas. Certas ou erradas, as estatais foram usadas como arma contra a inflação.

 

Em relação às acusações de incompetência - e elas são um grande saco sem fundo -, quando veio a onda das privatizações, o Governo fez exatamente o contrário. Primeiro, como já disse anteriormente, aumentou os preços das tarifas cobradas pelas empresas a serem privatizadas. Mas o que é mais grave é que o Governo engoliu, passou para o Tesouro - este nosso Tesouro que é pirateado o tempo todo pelos banqueiros internacionais, pelo capital especulativo internacional, com a participação direta do tráfico de influência ou tráfico de suposta intuição dos próprios membros do Governo - dívidas que eram de estatais, bilhões e bilhões de reais que deveriam ser pagos pelos compradores, mesmo que esse pagamento fosse feito a longo prazo.  

Na venda da Companhia Siderúrgica Paulista, o Governo ficou responsável por dívidas de R$1,5 bilhão, além de ter adiado o recebimento de R$400 milhões em ICMS atrasado. Quanto o Governo recebeu pela venda? Trezentos milhões de reais. Então veja: o Governo assumiu uma dívida de R$1,5 bilhão, abriu mão de receber, em ICMS, R$400 milhões e recebeu R$300 milhões. Assim mesmo, sabemos como esses R$300 milhões entram, porque sabemos quem financia o setor privado para entrar nesses leilões na tentativa de comprar dessas estatais.  

Em relação à Companhia Siderúrgica Nacional, o Governo engoliu dívidas de R$1 bilhão. É claro que fica muito fácil entender por que os compradores lucraram tão rapidamente. Receberam empresas limpinhas, prontas para os lucros, saneadas pelo Governo.  

Quando se refere a dívidas transferidas, o Governo sempre divulga os resultados do processo de privatização porque sempre refere-se ao preço da venda como um preço maravilhoso. Nesse argumento, segundo os dados do próprio BNDES, que estão apresentados no final, existe uma dupla mentira. Primeiro, porque, como já demonstramos, o Governo Federal engoliu determinadas dívidas, dívidas a respeito da qual nunca se ouviu falar, a que os meios de comunicação nunca se referiu, como também o próprio Senado e o Congresso.  

O Senador Amir Lando foi Relator de uma Comissão Mista para investigar o processo de desestatização, que, de fato, não chegou até o final. Quem lê o relatório do Senador Amir Lando vê a tristeza com S. Exª fez esse relatório, impedido que estava de garantir que esse processo fosse devidamente investigado pela sociedade.  

Quanto às dívidas que permaneceram sob a responsabilidade dos compradores, é preciso lembrar que os compradores contam com o faturamento das próprias empresas e que também eles, compradores, estão sendo financiados pelo próprio BNDES, pelo banco público, pelo dinheiro público, para possibilitar esse pagamento.  

O mesmo ocorre com os fundos de pensão.  

Como podemos justificar que determinadas empresas tenham sido vendidas com um valor inferior ao dinheiro que havia em caixa? Qual a lógica que explica tamanho desrespeito em relação ao patrimônio público? O patrimônio nacional não pertence a nenhum Partido político, a nenhuma personalidade nacional, não pertence ao Presidente da República, a um Senador, a um Partido de Direita ou de Esquerda. O patrimônio nacional pertence ao povo brasileiro e às pessoas que, inclusive, com o seu sofrimento, com a sua angústia, com a sua extrema humilhação, ajudaram a construí-lo.  

Quando observamos isso, percebemos algo absolutamente lastimável, em todos os aspectos. As conversas fiadas de que entrou dinheiro da Companhia Vale do Rio Doce, um valor acima do que estava colocado...  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Nobre Senadora, desculpe-me por interromper o maravilhoso discurso de V. Exª. Faço isso apenas para alertá-la de que V. Exª dispõe de 5 minutos para concluir o seu pronunciamento e conceder os apartes que, porventura, queira conceder.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - V. Exª concede-me um aparte, nobre Senadora?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Em razão do tempo escasso que me resta, concedo um aparte ao nobre Senador Geraldo Cândido.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Senadora Heloisa Helena, agradeço o aparte, parabenizando V. Exª pelo seu pronunciamento baseado inclusive no livro do grande jornalista Aloysio Biondi. Ouvimos antes, durante a sessão, acusações no sentido de que aqueles – como V. Exª – que se posicionam contra a privatização e também contra esse projeto de corte de custos nos Estados são atrasados, ou seja, são dinossauros que ainda sobrevivem depois de 260 milhões de anos de extinção. Esse discurso do Estado moderno, enxuto e leve que sempre ouvimos no dia-a-dia nunca demonstrou eficiência. Ao contrário. Desde 1990, no Brasil, escutamos esses pronunciamentos acerca da necessidade de privatizar e cortar custos. Qual o resultado disso tudo? Estamos hoje nessa situação, isto é, o País encontra-se na maior crise de toda a sua história, com uma dívida externa imensa e impagável e uma dívida interna também fabulosa, que comprometem mais da metade do PIB. A modernidade não chegou. V. Exª citou a questão do Banerj, em meu Estado, objeto de privatização vergonhosa. O Estado, depois de investir mais de R$3 bilhões para organizar aquela instituição, entregou-a por R$311 milhões – valor expresso em moeda podre. A dívida total do Banerj foi R$12 bilhões para o Estado, que arcou com todo esse prejuízo. Sou funcionário do metrô do Rio de Janeiro, que teve um custo de US$7 bilhões. Esse investimento foi entregue a um consórcio composto pelo Banco Opportunity e por uma empresa Argentina, a Cometrans, por R$291 milhões, para pagar em 20 anos. Essa foi a doação do Governo Marcello Alencar. Isto é o Estado moderno. É o que se diz aqui, e nós somos obrigados a ouvir. Ainda por cima, somos os errados porque contestamos esse tipo de comportamento. Para nós a situação não tem nada de modernidade; pelo contrário, transforma, desemprega, demite servidor público, coloca em disponibilidade, aposenta de forma compulsória. O servidor público é sempre o bode expiatório, assim como o aposentado e o pensionista, que, mais uma vez, têm de pagar a Previdência depois de tanto tempo de contribuição. Considero isso um absurdo. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento porque entendo que temos de denunciar e mostrar que não somos coniventes com a situação. Muito obrigado.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Agradeço o aparte, Senador Geraldo Cândido  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me concede um aparte, Senadora?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Valadares.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senador Heloisa Helena, acompanhando seu pronunciamento compreendemos a sua indignação face ao andamento do processo de privatização, que resultou em prejuízos incomensuráveis para nossa economia e principalmente para o nosso povo. Muito do que se escreve nos jornais, que se veicula nos canais de comunicação não é divulgado em sua inteireza porque ao Governo não interessa que o povo saiba de tudo. O BNDES tem incentivado a privatização retirando dinheiro da sociedade para proteger empresários que investiram pouco na aquisição do nosso patrimônio. O Brasil, para atender ao FMI, adotou um receituário amargo. Já tivemos oportunidade de falar isso. Ajudou a estimular o desemprego, o fechamento de empresas... Enfim, a saúde pública hoje é um caos, a segurança pública tem a violência recrudescendo cada vez mais não apenas nos centros urbanos, mas também no meio rural, devido justamente à situação de miséria por que está passando o povo brasileiro. Ora, se atender ao receituário do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos fosse bom, todos os que o seguissem teriam sucesso. O México, por exemplo, teve um presidente da República eleito de forma irregular, o Presidente Salinas assumiu o governo e levou para o México auxiliares que estudaram em Harvard, nos Estados Unidos, e cujo conhecimento foi adquirido nas melhores escolas americanas. Saiu depois de seis anos com a fama de ter proporcionado ao México um milagre econômico. Quatro meses depois, o México entrou em crise, a chamada "crise tequila", que contagiou outros países, inclusive a Argentina, que terminou entrando em desespero com sua moeda, etc. Há pouco tempo, vimos a Tailândia em dificuldades, primeiro país da Ásia a desencadear a crise monetária que se abateu sobre o mundo, depois foi a Rússia. E se dizia, há dois anos, que a bola da vez seria o Brasil. Ninguém acreditava. E o Brasil continuou dormindo, mas atendendo a este receituário: vender as nossas empresas a qualquer custo, até a preço de banana. Resultado: atendeu a todas as pretensões desse mandamento do FMI, e terminamos na crise que estamos vivenciando hoje. O Presidente da República afirmou, lá nos Estados Unidos, que o pior já passou. Quem sabe dizer se o pior já passou são os miseráveis que vivem na zona rural do nosso Brasil, nas periferias da cidade, sem emprego. O Prefeito de São Paulo, não sei se por demagogia, abriu uma frente de trabalho para dez mil pessoas. Compareceram, de um dia para o outro, setenta mil pessoas. Isso é uma prova de que tudo isso é uma falácia, de que essa política neo-liberal está arrasando o Brasil. Daí, compreendo a indignação de V. Exª.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Nobre Senadora Heloisa Helena, a Presidência prorroga a sessão por mais 4 minutos para que V. Exª possa concluir o seu magnífico pronunciamento.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL) - Muito obrigada, Sr. Presidente.  

Aproveitando o fato de V. Exª ter mencionado o Fundo Monetário Internacional, a subserviência ao Fundo Monetário Internacional, aproveito para dizer que essa conversa de globalização é uma grande mentira. Mentira. Se querem fazer a globalização, têm de fazer a globalização dos Estados Unidos, da Inglaterra, do Japão, porque a globalização parte de três pressupostos básicos que qualquer medíocre conhece: para haver globalização precisa haver mobilidade de capitais, de força de trabalho e de mercadorias. Não existe essa mobilidade. Se existisse essa mobilidade em todos os países, o nosso produto entraria facilmente nos Estados Unidos, a nossa produção agrícola e industrial entrariam facilmente.

 

Eles impõem que importemos tudo, impõem essa abertura desvairada e impõem um muro de concreto, inclusive para que a nossa força de trabalho miserável não possa chegar aos Estados Unidos. É por isso que aqueles que nos caracterizam como dinossauros, que festejaram a queda do Muro de Berlim, deveriam reunir-se agora para tentar a queda do muro da travessia México-Estados Unidos, que é de concreto, dá choque elétrico e mata milhares de pessoas, os miseráveis da América Latina quando querem competir com a força de trabalho dos Estados Unidos. É evidente que a globalização imposta aos pequenos países, a globalização aceita de forma subserviente, é uma aberração.  

Sr. Presidente, se não fosse trágico seria engraçado o fato de o Governo querer vender as estatais porque não davam lucro. Mas, na carta de intenções do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao FMI está dito que o equilíbrio das contas do Tesouro ficou mais difícil porque o Governo deixou de contar com os lucros que as estatais ofereciam. Ora, se as estatais não davam lucro, se as estatais eram um problema do Brasil, como é que, na carta de intenções ao Fundo Monetário Internacional, o próprio Ministro da Fazenda diz que é problema o equilíbrio das contas porque não tem como contar com as estatais?  

Portanto, fica o nosso protesto contra esses que são, sim, primitivos e dinossauros, porque nada mais primitivo do que a fome ou do que uma criança nas ruas vendendo o corpo por um prato de comida e nada mais primitivo do que os saqueadores dos cofres públicos.  

Diante do debate em relação ao servidor público, senti-me motivada para falar um pouco sobre a destruição do patrimônio nacional. Infelizmente não temos instituições de fiscalização. Se nós, que desfrutamos deste maravilhoso projeto arquitetônico, tivéssemos a firmeza a que a Constituição nos obriga – é nossa prerrogativa –, se tivéssemos a firmeza de representar o povo brasileiro, com certeza o Presidente da República não transitaria alegremente pelos salões sociais do mundo e já não estaria exercendo esse cargo, pois constitucionalmente a definição da política econômica significa a preservação da soberania nacional. Em virtude dessa política entreguista, se o Senado Federal se posicionasse ao menos como a Constituição o obriga, com certeza o Sr. Fernando Henrique já não seria Presidente da República.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/1999 - Página 11286