Discurso no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO DE FREI BETTO PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO DOMINGO, INTITULADO 'O GOSTO AMARGO DO SAL'. ABORDAGEM DA QUESTÃO DAS DOENÇAS OCUPACIONAIS NO PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. SAUDE.:
  • TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO DE FREI BETTO PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO DOMINGO, INTITULADO 'O GOSTO AMARGO DO SAL'. ABORDAGEM DA QUESTÃO DAS DOENÇAS OCUPACIONAIS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/1999 - Página 11330
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. SAUDE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CARLOS ALBERTO LIBANIO CHRISTO, SACERDOTE, ESCRITOR, ASSUNTO, DESIGUALDADE SOCIAL, INJUSTIÇA, SALARIO MINIMO.
  • ANALISE, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA PROFISSIONAL, BRASIL, CRESCIMENTO, INDUSTRIALIZAÇÃO, CRITICA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, SAUDE, TRABALHADOR.
  • ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, MORTE, ACIDENTE DO TRABALHO, DOENÇA PROFISSIONAL.
  • DEFESA, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), EMPRESA, SINDICATO, TRABALHADOR, OBJETIVO, PREVENÇÃO, DOENÇA PROFISSIONAL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente solicito à Presidência da Mesa que faça registrar nos Anais do Senado Federal um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo , de domingo, de autoria da memorável, admirável e sagrada figura da literatura e do pensamento nacional: Frei Betto.  

Com o título O Gosto Amargo do Sal, Frei Betto faz mais uma análise, mais uma reflexão emocional e científica das desigualdades sociais no Brasil. Começa o seu artigo dizendo que a palavra salário deriva do sal, que era basicamente a única fonte de conservação de alimentos na Antigüidade e que fazia com que os povos do interior migrassem para o litoral para obtê-lo tanto para a conservação dos alimentos como para a trocá-lo por outros produtos de utilização e ainda para efetuar pagamentos, ou seja, como instrumento de salário.  

Frei Betto faz também uma análise muito cuidadosa do Brasil, país das maiores desigualdades sociais, cujas elites têm uma consciência já impregnada de que é injusto pagar um salário digno ao trabalhador.  

Solicito à Mesa, portanto, que publique nos Anais do Senado Federal o memorável artigo de Frei Betto.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos assuntos que mais deveria preocupar as sociedade diz respeito à condição do trabalhador, à proteção do trabalhador. E o Senado Federal, juntamente com a Câmara dos Deputados, lamentavelmente tem dado pouca atenção, do ponto de vista legislativo, à questão das doenças ocupacionais, um dos mais graves problemas da organização social e dos aglomerados urbanos.  

Quero discorrer sobre esse assunto, que conjuga duas questões indissociáveis da minha formação profissional e da minha opção político-ideológica. Refiro-me à saúde e ao trabalho, essência da abordagem que ora inicio a propósito de um fenômeno de incidência preocupante nas sociedades contemporâneas: as doenças ocupacionais.  

Sem a intenção de recorrer a um didatismo pretensioso, tomo, entretanto, a liberdade de mencionar alguns preâmbulos para melhor analisarmos a questão e dimensionarmos o papel dos poderes públicos no seu tratamento.  

Todos os seres humanos têm o direito ao melhor estado de saúde, independentemente de raça, religião, opinião política, condição econômica ou social.  

As doenças podem ter as mais variadas causas. Algumas são hereditárias e provêm do próprio organismo ou de deficiência da constituição do organismo. São ditas doenças interiores ou internas. Outras, de origem externa, provêm do meio físico ou biológico e incidem em maior número e ocorrem com maior freqüência que as ditas internas.  

A atividade produtiva pode deixar o trabalhador exposto a esses agentes, prejudicando a sua saúde. Entre os agentes mais comuns, destacam-se: iluminação inadequada, má ventilação, ruído excessivo, gases, poeiras tóxicas, etc. Outras causas que prejudicam a saúde são a má alimentação, o esforço excessivo, o estresse, a falta de medidas de segurança e o esforço repetitivo.  

São causas indiretas que afetam o bem-estar dos trabalhadores: o analfabetismo, o alcoolismo, o tabagismo, a ignorância, a habitação inadequada. Também as tensões, preocupações e os problemas da sociedade moderna são grandes inimigos da vida sadia.  

No ranking das doenças ocupacionais, com maior incidência nos anos 90, encontram-se: a surdez profissional, que atinge as áreas de tecelagem, indústria química e de plástico; e também doenças pulmonares, que já atingem fábricas de isolantes térmicos e acústicos - telhas, cerâmicas, plásticos e pastilhas; as dermatoses profisisonais que afetam as indústrias da construção civil e eletroquímicas; a intoxicação por solventes e por metais pesados, riscos das indústrias químicas, petroquímicas e metalúrgicas e as lesões por esforço repetitivo que são mais comuns nas áreas de informática, bancos e supermercados.  

Países industrializados vêm experimentando sensível redução desses graves danos com a introdução de mudanças estruturais na natureza do trabalho e de reais melhorias para tornar o local de trabalho mais saudável e mais seguro, com o aperfeiçoamento, inclusive, dos serviços de emergência e de primeiros socorros. Todavia, a natureza evolutiva do trabalho está gerando novos riscos profissionais, inclusive problemas músculo-esqueléticos, problemas de estresse e mentais, reações asmáticas e alérgicas causadas pela exposição a agentes perigosos e cancerígenos.  

Entretanto, Sr. Presidente, o padrão de doenças varia nas diversas regiões do mundo, particularmente nos países em desenvolvimento ou de Terceiro Mundo. As estimativas globais baseiam-se somente em doenças não transmissíveis, ainda não predominantes no mundo em desenvolvimento, embora cresçam rapidamente com a urbanização e a industrialização. Nesses países, muitas doenças transmissíveis como a esquistossomose, a malária e infecções virais e bacterianas são claramente ligadas ao trabalho ou ao ambiente de vida do homem, como acontece na agricultura e na pesca, que empregam a maior parte da força de trabalho ativa.  

Conforme lamentavelmente costuma acontecer, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil apresenta as duas situações. Paga tributo à industrialização sem auferir, completamente, seus benefícios e convive com as contingências inerentes às nações em desenvolvimento.  

Essa matéria, contudo, não constitui fenômeno isolado. O problema das doenças ocupacionais é universal e de dimensões alarmantes, conforme se pode constatar nos dados divulgados pelo "XV Congresso Mundial sobre Segurança e Saúde no Trabalho", realizado ainda no mês passado, em São Paulo.  

Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho - OIT -, nos dias de hoje, estima-se que os trabalhadores sofram, anualmente, 250 milhões de acidentes, com 330 mil casos fatais, 160 milhões de casos de doenças ocupacionais e mesmo um alto número de ameaças ao bem-estar físico e mental.  

O levantamento global da OIT demonstra que mais de um milhão de pessoas morrem todo ano vítimas de acidentes de trabalho e centenas de milhões de trabalhadores, em todo o mundo, sofrem acidentes de trabalho e se expõem profissionalmente a substâncias perigosas.  

A hecatombe de um 1,1 milhão mortes no trabalho ultrapassa a média anual de mortes em acidentes de trânsito (999.000), em guerras (502.000), por violência (563.000) e por HIV/AIDS (312.000). Cerca de um quarto dessas mortes resulta da exposição a substâncias perigosas que causam doenças incapacitadoras, como câncer e distúrbios cardiovasculares, respiratórios e do sistema nervoso. Está prevista a duplicação de doenças relacionadas com o trabalho, por volta do ano 2020, e que, na mesma época, as exposições atuais estarão matando muitas pessoas, se melhorias não forem introduzidas agora.  

Segundo estimativas conservadoras, os trabalhadores sofrerão cerca de 250 milhões de acidentes de trabalho e 160 milhões de doenças profissionais por ano. Mortes e ferimentos continuam a representar uma taxa particularmente alta nos países em desenvolvimento, onde grande número de trabalhadores concentram-se em atividades primárias e de extração, como a agricultura, a pesca, o desmatamento e a mineração. De acordo, também, com as estimativas da OIT, algo em torno de 600 mil vidas de trabalhadores poderiam ser poupadas, por ano, se não fossem adotadas práticas disponíveis de segurança e informações adequadas.  

O Brasil registra, atualmente, uma média anual de 430 mil acidentes de trabalho. Apesar de serem bem melhores que os do início da década de 70, quando o País chegou a contar quase 1 milhão de acidentes, num único ano, ainda assim são extremamente preocupantes pelo ônus que causam à Previdência Social e pelo aumento nos custos da produção.  

O coeficiente dos acidentes fatais no trabalho, que era de 40 óbitos a cada 100 mil trabalhadores na década de 70, também registrou queda expressiva. Mas nos últimos cinco anos estabilizou-se na faixa de 17 a 20 óbitos por 100 mil trabalhadores. Há, porém, uma tendência de aumento de doenças relacionadas a trabalhos que envolvem esforços repetitivos, das decorrentes do estresse ocupacional e do trabalho feminino.  

Estatísticas da Previdência Social mostram um aumento de 480% no registro de casos de doenças no ambiente de trabalho, nos últimos dez anos. Em 1986, foram notificados, no País, 6.014 casos de doenças ocupacionais. Em 1996, esse número atingiu a marca de 34. 889 casos.  

O Estado de São Paulo registrou, em 1996, 13.556 ocorrências de doenças ocupacionais, ou 38,8% dos casos do País. Minas Gerais registrou, no mesmo ano, 8.010 casos de doenças profissionais, superando em 55,56% os registros de 1995.  

Pode-se dizer, Sr. Presidente, que, apesar da precariedade de nossas estatísticas, houve uma redução no número de acidentes de trabalho no Brasil e um aumento no número de registros de casos de doenças ocupacionais. Ou seja, o Brasil continua sendo um País em desenvolvimento contraditório do ponto de vista das suas relações de trabalho.  

Esse problema tem na prevenção sua solução de eficácia comprovada. Boa parte da redução de acidentes, verificada nas duas últimas décadas, se deve às normas regulamentadoras (NRs), que, desde 1978, vêm sendo baixadas pelo Ministério do Trabalho para garantir condições mínimas de segurança às várias categorias de trabalhadores. Seu cumprimento, no entanto, não pode ser convenientemente controlado, dada a baixa capacidade de fiscalização do Ministério do Trabalho, onde se dispõe de 800 fiscais para um universo de 3,5 milhões de empresas.  

Por isso, Srªs e Srs. Senadores, é necessário um trabalho educativo de persuasão de todos os interessados envolvendo Governo, empresas, sindicatos e trabalhadores. Entretanto, não se pode deflagrar um processo dessa natureza sem antes proceder a um mapeamento rigoroso da incidência das doenças ocupacionais no País e a uma avaliação criteriosa das ações e métodos até agora utilizados pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho no equacionamento do problema.

 

É necessário, ainda, proceder a uma análise da efetividade dos resultados das campanhas educativas em relação aos custos, levando em conta alternativas de ações mais contextualizadas e permanentes.  

Que a prevenção é o melhor caminho, não há dúvida, Srªs e Srs. Senadores. Por seu intermédio, a saúde deixa de ser simples assistência médico-hospitalar curativa, para significar o resultado de políticas públicas do Governo em relação ao bem-estar do trabalhador.  

Sr. Presidente, por ser esse um dos assuntos menos comentados nesta Casa Legislativa, fiz questão de apresentar dados atualizados, que refletem a situação de um dos problemas mais graves que temos, mais grave inclusive do que os acidentes de trânsito, as mortes violentas, mais grave do que a pandemia de AIDS. Esperamos que haja sensibilização dos setores representativos da sociedade para que esse assunto seja prioridade. Assim, poderemos achar um caminho para proteger o trabalhador brasileiro.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/1999 - Página 11330