Discurso no Senado Federal

APELO POR UMA POLITICA DE EXPLORAÇÃO DA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • APELO POR UMA POLITICA DE EXPLORAÇÃO DA REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/1999 - Página 11897
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO AMAZONICA, AMBITO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PREVENÇÃO, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EXTRATIVISMO, MINERAÇÃO, CAÇA, PESCA, AGRICULTURA, REGIÃO AMAZONICA, PROBLEMA, CONTRABANDO, FALTA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ATENÇÃO, SUPERIORIDADE, BIODIVERSIDADE.
  • DEFESA, MANEJO ECOLOGICO, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, SUGESTÃO, REDUÇÃO, CUSTO, REGISTRO, IMPORTANCIA, CULTURA, EXTRATIVISMO, BORRACHA, EXPECTATIVA, CRESCIMENTO, TURISMO, ECOLOGIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pode parecer contraditório, ou mesmo paradoxal, mas a verdade sobre a Amazônia é uma só: ou admitimos a exploração de seus recursos naturais ou a condenamos à depredação.  

Esclareço por que essa asserção não é contraditória nem paradoxal: pelo simples fato de que, mesmo que não adotemos uma política de exploração, as terras amazônicas continuarão a ser exploradas pela simples incapacidade real de frearmos o movimento de ocupação e de desenvolvimento econômico já há muito desencadeado naquela parte do território nacional.  

Esclareço, igualmente, que a política de exploração que reclamo é uma política de exploração racional, sustentada, baseada no zoneamento ambiental e no manejo equilibrado dos minerais e das espécies vegetais e animais da região. Sem isso, predominará o uso predatório dos recursos naturais da Amazônia, como tem ocorrido desde sempre.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vem de longe essa exploração da Amazônia e tem algumas vertentes: a extrativista, a mineral, a caça, a pesca e a agricultura. Esta última, ao contrário do que se pensa, não é recente; ela vem de longe: desde o tempo do Marquês de Pombal, com a atuação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e do Maranhão, entre 1755 e 1777, quando se começou a incentivar as práticas agrárias. Mais recentemente, na década de 80 deste século, implantou-se a política de incentivos fiscais à pecuária na região, como forma de fomentar o seu desenvolvimento. A vertente do extrativismo, que nos rendeu, no início deste século, o famoso ciclo da borracha, tem recebido apoio nos últimos tempos, principalmente em função de seu caráter não-predatório. Tais tendências têm sido, na maior parte das vezes, colocadas em campos opostos.  

Mas a alternância dessas políticas ou a sobreposição de uma à outra não tem produzido os frutos esperados, uma vez que os problemas de desenvolvimento da Amazônia têm outras raízes e, portanto, reclamam outras soluções.  

Na questão da exploração dos minérios, a ação do Governo Federal tem sido alarmante e ineficaz, pois proíbe a exploração mineral, mas não tem como coibir a ação clandestina de entidades nacionais e de estrangeiros na própria região. Os nossos minérios são extraídos e contrabandeados, o Erário público não arrecada nada de impostos e o meio ambiente fica prejudicado pela exploração inadequada e desordenada.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos desconhecer os problemas ambientais que têm sido causados justamente pela ausência de uma política explícita de exploração dos recursos naturais. Nem tampouco podemos esquecer o caráter estratégico que a região tem para o País e, como se revelou nos últimos tempos, para todo o Planeta. Comecemos por considerar suas dimensões: a Floresta Amazônica ocupa a Região Norte do Brasil, abrangendo cerca de 47% do território nacional. É a maior formação florestal do Planeta condicionada pelo clima equatorial úmido. Possui uma grande variedade de fisionomias vegetais, desde as florestas densas — de terra firme, de várzea e de igapó — até os campos, estes predominantes no meu Estado, Roraima. Além dessas duas modalidades, há áreas de cerrado isoladas do ecossistema do cerrado do Planalto Central Brasileiro.  

Mesmo que se tenha derrubado o mito de que a Floresta Amazônica é o "pulmão do mundo" ou de que seja a maior do Planeta, persiste a insofismável realidade de ser ela a reserva de biodiversidade mais importante da Terra, com 30% de todas as florestas tropicais do Planeta, 50% de todas as espécies vegetais e animais e 80% das plantas medicinais de todo o mundo.  

É sobre esses dados que devemos raciocinar e é exatamente por causa dessa magnitude que não podemos deixar de adotar uma política consistente de exploração da Amazônia. Em primeiro lugar porque, diante da abundância dos recursos naturais, torna-se extremamente barato explorá-los; representam, pois, uma fonte de recursos econômicos de fácil acesso. Tomemos, por exemplo, a madeira. Estudos sobre a exploração florestal na região de Paragominas revelam o quanto é mais barato simplesmente devastar florestas virgens do que explorá-las com os recursos de manejo sustentado.  

Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores: não nos iludamos com a responsabilização individual dos maiores desmatadores. Mas aqueles desmatadores são, nada mais, nada menos, que o resultado de uma política fundiária de concentração de terras que vem ocorrendo nos últimos vinte anos na Amazônia. Não quero aqui reforçar a tese de que a agricultura e a pecuária não sejam apropriadas. Quero deixar claro que qualquer atividade agrícola ou pecuária ali desenvolvida deverá levar em conta as condições especiais do solo. Ou seja, é necessário substituir a dicotomia extrativismo versus agricultura por um tipo de modelo de "adaptacionismo".  

Ao tratar de extrativismo, não podemos esquecer que a retirada de algumas espécies vegetais, como o mogno, não pode ser feita sem critério. Mas a questão não se prende somente à possível extinção de algumas espécies raras, mas também ao rastro de destruição deixado cada vez que se abre uma picada para chegar às árvores mais cobiçadas. Estudos apontam que, para cada metro quadrado extraído, dois metros quadrados são destruídos.  

Em função desses problemas, Sr. Presidente, é que defendo que a política de exploração da Amazônia seja cada vez mais explícita, para que possamos, justamente, defender a região da depredação.  

Para evitar a devastação inútil de florestas virgens a fim de extrair madeiras nobres, existe a possibilidade de manejo sustentado. Mesmo que, segundo os padrões de mercado, o custo desse manejo não seja convidativo, há meios de financiá-lo. Um deles seria a inclusão do custo adicional no preço da madeira, o que não seria difícil de ser absorvido por consumidores, no mercado internacional, que se dizem tão conscientes dos problemas ecológicos. A madeira poderia receber um tipo de selo verde, como já existe em alguns casos. Outra fonte de financiamento poderia ser a redução de ICMS para as empresas que fizessem esse tipo de manejo, dividindo o ônus.  

Quanto ao extrativismo, a borracha natural continua a ser um elemento indispensável à indústria e que ainda não obteve o equivalente em produtos sintéticos. Alega-se, contra a produção nacional, que ela é mais cara que a importada. Mas será que esse argumento se sustenta? Quando comparamos o benefício econômico para produzir arroz no Japão, por exemplo, constatamos que seria mais barato para aquele país importar do que plantar. No entanto, há valores sociais e culturais  

No entanto, há valores sociais e culturais que suplantam o valor econômico. Do mesmo modo, se considerarmos os extratores do látex, "os caboclos", os "soldados da borracha", como os desbravadores da Amazônia e os detentores de um vasto conhecimento sobre aquela terra, encontraremos justificativas suficientes para incentivar o cultivo das seringueiras nacionais, ao invés de deixá-las à mercê de um mercado predador.  

Na mesma linha de raciocínio, a extração da castanha do Pará, assim como o cultivo do açaí, do cupuaçu, do guaraná e de tantas outras fontes de alimentos, representam alternativas para tornar economicamente viável a exploração da Amazônia de maneira sustentada, sem degradação. Inúmeras entidades européias já se comprometeram com a compra desses produtos, para fabricar alimentos e bebidas de raro sabor e de valor nutritivo incomparável, como é o caso do azeite retirado da castanha do Brasil, superior ao azeite de oliva.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador?  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Com prazer, Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senador Mozarildo Cavalcanti, gostaria de parabenizar V. Exª pelo pronunciamento. V. Exª divide com o povo amazônico a busca de um caminho diferente daquele que trata a Amazônia como um depósito de migrantes vítimas da crise social em outras regiões do Brasil. Normalmente não se discute a importância que a Amazônia deveria ter no cenário nacional e internacional, ao mesmo tempo em que não se definem prioridades e caminhos que devemos seguir. Nós, da Amazônia, temos insistido na necessidade da discussão de um desenvolvimento inteligente, sustentado, que aponte caminhos que não a imitação da Região Centro-Oeste, Sul ou Sudeste do Brasil. Somos diferentes. A Amazônia não é melhor, mas é diferente. A Amazônia possui um patrimônio universal econômico e cultural muito bem definido, mas não tem um modelo de exploração que seja o mais viável e o mais rentável para a região e que coloque no seu centro o desenvolvimento humano. Senador, a nossa discussão, assim como os exemplos que V. Exª cita, não pretende desrespeitar a pecuária, a agricultura do Centro-Sul do País, mas demonstrar a necessidade de novos caminhos para o Norte. Semana passada, eu trouxe à discussão, homenageando um pensador amazônico, a tese do neo-extrativismo que abrange exatamente essa compreensão ampla do desenvolvimento amazônico. Gostaria de registrar um exemplo a mais para enriquecer o seu pronunciamento. Existe uma comunidade no interior do Estado do Acre chamada de Nossa Senhora de Fátima. Essa comunidade, composta de 80 famílias, tinha o hábito de vender a madeira do mogno e de outras árvores da região. Eles afirmam, em depoimentos gravados, que ganhavam R$25,00 por cada árvore de mogno de 23 metros cúbicos. Hoje, aplicando-se a tese do neo-extrativismo, para conservar aquela árvore, retirar-lhe as sementes - são, aliás, por isso chamados de alpinistas da floresta - eles estão ganhando R$500,00 por ano por árvore. Estão demonstrando que o caminho pode ser outro que não o da simples devastação e da pouca inteligência na utilização dos recursos da Amazônia. A tese que a Senadora Marina vem defendendo neste Plenário e no Congresso Nacional em favor de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia – e muitos Estados da Amazônia já começam a pensar também nesse caminho - que não desrespeite as culturas tradicionais ou dos migrantes é a solução para uma região que pode ser o grande motor do desenvolvimento e da recuperação da riqueza do povo brasileiro no futuro. Muito obrigado.

 

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo, com muito prazer, ao meu pronunciamento.  

Saliento, Senador Tião Viana, que queremos justamente a definição de uma política de desenvolvimento para a Amazônia. Não concordamos em esterilizar a região sob o argumento de preservá-la. Preservar para quem? Queremos conservá-la, a fim de que todos nós brasileiros possamos usufruir de suas riquezas de maneira inteligente, como bem frisou V. Exª.  

A pesca protegida é outro modo de explorar racionalmente a Amazônia. É preciso considerar que a pesca é a vida da maioria dos moradores da região. Refiro-me não à pesca feita para o sustento da família, mas à pesca seletiva, de espécies como o tambaqui, a piramutaba ou o pirarucu, todos com alto valor no comércio internacional. Se tomarmos o exemplo da piramutaba, cuja produção, em 1993, foi de 27 mil toneladas e que baixou para 9 mil toneladas, em 1997, veremos o quanto é prejudicial a ausência de uma política de pesca. Pois bem: que se pesque, que se venda, que se exporte, mas que se regule essa atividade, e que ela seja fiscalizada, para que não leve à morte "a galinha dos ovos de ouro".  

Outra vertente a ser explorada, além das madeiras, frutas e peixes, é a da flora medicinal, a mais rica do Planeta. Precisamos encontrar formas de combater a biopirataria; e isso só poderá ser feito com uma política consciente de exploração desses recursos. Os medicamentos que se podem extrair da nossa flora são frutos de conhecimento milenar de nossos silvícolas. Aproveitando-se desse conhecimento, laboratórios multinacionais, sem o mínimo escrúpulo, têm-se apropriado dos princípios ativos de algumas plantas para desenvolver substâncias que, uma vez patenteadas por eles, rendem milhões de dólares, sem que nada disso venha para os detentores milenares dessa sabedoria, desse know how . 

Sugiro, ainda, a exploração, em maior escala, do turismo, pois há uma demanda reprimida no mundo inteiro de pessoas que querem conhecer a Amazônia, mas que não vêm, em função da inexistência de uma rede de apoio adequada - transportes, hotéis, roteiros organizados. O ecoturismo representa uma possibilidade de exploração racional de recursos, com abertura de oportunidades para hotelaria e centros de turismo. Abrem-se muitas perspectivas, como os cruzeiros náuticos, os parques temáticos e a construção de embarcações para o turismo. Essa modalidade de turismo, no Brasil, representa apenas 3% do setor, mas, no resto do mundo, significa quase 10% de tudo que se fatura nesse serviço; quer dizer, há um grande potencial para explorá-la, sem degradar a natureza.  

Essas são, Srªs e Srs. Senadores, algumas das muitas possibilidades que se abrem para a exploração da Amazônia. E é melhor que as tomemos para nós, "antes que os aventureiros lancem mão", ou melhor, antes que os aventureiros nos privem delas. Do contrário, não vejo possibilidade de conservar a Amazônia.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/1999 - Página 11897