Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES COM A BIOPIRATARIA NA AMAZONIA. APELO A CAMARA DOS DEPUTADOS PARA A ANALISE DOS PROJETOS DE LEI QUE VISAM CONTROLAR O ACESSO AO PATRIMONIO GENETICO DO BRASIL.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÕES COM A BIOPIRATARIA NA AMAZONIA. APELO A CAMARA DOS DEPUTADOS PARA A ANALISE DOS PROJETOS DE LEI QUE VISAM CONTROLAR O ACESSO AO PATRIMONIO GENETICO DO BRASIL.
Aparteantes
Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/1999 - Página 11460
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO, DENUNCIA, COLETA, SANGUE, INDIO, REMESSA, BANCO DE SANGUE, EXTERIOR, DOAÇÃO, CONHECIMENTO, FAUNA, FLORA, COMUNIDADE INDIGENA, AUSENCIA, COMPENSAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, CONVENIO, ORGANISMO INTERNACIONAL, INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZONIA (INPA), REMESSA, AMOSTRAGEM, DADOS, FLORA, REGIÃO AMAZONICA, EXTERIOR.
  • CRITICA, CONVENIO, COOPERAÇÃO CIENTIFICA, AMBITO INTERNACIONAL, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, AUTORIDADE, BRASIL, REMESSA, AMOSTRAGEM, DADOS, FLORA, EXTERIOR.
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMISSÃO EXTERNA, APURAÇÃO, DENUNCIA, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, VEGETAIS, MATERIAL, GENETICA, REGIÃO AMAZONICA.
  • IMPORTANCIA, RATIFICAÇÃO, RESPONSABILIDADE, BRASIL, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA, IMPEDIMENTO, INTERNACIONALIZAÇÃO, PRESERVAÇÃO, BIODIVERSIDADE.
  • SOLICITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AGILIZAÇÃO, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, CONTROLE, ACESSO, PATRIMONIO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, GENETICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidentes, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil está sendo roubado e espoliado em cada minuto de cada dia!  

Essa afirmação, caríssimos colegas, embora pareça à primeira vista exagerada e fantasiosa, é a pura verdade, se pensarmos no que acontece com nossas riquezas minerais, animais e vegetais. Focalizo particularmente a Amazônia, onde está sendo praticada uma das mais avassaladoras e vergonhosas formas de biopirataria.  

O que vem acontecendo ali, à luz do dia e debaixo do nariz da precária fiscalização brasileira e, pior, com a conivência de alguns centros de pesquisa brasileiros?  

Para responder, vou reproduzir um pequeno trecho do periódico Cadernos do Terceiro Mundo , que traz, na edição de janeiro de 1998, matéria intitulada Fronteiras Abertas ao Saque. Diz o trecho:  

Índios têm o sangue coletado para um banco de DNA estrangeiro, comunidades doam seus conhecimentos ancestrais sobre fauna e flora sem receber nada em troca, turistas driblam fiscalização e levam amostra de material para ter sua estrutura genética decifrada em seus países, insetos são capturados e mandados pelo correio para o exterior e até mesmo respeitáveis pesquisadores dissimulam atos de biopirataria sob o nariz de entidade de pesquisas nacionais.  

No início de março deste ano, Sr. Presidente, o jornal O Globo reservou duas páginas inteiras de sua edição de domingo para tratar da biopirataria na Amazônia.  

A matéria faz referência a um caso que merece ser relatado neste plenário. Há vinte anos, a Associação de Levantamento Florestal do Amazonas –ALFA – mantém convênio com o INPA - Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas. Essa associação, a ALFA, nada mais é do que um braço do centro de pesquisa americano Smithsonian Institution . Pois bem. A ALFA mantém no Brasil uma rede de dez coletores atuando numa área florestal a cerca de 110 Km de Manaus. Cada coletor colhe 45 amostras por dia, incluídas aí frutas, folhas e flores. Um terço dessa coleta é doado ao INPA e o restante é dividido entre o coordenador da pesquisa e o Smithsonian. 

O problema contido aí, Sr. Presidente, é justamente a caixa preta em que se converteram esses convênios internacionais ditos de cooperação científica. O Ministério Público Federal investigou tais convênios em 1988 e concluiu que a remessa de amostras e dados científicos para o exterior não passa pela necessária fiscalização das autoridades brasileiras.  

Há ainda outro problema nessas questão de convênios internacionais: é a falta de paridade. A Região Norte recebeu, no ano passado, apenas 3,3% do total de bolsas de mestrado e doutorado concedidas pelo CNPq. Com carência de cientistas qualificados, cria-se na região uma indesejável dependência dos convênios bilaterais, que são fundamentais para a sobrevivência da pesquisa na Amazônia. Para cada R$100,00 injetados pelo Governo Federal no INPA, os parceiros internacionais entram com R$80,00. Isso não é mau, convenhamos. O problema está em que, por falta de cientistas brasileiros qualificados, muitas pesquisas ficam inteiramente sob a responsabilidade de cientistas estrangeiros, de cuja honestidade depende a saída controlada de material genético do País.  

As denúncias de biopirataria chegaram a um nível tão alarmante que a Câmara dos Deputados instituiu, em 1997, uma comissão externa para apurar denúncias de exploração e comercialização ilegal de plantas e material genético na Amazônia. Em alentado relatório, a Comissão da Biopirataria na Amazônia, tal como ficou conhecida, apurou casos de extrema gravidade. Seria muito conveniente que esse relatório recebesse maior publicidade dos meios de comunicação e que o tema da biopirataria freqüentasse com mais assiduidade nossos plenários.  

A Comissão da Câmara não se deteve apenas na análise dos convênios de cooperação científica. Os Deputados denunciaram diversos casos em que material genético e conhecimentos indígenas foram levados do País. Entre estes podem ser mencionados os seguintes:  

- foram retiradas amostras de sangue de índios Karitiana e Suruí, de Rondônia, a pretexto de identificar doenças e oferecer serviços de saúde a essa população, e viu-se, posteriormente, o oferecimento, pela Internet, de células sangüíneas para bancos de DNA pelo laboratório da Coriel Cell Repositories, dos Estados Unidos.  

- depois de conviver com os índios Wapixana, de Roraima, o químico Conrad Gorinsky registrou no Escritório de Patentes Europeu os direitos de propriedade intelectual sobre dois compostos retirados de plantas usadas por essa tribo. Um deles é o rupununine, que tem efeito anticoncepcional e inibe o crescimento de tumores, o outro é o cunaniol, um estimulador do sistema nervoso central.  

Cito ainda outro caso:  

- a empresa americana de bioprospecção Shaman Pharmaceuticals, após estudar sete mil plantas amazônicas, estaria testando dois medicamentos sem o aval de autoridades brasileiras. Um desses medicamentos seria aplicado contra a diarréia em doentes de AIDS.  

Muitos outros casos foram denunciados na imprensa e relatados na Comissão da Câmara. Como a Amazônia é um manancial inesgotável de riquezas de toda ordem, os olhos da cobiça internacional voltam-se para a região e, inescrupulosos, tomam de assalto nossa biodiversidade como se fosse ela um tesouro sem pátria e sem dono.  

Isso se explica, Sr. Presidente. Existem no mundo 50 milhões de espécies, das quais a maioria se aloja nos trópicos. As florestas tropicais ocupam apenas 6% da superfície terrestre, mas possuem a metade das espécies do Planeta. O Brasil, graças às suas dimensões continentais, que incluem a maior parte da Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Cerrado, está entre os 12 países com maior biodiversidade do mundo. Para se ter uma idéia da concentração dessa biodiversidade, um hectare na Amazônia contém cerca de 500 espécies vegetais diferentes.  

Hoje, mais de 60% dos medicamentos comercializados nos Estados Unidos são de origem natural. As indústrias que fazem uso da biotecnologia no processo de produção de medicamentos se vêem obrigadas a recorrer cada vez mais a espécimes da fauna e da flora de outros países. Afinal, os lucros obtidos na indústria farmacêutica são astronômicos e ninguém quer ficar para trás nessa corrida.  

Há de se considerar ainda que esse segmento consome dezenas de milhões de dólares por produto, custo que vem diminuindo graças ao rápido avanço da ciência e à esperteza dos que coletam a matéria-prima nas regiões mais pobres do Planeta. Dessa forma, o conhecimento ancestral de pequenas comunidades é usurpado sem que se dê a essa produção qualquer retorno, qualquer remuneração, embora ela gere muito lucro à indústria de medicamentos. Especialistas calculam que a busca de insumos realizada em conjunto com essas populações gere uma economia em torno de 80% no total de investimentos necessários à fabricação de um remédio.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não devemos nos esquecer de que o apetite internacional sobre a Amazônia é e deverá ser eterno. Não podemos também nos esquecer de que a soberania brasileira sobre a área é resultado da luta de nossos antepassados, intrépida gente que conquistou o território palmo a palmo.  

Por isso, a responsabilidade do Brasil em assegurar soberania sobre região tão cobiçada deve ser reafirmada continuamente. O Parlamento brasileiro não pode se omitir diante desse verdadeiro roubo de propriedade cultural e intelectual que se pratica na Amazônia. Praticamente, nós, representantes eleitos pelo povo daquela região, devemos fazer nossa parte para evitar esse acintoso ataque à soberania da região e dos povos da Amazônia.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PT-AP) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Com muito prazer, Senador Sebastião Rocha.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, associo-me a V. Exª em relação às preocupações que traz. Na semana passa, fiz um discurso mais ou menos nos mesmos termos e incluí os aspectos estratégicos da nossa preocupação com relação a uma eventual internacionalização da Amazônia, uma eventual ocupação militar daquela região. Isso não é paranóia, não. Estou levantando várias matérias jornalísticas, bem como a literatura a respeito do assunto para abordar com mais profundidade essas hipóteses a que me referi, que não estão sendo levantadas apenas aqui no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, muito tem sido falado e divulgado em uma emissora de televisão. Então, quero juntar minha voz à de V. Exª, colocando-me à disposição, para que, como integrante da Bancada da Amazônia, possamos, de fato, levar em frente algumas ações que dificultem a biopirataria e que possibilitem a preparação da Amazônia, do ponto-de-vista infra-estrutural e estratégico, para uma eventual necessidade de defesa do Território Nacional no seu sentido mais amplo. Parabéns a V. Exª pela iniciativa de vir à tribuna abordar esse assunto, na manhã de hoje.  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte. V. Exª representa tão bem, nesta Casa, um Estado, o Amapá, que, como Roraima, é um dos mais novos Estados da Federação situados na longínqua Região Amazônica.  

Realmente, Senador, nós, da Amazônia, que já estamos formalizando a Frente Parlamentar da Amazônia no Senado - já que o Senado é a Casa que representa os Estados -, temos uma responsabilidade histórica neste momento: não apenas impedir a internacionalização da Amazônia, mas estancar esse processo que já começou há muito e de várias maneiras, disfarçadas ou escancaradas, como aqui estou denunciando. Precisamos ter a coragem de mostrar, inclusive a muitos colegas nossos que inocentemente acreditam nessa história de cooperação internacional, que nós, como diz o ditado popular, só ficamos com o prejuízo.  

Faço um apelo, portanto, aos colegas Parlamentares da Câmara dos Deputados, para que apreciem com a urgência devida os projetos de lei que visem ao controle do acesso a nosso patrimônio genético. Embora o Brasil tenha sido o primeiro signatário da Convenção da Biodiversidade, a regulamentação da matéria está longe de ser concluída. Tramitam na Câmara dos Deputados várias propostas de regulamentação, algumas oriundas do Senado. Há, também, uma proposta do Executivo. Portanto, cabe a nós, Parlamentares de todo o Brasil, mais especificamente da Amazônia, nos unirmos nessa luta e cumprirmos o nosso papel.

 

Vamos apreciá-las sem mais tardar! É esse o apelo veemente que lhes faço desta tribuna, em nome de todo o povo amazônida e, em particular, do povo de Roraima, que tenho a honra de representar nesta Casa.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/1999 - Página 11460