Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS DE CONTAMINAÇÃO DE PLASMA SANGUINEO NO HEMOCENTRO DE PERNAMBUCO.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • IMPORTANCIA DA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS DE CONTAMINAÇÃO DE PLASMA SANGUINEO NO HEMOCENTRO DE PERNAMBUCO.
Aparteantes
Heloísa Helena, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/1999 - Página 11902
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • GRAVIDADE, DENUNCIA, CONTAMINAÇÃO, VIRUS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), DOENÇA TRANSMISSIVEL, BANCO DE SANGUE, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), OMISSÃO, DIREÇÃO, ENTIDADE, REGISTRO, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), COMISSÃO, SINDICANCIA.
  • REGISTRO, PROVIDENCIA, SECRETARIA DE ESTADO, SAUDE, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, LEVANTAMENTO, VITIMA, CONTAMINAÇÃO, SANGUE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que trago ao Plenário tem tomado conta da grande imprensa do Brasil nesses últimos dias, tem tido um destaque considerável tanto das revistas como dos jornais. Trata-se de um problema muito delicado, ocorrido com o sangue em hemocentros do Brasil, envolvendo 14 Estados brasileiros, que têm como prática mandar o plasma para industrialização e fabricação de albumina humana e outros hemoderivados no Hemocentro de Permanbuco.  

Inicialmente, esse assunto gerou extrema preocupação, que foi seguida de uma contenção por parte de órgãos oficiais no que diz respeito à dimensão que ele deveria causar.  

No dia 20 de abril, Sr. Presidente, recebi, no gabinete, um profissional de saúde da mais alta qualificação, um cientista da área da hematologia do Brasil, que me trouxe documentos — informais, até aquele momento — segundo os quais, nos anos de 1997 e 1998, conforme estudos de controle de qualidade, em plasma enviado ao Estado de Pernambuco, tinha sido detectada contaminação positiva para o vírus da hepatite B e também para o vírus da AIDS.  

Ele tinha conhecimento de que cinco comunicados à direção do Hemocentro de Pernambuco haviam sido feitos durante aquele período, e nenhuma providência mais ampla havia sido tomada, como a imediata comunicação ao Ministério da Saúde, via serviço nacional de vigilância sanitária, e também à Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.  

Havia uma preocupação enorme por parte do profissional que me trouxe a denúncia, em função de que um assunto delicado como esse deveria ter uma condução absolutamente serena, responsável e técnica, para não causar transtorno, insegurança e pânico a pessoas que não compreendessem a dimensão que o problema alcançava.  

Consultei, então, o denunciante sobre o momento oportuno para tornar pública a denúncia, requisitei provas documentais e fiquei aguardando. Por volta do dia 28 de abril, recebi autorização de que poderia encaminhar o assunto, de forma segura e tranqüila, com base em documentos que me chegariam às mãos.  

Dividi a responsabilidade com o Presidente do Conselho Federal de Medicina, Dr. Waldir Paiva de Mesquita, que, compreendendo também a dimensão do assunto e já tendo informações extra-oficiais de que uma discussão de técnicos da hemoterapia do Brasil indicava que o assunto do plasma contaminado em 1997 e 1998 estava circulando em alguns ambientes públicos, inclusive dentro do Ministério da Saúde, imediatamente intimou a diretora-chefe da fábrica de albuminas de Pernambuco para esclarecimento. Às suas mãos chegaram provas documentais da diretora, que havia feito denúncias a sua direção superior sobre o fato.  

Diante disso, Sr. Presidente, solicitamos uma audiência ao Ministro da Saúde, comunicando a importância e a gravidade do assunto. S. Exª prontamente demonstrou sensibilidade ao tema, chamou todo o seu staff e, na reunião de terça-feira, que fora solicitada por nós, deu ao assunto a dimensão que merecia. Afirmou que uma ação imediata, de caráter administrativo e penal, teria de ser tomada, se houvesse contaminação e aquela situação de insegurança no Brasil; perguntou também nossa opinião.  

Como era nosso papel, delegamos ao Ministério a tarefa de uma rígida apuração administrativa e penal, pois não sabíamos quantas pessoas haviam sido contaminadas. Possuíamos um documento, reconhecido pelo Ministério da Saúde, que apontava que 6,15% dos lotes examinados pelo Hemocentro de Pernambuco, no ano de 1997, estavam contaminados com o vírus da hepatite B e que o sangue havia sido transfundido para pessoas em alguns Estados do Brasil; que, em 1998, em estudo de 88 novos lotes, que representam milhares de unidades de plasma, 3,96% estavam contaminados com o vírus da hepatite e da AIDS, o que nos trouxe a mais profunda preocupação.  

Pedimos clareza, investigação científica judiciosa do Ministério da Saúde e a intervenção que se julgar pertinente. Alertamos, ainda, o Sr. Ministro da Saúde de que o assunto, por ser tão delicado e envolver inocentes — os que receberam sangue ou hemoderivados —, deveria ser encaminhado com a mais elevada serenidade e rigor técnico-administrativo, a fim de evitar crises de histeria ou preocupação exagerada por parte de familiares de pessoas que tenham recebido sangue naquele período, nos Estados implicados.  

Uma comissão de sindicância, dirigida pelo Dr. Hélio Moraes de Souza, coordenador da área de sangue e hemoderivados, e formada por representantes do Ministério, apurou o assunto de modo claro e intensivo e apresentou algumas ponderações, que faço questão de ler. É a afirmativa sobre a possibilidade de os fatos denunciados consistirem em evidências objetivas:  

"A denúncia possui consistência à medida que dados apresentados nos documentos enviados se configuram ocorrências;  

O HEMOPE não validou os fornecedores de plasma excedente, o que exige a realização de reteste por bolsa."  

Outro ponto apresentado pela comissão de sindicância é o de que, em uma diluição de 1:100.000, haveria risco de uma falsa positividade pelo cruzamento de anticorpos. Outra ponderação extremamente pertinente é a de que as infecções recentes, com baixos títulos de anticorpos, em alta diluição, podem apresentar resultados falsos negativos. Então, afirmou-se a possibilidade de falsa positividade, mas também de falsa negatividade, julgando-se, mais uma vez, pertinentes as denúncias apresentadas em documentos por profissionais ligados ao setor de saúde.  

O Secretário de Estado de Saúde de Pernambuco, Dr. Guilherme Robalinho, profissional de extrema competência e responsabilidade, demonstrou surpresa diante do assunto, desconhecimento da denúncia, e também instaurou, no que concerne à Secretaria de Estado de Saúde de Pernambuco, investigação para elucidar o fato.  

Recebi, há pouco, um telefonema de S. Exª, que afirmou que o Estado de Pernambuco se encontra aflito e sentido por ter sido atingido naquilo que é referência e orgulho nacional: o Hemocentro de Pernambuco, que trabalha com o mais alto zelo histórico no controle de sangue e hemoderivados, uma fábrica de importância vital para pessoas que são vítimas de doença. S. Exª asseverou que entendia a dimensão, a responsabilidade e a gravidade do assunto e que todas as medidas administrativas para elucidar o fato estavam sendo tomadas pelo Hemocentro de Pernambuco.  

Então, endossei o seu apelo - diante de um protesto feito pelo Conselho Federal de Medicina, não aceitando a perseguição administrativa de uma cientista de renome, Drª Cândida Cairutas, que havia documentado, em cinco ofícios, nos anos anteriores, a gravidade do assunto e pedia providências à direção anterior do Hemocentro de Pernambuco - para que ela não fosse demitida. E ele me tranqüilizou, para minha alegria, dizendo que não houve demissão da diretora do Hemocentro e que, com responsabilidade e seriedade, estava sendo conduzida a apuração do número de pessoas que foram vítimas do sangue contaminado e também daquelas pessoas responsáveis, administrativamente e penalmente, pelo ocorrido, deixando clara a responsabilidade que está assumindo.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Tião Viana, é um fato lamentável o que ocorreu com o Hemocentro de Pernambuco. Como V. Exª disse bem aqui, o Secretário de Saúde, Dr. Guilherme Robalinho, uma pessoa extremamente séria, decente e, principalmente, comprometida com o programa de saúde pública do País, tomará as medidas necessárias para apurar a verdade dos fatos, e isso eu considero de fundamental importância; e, mais do que isso, que seja dada transparência a essa investigação, para que novamente não ocorra, em qualquer lugar do Brasil, uma calamidade como essa. Não podemos imitar o que ocorre de errado no Primeiro Mundo. Isso já aconteceu na França, foi um escândalo, derrubou ministro e levou pessoas à prisão. Infelizmente, repete-se em nosso País, principalmente no Nordeste, envolvendo a Bahia e Pernambuco, um fato lamentável como esse. Registro minhas palavras de confiança no Secretário Guilherme Robalinho e, é claro, no Governador Jarbas Vasconcelos, que está determinando a apuração. É necessário que Ministério da Saúde, urgentemente, juntamente com os governos estaduais, proceda à apuração desses fatos, buscando rapidamente uma ação que possa, se não se contrapor, pelo menos minimizar a gravidade e a repercussão, junto a centenas de pessoas, de um fato lamentável como esse. Eram essas as observações que gostaria de fazer ao importante discurso de V. Exª.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Incorporo ao meu discurso a ponderação do eminente Senador Romero Jucá.  

Sr. Presidente, reafirmo o respeito à direção estadual de saúde de Pernambuco, pela responsabilidade pública que têm. É bom que fique claro que o menos culpado em toda essa situação é Pernambuco, porque foi onde se fez a pesquisa, onde se identificou o problema e se apontou que outros Estados do Brasil, que enviam plasma para Pernambuco, para industrialização, é que oferecem riscos de contaminação, porque liberaram e transfundiram sangue com resultado negativo falso.  

Assim, se alguém tem que ser punido e investigado de forma clara são os hemocentros de outros Estados. Pernambuco tem apenas parte da responsabilidade. Eu apontaria que a direção anterior do Hemocentro de Pernambuco, sabendo, por ofício, da situação de risco em alguns Estados do Brasil, não comunicou ao Ministério da Saúde e não tomou quaisquer medidas administrativas.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Tião Viana, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte à eminente Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Tião Viana, gostaria de cumprimentar V. Exª pela forma responsável com que trata o problema. Se essa constatação, feita por uma cientista, tivesse chegado às mãos de uma pessoa irresponsável, poderia ter causado um enorme pânico no Brasil. Alguém inclusive poderia vir à tribuna fazer um grande escândalo em torno disso, com o objetivo de comprometer determinadas personalidades que estão à frente do setor de saúde. V. Exª agiu com o máximo de responsabilidade: relatou o fato ao Conselho Federal de Medicina; imediatamente, com os dados em mãos, foi ao Ministro da Saúde buscar mecanismos concretos e eficazes para minimizar o sofrimento das pessoas contaminadas. Não podemos aceitar este tipo de crime: a contaminação por hepatite, por AIDS, que marca, para o resto da vida, pessoas, famílias. É absolutamente inaceitável. Todos os mecanismos de investigação, como inquérito e sindicância, devem ser utilizados, tanto em relação aos hemocentros quanto em relação aos

kits das multinacionais, que deram a garantia da observação do sangue. Exigimos que o inquérito vá às instâncias administrativas. Nobre Senador Tião Viana, mais uma vez, cumprimento V. Exª pela forma responsável com que trata o assunto. Este Senado tem que estar vigilante para que as apurações sejam feitas com a profundidade que o tema merece. Mais uma vez, parabenizo V. Exª.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço à eminente Senadora Heloisa Helena.  

Lamentavelmente, o Hemocentro do Estado de Alagoas, que possui profissionais da mais alta qualidade, também acha-se envolvido nesse episódio lamentável.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Infelizmente, com um maior número percentual. Reconheço a competência, o compromisso ético que têm os profissionais do meu Estado. Das personalidades políticas anteriores, não. Mas a competência e o compromisso dos funcionários é um fato. É por isso, exatamente por isso, que temos que aprofundar as investigações para observar a real qualidade técnica dos kits que estão sendo distribuídos, para que o serviço público dali consiga trabalhar com o sangue, tão essencial à vida das pessoas.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Sr. Presidente, não se pode deixar de esclarecer nessa investigação, nessa elucidação, o motivo que pode ter levado a essa situação de contaminação de pessoas inocentes.  

O Hemocentro diz que é normal, diz que é negativo o sangue a ser doado. No entanto, quando isso ocorre, verifica-se que é positivo para AIDS ou para hepatite. Não é somente o contaminado, o receptor do sangue; mas aquele que vai ter vida íntima com um contaminado pode transmitir para toda uma família, pode transmitir para outras pessoas.  

A situação precisa ser elucidada e há três hipóteses fundamentais. A Senadora Heloisa Helena levanta uma hipótese: analisar os kits vendidos pelas multinacionais. São seis multinacionais envolvidas com um falso negativo saindo da fábrica, o que seria uma situação delicada e que poderia envolver todos os países do Terceiro Mundo que utilizam esses kits.  

A segunda hipótese seria falha humana e a última seria falha na conservação desses kits, interferindo num resultado físico-químico. Não é e não pode ser considerado por ninguém, por alguns que estão tentando encontrar o caminho, uma mera situação estatística, como ocorre nos Estados Unidos, que é de um para 170 mil, ou como na Austrália, que é de um para 120 mil, um erro previsto estatisticamente e aceitável. Não é. Esse fato é mais amplo, envolve controle de qualidade. Felizmente, o novo representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Dr. Gonçalo Vecina, tem dito que, no ano 2003, com a ação enérgica estabelecida pela Vigilância Sanitária, é que se conseguirá o controle de qualidade que se imagina como ideal no Brasil. Esse é um ato de honestidade, de sensibilidade e de responsabilidade pública que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária demonstra.  

O Brasil tem uma oportunidade de não fazer desse assunto um escândalo sem proporções, como ocorreu na França e no Japão, com a responsabilidade que me pareceu ter tido o Ministro José Serra ao tratar do problema publicamente e ao colocar a necessidade de uma investigação pelo Ministério Público Federal e Estadual, exigindo que o inquérito fosse levado até as últimas conseqüências.  

Entendo que deve ser feita uma homenagem e uma justa valorização à Dr.ª Cândida Cairutas, pela investigação científica desse assunto, por ter tido o cuidado de enviar cinco ofícios à direção do Hemocentro, dando um alerta, que levaria a uma investigação e à busca de uma solução, evitando-se, com isso, que a contaminação ocorresse por todo o Brasil. Informou, inclusive, ao Hemocentro da Bahia da ocorrência de sangue suspeito de contaminação também naquele Estado.  

Ao concluir, quero registrar a elevada responsabilidade com que o Ministério da Saúde tem agido até este momento. Só não gostaria que houvesse perseguição política a pessoas envolvidas com essa situação e que o resultasse fosse o que disse o Henfil, na fase final de sua vida: "Deus salve o sangue do povo brasileiro".  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/1999 - Página 11902