Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO DRAMATURGO DIAS GOMES.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO DRAMATURGO DIAS GOMES.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/1999 - Página 12001
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DIAS GOMES, ESCRITOR, ESTADO DA BAHIA (BA), PARTICIPANTE, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), AUTOR, PEÇA TEATRAL, ATUAÇÃO, TELEVISÃO.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu pensei que não teria oportunidade de ler este discurso e, inclusive, havia me associado ao discurso do Senador Artur da Távola, que também fez aqui a sua homenagem ao grande brasileiro que foi Dias Gomes.

Mas, como me foi oferecida esta oportunidade, quero dizer que o Brasil está de luto. Morreu, na madrugada de hoje, talvez a mais expressiva personalidade do teatro e da novela deste século entre nós, que, melhor do que ninguém, mostrou ao brasileiro o que é ser brasileiro. Sem dúvida, deve-se a ele a criação de um mural dramático e cômico, por vezes irônico, e de sabor autenticamente brasileiro, de busca de raízes, revelador da nossa realidade multifacética, produto de várias raças e culturas. Atento aos nossos problemas políticos, denunciou as nossas estruturas sociais injustas, utilizando-se do erudito e do popular e dos mais diversos instrumentos de comunicação que lhe chegaram às mãos: teatro, literatura, rádio, cinema e televisão.

Dias Gomes foi tragado pela vida, num acidente automobilístico, em São Paulo, aos 77 anos de idade. Nascido no bairro do Canela, em Salvador, Bahia, onde passou a infância, foi, em 1935, com a família para o Rio de Janeiro, ali vivendo a maior parte da sua vida. Casado por duas vezes, deixou quatro filhos, três dos quais com a grande autora de novela, Janete Clair.

Autor de audiência jamais alcançada na televisão brasileira, com Roque Santeiro, em 1985, Dias Gomes foi um desbravador e um vanguardeiro. Tal como Vinícius de Moraes, que foi criticado por escrever letras para músicas populares - e o tentaram desmoralizar por deixar o Olimpo da poesia de salão -, Dias Gomes, corajosamente, no fim dos anos 60, enfrentou os que lhe lançaram a pecha de vendido por escrever novelas para a TV Globo. Seu intuito era chegar ainda mais perto do povo, fazer uma arte que pudesse ser entendida por qualquer pessoa e fazer com que esta se interrogasse sobre seu cotidiano, sobre o seu modo de vida, e, assim, ganhasse consciência para agir no sentido das mudanças.

Sua primeira novela foi Verão Vermelho, que punha na telinha a capoeira, a Bahia, o Senhor do Bonfim, o espírito popular, seguida por Assim na terra como no céu, que se passava na Zona Sul do Rio de Janeiro e abordava os delicados temas do crime do silêncio e da falta de solidariedade, exatamente em uma época em que o silêncio se fazia presente em toda a sociedade. Depois vieram Bandeira Dois, focalizando o subúrbio carioca, universo em que se revelava o Brasil por inteiro, com bicheiros (no lugar de aristocratas, duques e marqueses), o jogo do bicho e os seus labirintos sociais, o futebol, o samba, a matreirice nacional; Saramandaia, o Bem-Amado, Roque Santeiro e Mandala, nas quais a politicagem, a demagogia, as elites, o povo, as crendices, enfim, nossas realidades e nossos mitos são colocados a nu. Foi assim que, com habilidade, sensibilidade, inteligência e maestria, revolucionou a novela televisiva do Brasil, sendo um marco e um exemplo que ganharam discípulos, dando nova qualidade à novela brasileira.

Ele se considerava nada mais que “um subversivo”. Tanto que seu livro de memórias, lançado em 1998, chama-se Apenas um subversivo. Com 15 anos, ainda ginasiano, ganhou seu primeiro prêmio do Serviço Nacional de Teatro. Sua peça A Comédia dos Moralistas, escrita em 1937, foi proibida, acusada de marxista, quando ele ainda não tinha lido e se impressionado com a obra do pensador alemão Karl Marx. A obra foi, enfim, liberada, com um corte de dez páginas, publicada e encenada em 1939. Em toda sua vida foi visado por suas posições de esquerda, por sua militância no Partido Comunista Brasileiro, sendo, por isso, sempre alvo de controle, censura, perseguições e intimidações e até mesmo de uma surra policial. Essas são declarações que ele fez em seu livro de memórias.

Otimista como sempre e com sua sagacidade, ia encontrando formas de driblar a censura, de revelar, através de fina ironia, suas idéias e seus sonhos de mudança. Em 1942, em plena II Guerra Mundial, escreveu uma peça antinazista, Amanhã será outro dia - e não era somente a II Guerra Mundial; era também o período em que Getúlio Vargas e a ditadura do Estado Novo tinham simpatias pró-Eixo -, que, proibida, foi logo depois encenada pela Comédia Brasileira. Em 1944, escreveu uma peça sobre preconceito racial, Pé-de-Cabra, encenada pelo extraordinário Procópio Ferreira. E assim sempre questionando o dia-a-dia dos brasileiros, o autoritarismo, a opressão, o jeitinho de enganar, a falta de liberdade, as dificuldades de sobrevivência, revelou o mais profundo do nosso País e da alma de todos nós.

Seu primeiro grande sucesso de público foi O Pagador de Promessas, em fins dos anos 50, no qual, trabalhando com o regional, o folclore, o cordel e a atividade artística popular, expõe com clareza a genial criação do povo brasileiro, do sincretismo religioso como forma de combate contra a intolerância. Transposto para o cinema - e isso já foi por vários lembrado -, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Destacam-se da sua produção O Santo Inquérito, sobre a Inquisição no Brasil e a liberdade de consciência; A Revolução dos Beatos, inspirado no folguedo popular do bumba-meu-boi e na temática da crendice popular, e o Berço do Herói, sobre a feitura da história oficial e seus mitos; A Invasão, Amor em Campo Minado e Campeões do Mundo, sobre os caminhos das transformações sociais; Vargas, que recorre à forma teatral do enredo e do cortejo das escolas de samba; As Primícias e o Rei de Ramos, dois musicais, o primeiro em parceira com Ferreira Gullar e o último com a colaboração de Chico Buarque de Holanda.

No teatro e nos demais veículos em que teve acesso - sobretudo no rádio, onde produziu mais de 500 programas -, fez experiências as mais ricas, desdobradas em gêneros os mais diversos e ramificando-se em comédias, tragédias, farsas, musicais, novelas, seriados, roteiros de cinema, teleteatros e ainda romances e contos. Poucos, no País, tiveram reconhecimento público como ele. Suas obras são conhecidas de milhões, e são inesquecíveis alguns dos seus personagens, como o Prefeito Odorico Paraguassu; o cangaceiro Zeca Diabo; o delegado Lulu Gouveia, de o Bem-Amado; o Zé do Burro e o Padre Olavo, de O Pagador de Promessas; e Branca Dias, de O Santo Inquérito. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, cuja Cadeira 21 tem como patrono o grande abolicionista José do Patrocínio.

Neste registro que fazemos, Sr. Presidente, destacamos a personalidade de Dias Gomes e a perda para o Brasil desse intelectual, desse homem da cultura, desse criador. Mas quero concluir o meu pronunciamento falando também da minha perda pessoal. Eu já tinha dito isto e agora repito: militei junto com Dias Gomes no velho Partido Comunista Brasileiro; também militamos juntos nas lutas, após a mudança para o Partido Popular Socialista.

Quero falar desta minha perda pessoal, da minha emoção. Tive a honra de tê-lo como participante ativo da minha campanha à Presidência da República pelo Partido Comunista Brasileiro.

Como se diz muito a todos aqueles companheiros nossos que desapareceram, àqueles companheiros nossos que foram mortos e àqueles que resistiram, quero dizer a Dias Gomes: Dias Gomes, presente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/1999 - Página 12001