Discurso no Senado Federal

VITORIA DO PARTIDO TRABALHISTA NAS ELEIÇÕES EM ISRAEL.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA PARTIDARIA.:
  • VITORIA DO PARTIDO TRABALHISTA NAS ELEIÇÕES EM ISRAEL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/1999 - Página 12018
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, EHUD BARAK, LIDER, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, VITORIA, ELEIÇÕES, PRIMEIRO-MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, VITORIA, OPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, DEMONSTRAÇÃO, EXERCICIO, CIDADANIA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, EMPENHO, OBTENÇÃO, PAZ, ORIENTE MEDIO.
  • CRITICA, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), APOIO, PROPOSTA, REFORMA POLITICA, PREJUIZO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, DEMOCRACIA, CIDADANIA, PAIS.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi um grande dia para as forças democráticas e para os amantes da paz. De Israel, veio a notícia da vitória do trabalhista Ehud Barak, que alcançou quase 60% dos votos válidos e, portanto, obteve condições políticas adequadas para realizar um governo estável e com relativa maioria no Parlamento. A era de Netanyahu fica para trás, e uma nova fase de esperança se abre para o povo israelense, para o Oriente Médio e para o mundo.  

A onda rosa parece não ser mais um fenômeno apenas europeu. Ela carrega suas energias para outras partes do planeta, sepultando em suas vagas o pesadelo neoliberal, que, de forma arrogante, chegou a prognosticar o fim da história. É a mesma onda que bateu no Chile e que bate hoje às portas da Argentina e do Uruguai e, estou certo, adentrará o território brasileiro mais cedo do que se imagina.  

Abordo a vitória de Barak, primeiro para parabenizar o líder do Partido Trabalhista. Em segundo, para abraçar o povo israelense que, mesmo sob tensão e permanente conflito, em grande parte de responsabilidade exclusiva da política de seus governos, não abriu mão da democracia. Em terceiro, para tentar, com base no resultado eleitoral, fazer algumas relações com a nossa realidade, a deste Brasil grande, apequenado por alguns de seus homens públicos.  

Vamos direto ao terceiro ponto.  

A aliança que leva Barak ao poder é a antítese do que ocorre no Brasil. Lá se reuniram forças de centro-esquerda para derrotar o bloco, um misto de conservador-liberal, que, à luz de negociações oportunistas, levara o governo israelense a se abrir à perigosa simbiose com os estamentos religiosos fundamentalistas, rasgando a consagrada e importante doutrina do Estado laico. As correntes de centro-esquerda compreenderam a história de seu país e apostaram na política como solução para seus problemas - sem conciliação, sem acordos espúrios, sem recorrer a atalhos milagrosos. Muito diferente das forças de centro do Brasil, que, em vez de buscar o novo, se aliaram com a direita e se aferram a essas alianças conservadoras que não levam o Brasil para o século XXI; pelo contrário, amarram-no ao século XX, ora se encerrando.  

Mas não é só isso. Aqui, nossos outrora homens de centro-esquerda, além de aprofundar alianças com o liberalismo envelhecido, buscam também envelhecer a política. As propostas de reforma político-partidária apresentadas por parlamentares do PSDB e do PFL dão bem a demonstração disso. Como se não bastasse empurrar o Brasil para trás na escolha de parceiros estratégicos, também querem fazer recuar a pluralidade, a democracia, manietando a cidadania e tentando sacrificar os pequenos e médios partidos. Tudo em nome de uma maior racionalidade de governo, da eficiência administrativa, do oportunismo daqueles que querem reproduzir o poder pelo poder e, assim, acham ser possível controlar e engessar a vontade de mudança de um povo. O PSDB, infelizmente, parece ter acreditado na frase de Sérgio Motta, aquela referente ao projeto de ficar no poder por 20 anos. Talvez ele tenha dito isso pensando em Felipe González e no PSOE espanhol, mas, lamentavelmente, convertendo-se em uma triste e modesta paródia de Hitler e de seu projeto de 1000 anos de Reich.  

Israel dá uma resposta a esse comportamento mesquinho e à história. País espremido por dificuldades econômicas e políticas de toda ordem, não recorreu a nenhum tipo de legislação eleitoral nova e salvadora para dar racionalidade ou funcionalidade à representação política. Não criou cláusulas de barreira, não pretendeu extinguir partidos, não ampliou prazos de filiação nem fixou domicílio eleitoral para beneficiar forças hegemônicas da sociedade. Simplesmente deixou a cidadania fluir livremente. No novo Parlamento (a Knesset), os israelenses distribuíram seus votos entre onze agremiações – onze, friso bem –, algumas com uma ou duas cadeiras apenas - de diversos matizes ideológicos.  

A campanha foi para as ruas; candidatos com peso específico retiraram seus nomes da disputa; a política e a democracia triunfaram. Uma grande lição para nossos restauradores brasileiros, que fazem um discurso de uma pretensa reforma, para esconder de fato visões autoritárias e pouco apego à liberdade da cidadania.  

Dirão, talvez recorrendo ao vício do argumento: "Ora, Israel é diferente; lá existe uma outra cultura, um outro povo." Pois bem, responde-se com a vocação democrática do nosso povo, que não é diferente da esposada pelo povo israelense. Talvez nossas elites, sim, é que tenham perdido há muito tempo o sentido maior da liberdade e da própria História.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador?  

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Eu não poderia terminar meu discurso sem manifestar a minha opinião numa outra direção. Mas, antes disso, gostaria de conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy, que o havia solicitado e, posteriormente, ao Senador Roberto Saturnino.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Uma chance à paz, prezado Senador Roberto Freire, é, acredito, o sentido maior e a enorme expectativa que se forma diante da vitória do Partido Trabalhista e de Ehud Barak como Primeiro-Ministro eleito do Estado de Israel. Por ter sido o mais condecorado dos soldados israelenses, mas mais por sua postura firme de querer realizar a paz, está extremamente bem credenciado. Estive, Senador Roberto Freire, em julho do ano passado, em Israel. Na ocasião, conversei com a viúva de Yitzhak Rabin, com Shimon Peres e, atravessando a fronteira, em Gaza, com Yasser Arafat. Foi a primeira vez que estive em Israel, mas pude perceber a necessidade de mudança. E tenho a certeza de que, felizmente, pelo método da democracia, houve uma mudança muito saudável e que deve ser aplaudida por nós do Bloco da Oposição e pelo Partido dos Trabalhadores. Saúdo a atitude do Primeiro Ministro derrotado, porque reconheceu a vitória significativa de Barak e das forças trabalhistas que, avalio, empenhar-se-ão para que haja paz no Oriente Médio. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Era exatamente, Senador Eduardo Suplicy, o que eu iria falar ao final, ou seja, que a vitória de Barak contribui para a ampliação do sentimento de paz em todo o mundo. Creio que contribuirá para selar a paz, sempre difícil, é verdade, entre palestinos e judeus e em toda a região.  

Por outro lado, também demonstra para o mundo, em qualquer de seus lugares, que há um cansaço com a alternativa da guerra. E nesse ponto, não deixa de haver uma crítica à postura agressiva, arrogante, típica de gendarmaria, verdadeiro terrorismo de Estado, colocado em prática pelos Estados Unidos e outros países da Europa contra a Iugoslávia, esta liderada por um nacionalista fanático, agressor de minorias étnicas em Kosovo e que, também, não merece o apoio de ninguém.  

É interessante dizer isso, porque em outras regiões do mundo há problemas étnicos graves de minorias, problemas graves de busca de autodeterminação. Próximo à Iugoslávia, a Turquia tem problemas com seus curdos. E há problemas em várias outras regiões. Algumas delas encaminham-se para uma solução pacífica, como a antiga e velha Grã-Bretanha, com os irlandeses. Há todo um processo de efervescência, até paradoxal, de busca de afirmações nacionais em um mundo de integração global. Mas soluções outras são encontradas para tentar solucionar graves conflitos étnicos e chegam-se a pontos extremos como ocorreu em Kosovo.  

Houve a política contra o apartheid da África do Sul, de bloqueio, gestões diplomáticas, que se refletiam em impedimento de participações em atividades esportivas. É bom não esquecermos disso!  

Tudo isso foi esquecido por essa política agressiva, sobre a qual o mundo e o Brasil, lamentavelmente, nada disseram - e o Brasil pretende participar do Conselho de Segurança das Nações Unidas! O Brasil precisaria de uma postura muito mais altiva de defesa da autodeterminação - política tradicional sua. Pois, por um problema interno de escândalo sexual, o Sr. Bill Clinton desvia as atenções, praticando ataque terrorista de Estado, com o bombardeio no Iraque. Defesa do Iraque? Não! Mas condenação de posições claramente policialescas do mundo.  

É necessário que o Brasil tenha clareza. E espero que, com o que ocorreu em Israel, com a vitória de uma força a favor da paz, possa começar a haver a visão da paz para todo o mundo.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Concedo o aparte ao Senador Roberto Saturnino.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - Senador Roberto Freire, quero também expressar aqui o meu regozijo pelas palavras de V. Exª. O discurso que profere é extremamente oportuno e igualmente importante, pelas ilações que V. Exª tira no contraponto com a situação brasileira e com o que ocorre em outras partes do mundo, como a agressão à Iugoslávia. É importante observar que o povo israelense - e falo com o coração de quem tem uma grande admiração pelo povo judeu de um modo geral - reconheceu o erro cometido anteriormente. A democracia permite exatamente isso: que um povo reconheça equívocos cometidos anteriormente. O tempo da história e o tempo da política, que faz a História, têm uma escala diferente dos tempos do nosso cotidiano e, por vezes, ficamos impacientes e avaliamos mal essa temporalidade, achando que coisas temporárias devam ser encaradas como definitivas. Não são. A política de agressão do Sr. Binyamin Netanyahu estava evidentemente errada, mas foi fruto de uma eleição. E, na oportunidade seguinte, o povo israelense, com sua sabedoria e maturidade de milênios, reconheceu e restaurou o projeto de paz, e restaurou democraticamente, por uma votação absolutamente expressiva, o projeto de paz na pessoa do Sr. Ehud Barak. Para nós, é um caso que tem um conteúdo de exemplaridade muito grande para todo o mundo, inclusive para o Brasil. Por isso, penso que o pronunciamento de V. Exª é muito importante e oportuno. Meus parabéns.

 

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Agradeço a V. Exª. Ressaltei que foi um processo democrático, em que não foi usado qualquer expediente para manter grupos e blocos hegemônicos. Há o pluralismo partidário, não apenas de cidadania, mas também das suas expressões organizadas. Isso tudo que, infelizmente, parte das nossas elites e alguns democratas brasileiros pretendem esquecer, visando a restaurar, talvez porque ainda não se desvencilharam de algumas estrelas respeitáveis, mas que estavam nos ombros num momento e numa época menor deste País. Creio que temos de mudar o campo de visão. Talvez fosse interessante agora começar a mirar uma outra estrela, a Estrela de Davi. Ela é sábia. E neste momento Israel está dando o exemplo de que pode ser uma estrela da paz e da democracia.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/1999 - Página 12018