Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO DOS AGENTES PUBLICOS COM OS BENS PUBLICOS, DANDO COMO EXEMPLO A UTILIZAÇÃO DOS AVIÕES DA FAB POR ALGUNS MINISTROS. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO DOS AGENTES PUBLICOS COM OS BENS PUBLICOS, DANDO COMO EXEMPLO A UTILIZAÇÃO DOS AVIÕES DA FAB POR ALGUNS MINISTROS. (COMO LIDER)
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1999 - Página 12338
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, CLASSE POLITICA, UTILIZAÇÃO, BENS PUBLICOS, INTERESSE PARTICULAR, ESPECIFICAÇÃO, DENUNCIA, VIAGEM, FERIAS, AERONAVE PUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENTREVISTA, TELEVISÃO, JUSTIFICAÇÃO, VIAGEM, MINISTRO DE ESTADO, AERONAVE PUBLICA, FORÇA AEREA BRASILEIRA (FAB).
  • DEFESA, APRENDIZAGEM, ETICA, POLITICA, BRASIL, OPOSIÇÃO, PRIVILEGIO.

A SRª MARIANA SILVA (Bloco/PT-AC) - Sr. Presidente, peço a palavra como Líder.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª tem a palavra pela Liderança do Bloco.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago novamente a esta Casa um assunto que vem sendo tratado nos meios de comunicação e que, do meu ponto de vista, ilustra um pouco aquilo que tem sido a trajetória política no nosso País na relação dos agentes públicos com os bens públicos.  

Com isso, já estou dizendo que vou tratar do episódio da utilização dos aviões da FAB por alguns Ministros, inclusive pelo Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro. Esse episódio já foi divulgado amplamente pela imprensa, já foi tratado numa comunicação que fiz aqui nesta Casa, mas por entender que é um episódio que poderá nos trazer algum tipo de reflexão a respeito da relação do agente público com os bens públicos que o servem para realização da sua atividade pública é que retorno à tribuna.  

E quero fazê-lo, Sr. Presidente, com o cuidado de não ficar fazendo uma crítica puramente política, moralista, ralhando com os "ministros-turistas". Como dizia a minha avó, quando a gente cometia um erro, ela dizia que o nosso pai, a nossa mãe deveriam ralhar com a gente. Não quero fazê-lo nessa conotação pura e simplesmente. Pode parecer pretensioso, mas quero tirar algum tipo de ensinamento que faça com que as instituições possam funcionar de forma a não permitir que isso ocorra. E, principalmente, que nós, enquanto agentes públicos, ministros, senadores, deputados, professores – saibamos estabelecer a exata diferença entre aquilo que nos é particular, utilizado para a realização dos nossos anseios privados, individuais, e aquilo que é estrutural à nossa função pública.  

Sr. Presidente, um dito popular diz que "o costume de casa vai à praça". Isso era utilizado principalmente pelos antigos para nos dizer: "Comporte-se bem em casa para não expor seus defeitos em público, porque, se você tem algumas manias inadequadas dentro de casa, você acabará, naturalmente, praticando-as em público, sem sequer dar-se conta de que aquilo poderá chocar ou causar alguma má impressão nas pessoas".  

Até aí, Sr. Presidente, a admoestação é legítima, para que tenhamos o cuidado pessoal de não ter um comportamento que possa vir a ser reprovado, causando-nos algum tipo de constrangimento. No entanto, essa é uma observação ao indivíduo. Mas difícil, Sr. Presidente, é, ao invés de levarmos os nossos maus costumes para a praça, tentarmos levar a praça para a nossa casa. E penso que é exatamente isso que está acontecendo com episódios dessa natureza. Outros já aconteceram, e muitos devem estar acontecendo. Inclusive, o Senado, os Governadores, os Prefeitos e o Governo Federal não estão imunes a esse tipo de episódio, ou seja, a má utilização dos meios públicos de prestação de serviços para fins privados, para fins pessoais, como o foram os aviões utilizados para as férias em Fernando de Noronha e a própria estrutura oferecida pela Ilha, como o abrigo e a pousada concedidos àqueles que para lá foram.  

Não tenho nada contra as pessoas terem férias; não tenho nada contra as pessoas realizarem seus sonhos de terem férias interessantes de acordo com seu padrão de vida e suas aspirações. Entretanto, isso não pode ser realizado a expensas do Poder Público. Se não podemos bancar, se não temos por mais que desejemos, como praticar essas férias ou qualquer outra atividade nos termos postos?  

Quando falei "levar a praça para casa", quis, com isso, expressar que, às vezes, muitas pessoas ficam mal acostumadas porque dizem "faz" e alguém faz; "sai" e alguém sai; têm carro; têm uma estrutura adequada e acabam pensando que isso pode ser transferido para a sua vida particular, levando a praça, que é pública, para dentro da sua casa, para lá poder realizar seus maus costumes. Foi isso que ocorreu com a utilização desses bens públicos.  

Sr. Presidente, quero ressaltar o fato de que, quando o episódio ocorreu, inicialmente houve uma tentativa de minimizar o acontecimento. Inclusive, para mim, o que mais poderia ser ilustrativo e chocar a opinião pública foi a entrevista concedida, no Programa Roda Viva , pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que dizia que se tratava de cidadãos de classe média com anseios – foram mais ou menos essas as suas palavras – de lazer de classe média. Sua Excelência disse que, por não terem recursos para bancar esse lazer, seria quase que natural – não chegou a usar essas palavras – que utilizassem outros meios para realizar as suas aspirações.  

Essas palavras, vindas de um Presidente da República que é sociólogo, que conhece a História deste País, inicialmente chocam, porque é como se fosse uma agressão à inteligência mediana dos cidadãos brasileiros. Ora, se, como um ser de classe média, tenho aspirações de lazer de classe média e não as posso realizar às minhas próprias custas, por que o contribuinte brasileiro tem de bancar esses meus anseios de classe média, já que isso não é um programa que estará disponível para todos os cidadãos que tenham o anseio, por exemplo, de passar férias em Fernando de Noronha?  

Considero grave o fato de o Presidente da República ter dito isso, porque Sua Excelência conhece o País academicamente – até mesmo, por meio de suas pesquisas e da sua experiência, já num segundo mandato de Presidente – e sabe o quanto tem sido doloroso e penoso, na História deste País, bancarmos a luxúria da Casa Grande a expensas do sangue e do suor da senzala.  

A cultura brasileira está montada em uma alavancagem, em uma estrutura que determina que aqueles que têm continuam tendo e os que não têm continuam não tendo. Aqueles que podem, de alguma forma, bancar as suas aspirações em detrimento das aspirações de outro podem fazê-lo, porque isso é legítimo, como era legítimo os escravos doarem seu sangue para bancar a vida, a luxúria e a riqueza dos senhores, como era legítimo os índios abrirem mãos de suas terras para que elas fossem invadidas para a plantação da cana-de-açúcar e do cacau e para a implementação das fazendas e de tudo o que era feito. A cultura da Casa Grande e da senzala nos faz aceitar como naturais determinados procedimentos que, vistos assim, en passant , podem parecer normais: ora, sou uma cidadão de classe média, tenho aspirações de classe média, e é justo que eu procure manter esse padrão, mesmo que seja utilizando os aviões da FAB!  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre que cometemos algum erro, há alguns procedimentos que podemos adotar. Um deles é reconhecermos o erro, pagarmos o preço pelo erro cometido, tentarmos repará-lo se possível, e assim por diante. Outro é tentarmos justificá-lo dizendo que é natural, normal, que não há problema, que não foi um erro. Essa foi a justificativa dada inicialmente para o mau uso dos aviões.  

Uma outra forma de procedimento é a ocultação do erro. Aliás, nesse episódio, existiram pessoas que tentaram ocultar o erro. Inicialmente, apenas o Ministro Carvalho havia utilizado o avião, e ninguém falava nada. Enquanto a mídia colocava apenas o nome do Ministro Carvalho no episódio, nenhum outro Ministro apareceu e disse: "Eu também fiz a mesma coisa". Mas aí foram aparecendo outros nomes, como a meada de um novelo que vai sendo desenrolado. Hoje já são seis, inclusive o Procurador-Geral da República.  

A justificativa dada, de que são pessoas da classe média e de que não tinham como pagar, vai por água abaixo, porque esses cidadãos que não tinham como pagar suas passagens reembolsaram o seu valor: uns com R$18 mil, outros com R$25 mil. Se não tinham o dinheiro, como o deram depois? De onde veio esse dinheiro? Há algo estranho nisso.  

Mas eu disse que eu não queria ficar apenas citando o fato. Quero que procuremos aprender algo com esse episódio. Os que ficaram calados já apareceram. Se houver outros, com certeza irão aparecer. E, pelo menos, aquilo que se tentou amenizar no início já é motivo de uma lei que regulamentará o uso dos aviões da FAB.  

Aliás, diga-se de passagem, na Amazônia, principalmente no meu Estado, o Acre, as pessoas pobres e humildes e os prefeitos ficam rezando para que um avião da FAB leve para ali medicamentos e alimentação e transporte as pessoas doentes. A FAB tem servido em muitos momentos – quero fazer este registro aqui –, mas há uma dificuldade: não é tão fácil conseguir um avião da FAB para esses fins como o é para se realizar essa quantidade de vôos e de caronas que vimos nesse episódio. A FAB tem cumprido um papel importante, e é até lamentável que essa instituição tenha seu nome colocado nesse episódio, na história do tráfico de drogas e assim por diante.  

Aprender com esse caso é também aprendermos a como nos relacionar com o poder. Reconhecer o erro, ocultar, justificar para tentar amenizar ou ocultar, tem algo que pode ser dito aqui como exemplar.  

Lembro-me do episódio do sociólogo Herbert de Souza, o saudoso Betinho, quando da questão do dinheiro do jogo do bicho que ele utilizou na sua ONG para socorrer pessoas contaminadas com o vírus do HIV. Naquele episódio, quando foi feita a denúncia das pessoas que tinham recebido dinheiro dos bicheiros, o Herbert de Souza foi a público e disse: – Recebi! Reconheço que estou errado por ter pego esse dinheiro. A minha causa era nobre, mas o Brasil, se assim entender, me desculpe. E o Brasil inteiro aprendeu com o gesto daquele sociólogo.  

Mas, com certeza, o Brasil inteiro careceu de aprender no gesto de um outro sociólogo que, de forma apressada, justificou, no Programa Roda Viva , o erro dos Ministros. Aliás, no Programa Roda Viva , o Presidente trouxe uma contribuição das suas próprias cercanias – para não ser injusta. O outro sociólogo, o sociólogo Presidente, que justificou o erro do Ministro turista, trouxe um exemplo das suas próprias cercanias para ensinar o Brasil. Sua Excelência citou o exemplo de uma pessoa que trabalha com ele, não sei se é doméstica; que tinha a aspiração de conhecer a Grécia. Essa pessoa economizou dinheiro, comprou uma passagem à prestação e visitou aquele país. Que exemplo bonito para o Brasil aprender, para os Senadores aprenderem, bem como os Ministros: quando se tem aspirações de lazer de classe média, deve-se bancar essas aspirações, assim como fez aquela senhora citada pelo nosso Presidente da República.

 

Agora, Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero ainda fazer uma outra relação. Quando da discussão aqui no Congresso Nacional da lei que institui o expediente da reeleição, eu, inicialmente, individualmente, era favorável. Entendia que se um cidadão tem boas qualidades, se um cidadão é competente e submete novamente o seu nome para que a sociedade decida se ela quer ou não que ele continue, isso é legítimo, ele não pode ser privado desse direito.  

Nos debates – e aí eu quero agradecer ao meu colega Eduardo Suplicy –, e fazendo a leitura inclusive de um livro de Alexis de Tocqueville que me foi emprestado pelo Senador Suplicy, eu me convenci de que não deveria ser favorável à reeleição. Tocqueville salienta um ponto muito interessante em sua obra, ou seja, quando você tem a possibilidade da reeleição, você está oferecendo democraticamente a um cidadão a oportunidade de que ele possa submeter o seu nome para a sociedade decidir se vai ou não continuar com a sua prestação de serviço à frente da presidência, da prefeitura ou de um governo de um Estado. Mas, também, em sabendo que você tem a possibilidade da reeleição, o governante poderá lançar mão de todas as estruturas para governar não pensando em fazer o bem do país, mas em fazer o bem daquilo que lhe possibilite reeleger-se. É claro que essa escolha leva em conta uma série de fatores, principalmente de ordem ética e moral, daquilo que é, digamos assim, a base da formação de um indivíduo.  

Mas, do meu ponto de vista – por isso votei contra no final –, ainda existem outros mecanismos além desses. Os cidadãos brasileiros, a democracia brasileira, a cultura brasileira não têm tradição de reeleição, e isso poderia levar a sérios equívocos. Além desse, há um outro ponto que esse episódio nos ensina.  

Suponhamos: eu, como Líder da Oposição, vou ficando no gabinete de Liderança, eleição após eleição, de repente já começo a identificar as gavetas, os armários, o carro, os funcionários como se fossem meus, e, se eu fosse Ministro de Estado, talvez até os aviões, como se fossem meus. Essa relação da demora no poder sem que passe por um processo de amadurecimento e de fortalecimento das instituições, inclusive da consciência cidadã, que cobra das instituições uma postura...  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Sr. Presidente, ainda estou dentro do tempo a mim concedido?  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - O tempo de V. Exª está prestes a encerrar. Faltam exatamente dois minutos.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Vejo que o Senador Gilvam Borges, há pelo menos cinco minutos, encontra-se na tribuna como uma forma de fazer pressão ao meu pronunciamento. Gosto de cumprir o Regimento, mas, também, de respeitar os Colegas e de ser respeitada.  

Concedo o aparte ao ilustre Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Quero cumprimentar V. Exª pela reflexão que está fazendo, Senadora Marina Silva, a respeito dos abusos que têm sido cometidos por aqueles que ocupam a Presidência, bem como pelos Srs. Ministros, inclusive salientando o extraordinário poder que tem um Governo e o Presidente quando pretendem o direito de reeleição e como acabam fazendo uso abusivo da própria máquina administrativa. O episódio das viagens a Fernando de Noronha obviamente levou indignação à opinião pública, até porque não foi apenas o Ministro que resolveu ressarcir os cofres públicos porque tinha viajado no avião da FAB, mas verificou-se que, ao longo dos últimos anos, um Ministro após outro chegaram a se utilizar dos aviões da FAB, além do Hotel da Aeronáutica para o seu próprio lazer e o de sua família às custas dos cofres públicos. Mas, a partir desse episódio, o Presidente da República determinou ao Ministro Chefe da Casa Civil que redigisse uma regulamentação sobre o uso dos aviões da FAB, e é sobre isso que eu queria aqui falar. Vejo que agora se estabeleceu que os Ministros de Estado, além de poderem utilizar o avião em missões especiais de trabalho – e este deveria ser sempre o objetivo justificável –, também poderão ir para as suas regiões de residência. Poderão ir e voltar. Será que esse deveria ser o procedimento usual? Será que se justifica tal procedimento? Uma das justificativas seria que os Ministros precisariam ter segurança. Aqui está o decreto do Presidente da República: O Ministro da Aeronáutica, utilizando a aeronave sob sua administração, é responsável pelo transporte aéreo de autoridades, nos termos e nas condições deste decreto. O transporte de autoridade de que trata o caput do art. 2º somente será realizado para viagens de serviços e nos deslocamentos para o local de residência permanente. Ora, vou citar aqui um exemplo. O Ministro da Saúde Adib Jatene costumava viajar normalmente nos aviões de carreira. Em todas as ocasiões, ele conversava com as pessoas. Inúmeras vezes eu viajei no mesmo vôo que S. Exª e essa era uma oportunidade para ele perceber um pouco as impressões que os cidadãos, que iam e voltavam de São Paulo; estavam tendo de sua gestão. Será que o Ministro da Casa Civil precisa isolar-se de tal maneira e ir sempre para o seu local de residência permanente de avião da FAB, com a justificativa de que ele não pode ser exposto ao convívio com os cidadãos normais? É esta a pergunta: será que agora todo Ministro vai deslocar-se para seu local de residência permanente sempre com o avião da FAB? Parece-me que isso não deveria ocorrer em situações cotidianas, mas apenas eventualmente.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte de V. Exª, que traz uma excelente contribuição ao meu pronunciamento.  

Sr. Presidente, existem alguns privilégios que não podem ser aceitos, não apenas pela sociedade que os observa, mas pelo próprio indivíduo, que tem a obrigação de julgar como adequadas, ou não, determinadas práticas.  

Creio que a utilização de um avião da FAB para transportar os Ministros não seja algo adequado. Pode-se considerar adequado se há oportunidade, como por exemplo, se o Ministro vai visitar sua família em São Paulo e há um avião se deslocando para lá. Mas, no caso de férias, não. Se a prática persistir, no dia em que tivermos um Ministro do Acre, toda vez que ele for para o seu Estado – são quatro horas de vôo para ir e quatro para voltar – qual não será a sua despesa de transporte em um avião da FAB?  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero concluir dizendo que esse episódio não é um fato isolado do contexto da relação que se estabelece entre o agente de poder e a estrutura do poder à qual ele pertence.  

No Senado, temos de ter muito cuidado, todos nós. Temos de ficar atentos quanto ao uso do carro oficial. Só utilizo o carro do Senado para as minhas atividades públicas, para ir ao médico e à farmácia. Todos sabem que tenho problemas de saúde. É para esses fins que o utilizo, em função do trabalho do Senado. Acredito que, aqui, todos os Srs. Senadores assim o fazem, mas temos de ter muito cuidado. Do contrário, estabelecemos uma relação errada com as estruturas que possibilitam as nossas atividades para atender aos anseios de prestação de serviço que a sociedade tem, utilizando-as para nossos fins pessoais. E isso não é adequado, porque o cidadão brasileiro, o contribuinte, não tem a obrigação de bancar esses custos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com certeza, se fizermos uma reflexão sobre a forma como nos relacionamos com o poder, acharemos algumas das respostas para o abuso do mesmo quando nos colocamos diante de uma situação em que podemos exercitá-lo.  

Para concluir, existem quatro formas de se exercitar o poder. Uma, pelo constrangimento: você adora causar constrangimento às pessoas, mostrar que é poderoso, que faz e acontece; outra, pela benevolência; uma outra, pela junção, pelo equilíbrio entre as duas coisas: você pode ser benevolente e causar algum tipo de constrangimento àquilo que não é adequado; existe outra ainda, que é pela ostentação. Posso me sentir altamente poderosa em ficar até as 2 horas da madrugada na CPI, sem comer, porque estou trabalhando, e deixar o coitado do motorista do lado, com fome, olhando, para somente ir comer na hora em que eu sair. Ou posso ser benevolente e tão poderosa dizendo: "Não posso sair agora, mas você tem o direito de alimentar-se. Vá e depois volte para me levar em casa". É também uma forma de exercitar o poder. Mas, infelizmente, o ser humano se sente mais poderoso quando causa constrangimento a alguém, quando mostra: "você quer fazer isso, mas eu tenho o poder de dizer que você não pode fazê-lo". E o poder benevolente, junto com o poder que causa o constrangimento, é aquele que é capaz de fazer mediações, como falei anteriormente. Penso que o constrangimento ao abuso precisa ser levado a cabo na nova lei. A benevolência adequada, a benevolência justa também precisa ser praticada.  

E, nesse caso, talvez se inclua o fato de levar os Ministros quando o avião realmente estiver indo para o lugar onde eles têm suas residências. Não se deve, porém, instituir como prática eles serem levados por aviões da FAB por questão de segurança, por não poderem andar em aviões de carreira. Existem muitos Srs. Senadores aqui que se expõem o tempo todo. Passei quatro anos me expondo, com um Governador que me odiava, que fazia uma série de perseguições. Andei em aviões de carreira, andei de carona, a pé, em canoa, fiz tudo e, graças a Deus, estou aqui sã e salva. Nunca tive medo de andar nos aviões de carreira pelo fato de me misturar com as pessoas, embora eu tenha o medo normal que qualquer cidadão pode e deve ter de perder a sua vida por ação daqueles que não são capazes de tratar as diferenças e as divergências no campo da política, levando-as ao campo das ações pessoais, como ocorre em meu Estado e em muitos Estados da Federação.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1999 - Página 12338