Discurso no Senado Federal

APELO AO MINISTRO DA SAUDE PARA COIBIR OS ABUSOS NOS PREÇOS DOS REMEDIOS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APELO AO MINISTRO DA SAUDE PARA COIBIR OS ABUSOS NOS PREÇOS DOS REMEDIOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1999 - Página 12344
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE DINHEIRO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APRESENTAÇÃO, DADOS, CONFIRMAÇÃO, FATURAMENTO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, RESULTADO, AUMENTO, PREÇO, MEDICAMENTOS.
  • ANALISE, CRITICA, OLIGOPOLIO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, ABUSO, AUMENTO, PREÇO, MEDICAMENTOS, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), LEVANTAMENTO DE DADOS, CONSELHO NACIONAL, FARMACIA, DEMONSTRAÇÃO, DESRESPEITO, LABORATORIO FARMACEUTICO, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO.
  • SOLICITAÇÃO, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ADOÇÃO, INSTRUMENTO, EFICACIA, FISCALIZAÇÃO, COMBATE, EXCESSO, AUMENTO, PREÇO, MEDICAMENTOS.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, um assunto da ordem do dia de cada família brasileira é o do aumento de medicamentos. Cada pai, cada mãe que tem um filho ou um parente doente encontra profunda dificuldade na aquisição de medicamentos para o tratamento de doenças. Isso tem progredido, especialmente depois dessa desvalorização cambial, dessa política econômica vigente em nosso País.  

Trago uma reflexão a respeito desse assunto, solicitando que os órgãos responsáveis, de fato, tomem decisões favoráveis ao direito de aquisição de um bem básico como é o medicamento, num momento tão difícil na vida de uma família, como o da doença.  

Existem, hoje, aproximadamente, 30 mil medicamentos registrados no nosso País. Do ponto de vista do consumo, porém, esse universo é muito restrito, pois apenas 8 mil dos produtos são efetivamente comercializados. E, quando fazemos uma seleção da necessidade permanente de consumo pelo povo brasileiro, chegamos a cerca de 800 medicamentos.  

Se fizermos uma análise judiciosa, técnica e científica sobre a necessidade real de medicamentos no País, seguramente, qualquer profissional com uma visão mais profunda da utilização da farmacologia, entende que não precisaríamos de mais de 1.000 produtos medicamentosos para uso de todas as patologias que aflige a população brasileira.  

Lamentavelmente, é um assunto que diz respeito a comércio, a enriquecimento e a fortalecimento de empresas que muito pouca sensibilidade têm registrado.  

A revista IstoÉ Dinheiro desta semana publica uma longa matéria intitulada Especial Indústria Farmacêutica , em que os dados apresentados nos dão uma clara noção da dimensão do setor farmacêutico e de sua importância econômica. A indústria farmacêutica mundial tem um faturamento de cerca de US$296 bilhões, por ano, e estima-se que cerca de 12% das receitas dos laboratórios sejam provenientes da venda de medicamentos com menos de dois anos de vida, pois as margens de lucro da venda de remédios novos são as mais altas.  

Contrariamente ao que era de se esperar, o grande custo dos laboratórios não se deve ao preços de substâncias ativas dos medicamentos e sim, às despesas efetuadas com a propaganda e a embalagem dos produtos.  

Em todo o mundo, as estatísticas indicam que os remédios que mais vendem são os de combate à úlcera, seguidos dos redutores de colesterol e dos anti-hipertensivos. Os medicamentos criados para alívio dos pacientes e para o controle de doenças crônicas que têm tratamento contínuo também são, sem dúvida, o grande campo do crescimento desse setor industrial.  

No Brasil, a indústria farmacêutica não tem do que se queixar, somos um dos três maiores mercados de medicamentos da América Latina, acompanhados do México e da Argentina. Não obstante as sucessivas crises econômicas que abalaram o Brasil, o setor nunca deixou de ter sua lucratividade assegurada. Mesmo nos últimos anos, o aumento dos preços dos medicamentos superou amplamente nossos índices de inflação.  

Se analisarmos o percentual de aumento em dólar de determinados produtos farmacêuticos, ao longo do chamado período de estabilização cambial, que vigorou de meados de 1994 a janeiro de 1999, constataremos distorções descabidas em relação ao aumento de preços.  

Nesse período em que o aumento sobre os preços em dólar pouco variou no País, algumas dezenas de produtos tiveram aumentos abusivos e absolutamente injustificados, sobretudo os medicamentos de uso contínuo, prescritos para o controle de doenças como hipertensão, diabetes, reumatismo, epilepsia e tantas outras.  

Algumas pesquisas também permitem detectar que, no Brasil, os medicamentos antiácidos, antialérgicos, antibióticos e os antiinflamatórios de grande consumo tiveram seus preços majorados indiscriminadamente e abusivamente acima da inflação.  

Sr. Presidente, nenhum de nós ignora que os reajustes praticados pelo setor de medicamentos eram muitos elevados, antes mesmo da grave crise financeira que atingiu o nosso País em janeiro deste ano. Se os preços dos remédios já subiram muito mais do que a inflação no período da estabilização cambial, era de se esperar que, após a desvalorização do real, a situação ficasse muito pior.  

Em 1999, a mudança cambial acertou em cheio a indústria farmacêutica e vem servindo de pretexto para os aumentos exorbitantes. As indústria do setor apresentam como justificativa para os ajustes que vêm sendo praticados entre os meses de fevereiro, março e abril, o encarecimento dos insumos importados, argumentando que cerca de 65% dos custos dos medicamentos estão atrelados ao dólar.  

Esses dados, porém, são bastante questionáveis. Muitos chegam a defender que o peso dos insumos corresponde a cerca de 20% do preço final dos medicamentos e o restante dos custos deve-se principalmente a gastos com embalagens e divulgação dos produtos.  

V. Exª, Sr. Presidente, e eu, como médicos que somos, sabemos das filas de propagandistas de multinacionais que terminam por praticar uma verdadeira lavagem cerebral na consciência dos profissionais de saúde deste País, que esquecem a farmacologia clássica, a farmacologia moderna aprendida nos bancos das escolas, dentro dos congressos nacionais e passam a ser vítimas de orientações e receitas fabricadas por representantes de multinacionais, o que basicamente inviabiliza o acesso a um consumo a um bem básico fundamental que a família brasileira, na hora de uma doença, precisa alcançar.  

Um fato, porém, é inquestionável: no Brasil, o setor farmacêutico é um dos mais rendosos e lucrativos de toda área econômica. Pesquisa desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública, a ENSP, mostrou que, do início do Plano Real até agosto de 1998, os preços dos remédios aumentaram até 300%.  

Em 1998, a indústria farmacêutica vendeu aos consumidores brasileiros cerca de US$ 7,5 bilhões, sem contar as vendas feitas à rede hospitalar e ao Governo, que são vendas marcadamente violentas, exorbitantes e desnecessárias. Em pronunciamento recente, informei que, só no uso de antibicrobianos, na área de clínica cirúrgica do País, foi feita uma pesquisa mostrando que 46,1% dos medicamentos utilizados em clínicas de cirurgias não têm indicação científica, são apenas fruto da intuição e da pressão psicológica que alguns profissionais sofrem para prescrever o que é desnecessário e que inviabiliza os custos do setor de saúde.  

Para o ano de 1999, as previsões são um pouco menos otimistas: estima-se que esse valor sofrerá uma queda e ficará em torno de US$ 5 bilhões. Motivos não faltam: além de o dólar estar mais caro, as pessoas estão comprando menos medicamentos devido ao desemprego e às sérias dificuldades econômicas que vêm enfrentando.  

Testemunhei como médico, muitas vezes, a prescrição de medicamento a um doente com uma simples arritmia cardíaca: "A senhora vai comprar o medicamento, que é necessário e não pode ser suspenso?"  

E ela respondia: "Não vou, doutor."  

Eu perguntava: "A senhora sabe quanto custa? Apenas R$3 ".  

E ela: "Não posso, não tenho dinheiro para comprar o medicamento."  

O empobrecimento e a não-presença do direito assegurado pelos órgãos públicos do acesso ao medicamento para a população de baixa renda gera uma situação de abreviação de sobrevida e agravo muito violento à saúde das pessoas.  

A queda de vendas é muito preocupante, Sr. Presidente. Infelizmente, ela se deve à perda do poder aquisitivo e não à melhora das condições de saúde da nossa população.  

A gravidade da questão está no fato de que a compra de medicamentos, na maior parte das vezes, não pode ser considerada como a compra de um bem supérfluo qualquer, cujo consumo pode ser adiado para quando a situação financeira melhorar. Trata-se de um produto de natureza específica e que, por combater a dor, o sofrimento e as disfunções do organismo, é fundamental e indispensável para o bem-estar e para a manutenção da saúde e, muitas vezes, até mesmo para a preservação da vida das pessoas.  

Em 11 de fevereiro deste ano, o jornal Correio Braziliense publicou a matéria intitulada Medicamentos mais caros , citando dados de um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Farmácia do Distrito Federal, com base na publicação da Associação Brasileira de Comércio Farmacêutico - ABC Farma, usada pelas farmácias de todo o País para atualizar os preços de venda ao consumidor.  

Esse levantamento mostra que vários laboratórios corrigiram o preço de seus produtos no mês de fevereiro passado, desrespeitando o "acordo de cavalheiros" fechado na última semana de janeiro entre a indústria farmacêutica e o Governo Federal, que previa a manutenção das tabelas praticadas no início do presente ano até o início do mês de março.  

Da lista de medicamentos estabelecida pelo Conselho Regional de Farmácia constam 206 medicamentos. Entre janeiro e fevereiro, foram constatados aumentos que variaram entre 1,07% a 25%. Se considerados os meses de fevereiro de1998 a fevereiro de 1999, esses reajustes variaram de 3,09% a 42,86%.  

Srªs e Srs. Senadores, as dificuldades que a indústria farmacêutica vem expondo ao Governo para justificar o aumento dos seus preços vêm sendo questionadas pelo Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal, Dr. Antônio Barbosa. Segundo ele, entre os anos de 1994 e 1998, houve um aumento de 75% do faturamento real dos laboratórios, e o faturamento do setor, em dólar, aumentou 92%.  

Nesse mesmo período, a venda medida por unidade de medicamento cresceu apenas 12%. Fica, então, evidenciado que o aumento do faturamento, nos últimos anos, não foi conseqüência de vendas maiores e sim de preços mais altos.  

Todos sabemos que, em janeiro deste ano, foi assinado um acordo entre o Governo Federal e os grandes laboratórios. Na proposta feita pela indústria farmacêutica ao Ministério da Fazenda haveria o repassse da mudança cambial ocorrida no primeiro mês do ano, mas esse repasse seria diluído em até três aumentos, previstos para os meses de março, abril e maio, e incidiriam somente sobre os custos em dólar, decorrentes da majoração dos preços das matérias-primas, não sendo tolerado qualquer realinhamento das margens de lucro.

 

Desde o mês de fevereiro, porém, os medicamentos entraram numa espiral de aumentos que está aterrorizando os consumidores e tornando proibitiva a compra desses produtos. Os aumentos são facilmente detectados, pois constam do caderno de preços da ABC Farma.  

Segundo os dados do acompanhamento mensal feito pelo Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal, na lista dos 116 maiores reajustes detectados em abril deste ano, não há preço que tenha subido menos de 10% e a média de aumento da maior parte dos produtos listados é superior a 18%. Alguns aumentos incidiram sobre medicamentos de preços já bastante elevados, como são os hormônios, os antidepressivos, os antidiabéticos e outros prescritos para doenças crônicas, com percentuais que podem alcançar patamares absurdos, superiores a 42%.  

Sr. Presidente, se imaginarmos que essas doenças de uso comum de medicamentos são as que mais têm prevalência em nosso País, vamos observar que há uma injustiça violenta praticada pelo interesse econômico, que não há um mecanismo fiscalizador, que não há um mecanismo de proteção ao cidadão na hora de uma aflição com a sua doença, que o Ministério da Saúde se mostra distante desse confronto, porque parece não ter forças para enfrentar as multinacionais e que os órgãos responsáveis, dentro do Ministério da Fazenda, pela condução, pela fiscalização e pelo controle de preços também não fazem a sua parte. Então, há uma violência praticada aos direitos elementares das pessoas humildes deste País.  

Abreviando o meu discurso, em consideração ao tempo que os colegas presentes precisam para suas mensagens e suas colocações ao Brasil, peço que seja publicado na íntegra o meu discurso. E faço um apelo para que o Ministério da Saúde crie forças e enfrente o problema, olhe para o cidadão pobre deste País e leve o assunto ao Ministério da Fazenda, para que uma pessoa pobre, que não pode comprar um medicamento para doença cardíaca que custa R$3,00, possa ser tratada com dignidade, e que a saúde seja de fato um preceito constitucional e não apenas uma discussão que, muitas vezes, elege um político aqui, outro acolá, fugindo à responsabilidade dos órgãos responsáveis.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Antes de concluir, concedo um aparte ao admirável Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Nobre Senador Tião Viana, quero cumprimentá-lo pela extraordinária contribuição e pelo alerta que, aliás, V. Exª vem dando, aqui, no que diz respeito ao setor de saúde, sempre com proposições extremamente relevantes. É de se estranhar, de fato, o aumento abusivo que tem ocorrido com os preços de remédios. V. Exª, com a sua experiência como médico, mostra alguns fatores muito significativos, como as visitas que os propagandistas - que são os vendedores e estão exercendo a sua profissão - fazem, tentando convencer os médicos a adotarem este ou aquele medicamento ou uma novidade que saiu. V. Exª mostra como é importante os médicos se resguardarem de eventuais abusos, pois constantemente estão saindo novidades que os laboratórios apresentam aos médicos. Portanto, se não houver um cuidado, do ponto de vista ético, no que diz respeito ao que os médicos irão recomendar aos seus pacientes, pode-se, de repente, receitar remédios caros demais, que nem sempre são os encaminhamentos mais adequados. Esse é um ponto importante que V. Exª salienta. Uma outra questão importante para nós, para o Ministério da Saúde e para as autoridades econômicas é examinar qual o grau de competição que efetivamente existe no setor de medicamentos, porque o que se nota é que, embora haja um grande número de laboratórios, esse setor é tipicamente um setor caracterizado pelo oligopólio; e quando há, sobretudo por causa das especialidades de medicamentos, um poder oligopolista se aproximando do poder monopolista, há possibilidade de abuso por parte daqueles que vendem os produtos daquele segmento, ou da empresa que vende esses produtos de uma maneira protegida da competição. É preciso que haja um exame muito claro do quanto o setor farmacêutico é ou não competitivo e qual o grau de competição. Em não o sendo, é importante que a autoridade governamental, sobretudo o próprio Ministério da Saúde, examine os abusos de preços. V. Exª também salienta o desespero e a angústia de pessoas que, de repente, com familiares acometidos de doenças graves, vêem-se com a necessidade de comprar um medicamento completamente fora de seu orçamento. Ainda esta semana, uma senhora veio conversar comigo. Ela, recebendo uma remuneração equivalente a dois salários mínimos, tem uma irmã que está com câncer, e a irmã, também sem remuneração adequada, precisando comprar uma ampola, que custa R$340,00, só para evitar a hemorragia. Não temos hoje um sistema de saúde pública que garanta a uma pessoa, nessas circunstâncias, com escassez de recursos, a possibilidade de ter o medicamento que é essencial à vida. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento e por alertar o Ministro da Saúde sobre as circunstâncias, em defesa da saúde da população brasileira.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy o aparte.  

Concluo, Sr. Presidente, lembrando que as causas e as razões do pouco acesso e da diminuição do consumo de medicamentos pelo povo brasileiro são estas: uma indústria que gasta 80% dos seus investimentos na elaboração de um produto, em propaganda, em embalagem, está olhando mais para o comércio e menos para a necessidade fundamental, que seria o princípio fundamental de uma indústria farmacêutica.  

O outro ponto é que, hoje, há uma descrença muito grande da população, inclusive em relação aos profissionais médicos; pesquisas apontam que 90% dos medicamentos prescritos pelos profissionais de saúde, em unidades de saúde pública, onde o medicamento não é entregue pelo Governo, não são utilizados, pois o cidadão não tem como comprá-los. Também há uma crescente desconfiança no profissional médico, tendo em vista que o médico tem sido vítima de ações comerciais, deixando de lado a profissão, que tem como raiz o humanismo e o sacerdócio.  

As escolas formadoras do profissional médico, que seria um parceiro, um aliado do doente que não pode comprar o remédio, o denunciante e o construtor de uma nova sociedade, não abordam esse assunto em profundidade. E o médico é acusado de ser um agente de mercado, enquanto deveria ser considerado como um salvador de vidas, como alguém integrado a uma referência ética de cidadania em nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

%


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1999 - Página 12344