Discurso no Senado Federal

ACOLHIMENTO DE REPRESENTAÇÃO CONTRA O PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • ACOLHIMENTO DE REPRESENTAÇÃO CONTRA O PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1999 - Página 12558
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • APOIO, PROCURADOR, ACOLHIMENTO, REPRESENTAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, AERONAVE PUBLICA, FORÇA AEREA BRASILEIRA (FAB), VIAGEM, FERIAS.
  • CRITICA, JUSTIFICAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, UTILIZAÇÃO, AERONAVE PUBLICA, VIAGEM, FERIAS, REGISTRO, RESSARCIMENTO, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, EXONERAÇÃO, AUTORIDADE.
  • DEBATE, CULTURA, PODER, BRASIL, FALTA, ETICA, UTILIZAÇÃO, BENS PUBLICOS, INTERESSE PARTICULAR.
  • COMENTARIO, DENUNCIA, SECRETARIO, RECEITA FEDERAL, AUSENCIA, PAGAMENTO, IMPOSTOS, BANCOS, EMPRESA, MERCADO FINANCEIRO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em boa hora o Colégio de Procuradores da República acolheu representação dos Procuradores do Distrito Federal para analisar a possibilidade de mover ações contra o próprio Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, pelo uso indevido de aviões da Força Aérea Brasileira em viagens de lazer a Fernando de Noronha.  

Como todos sabem, esse episódio, que para mim é emblemático, mereceu um bom espaço na mídia brasileira nas últimas semanas. Descobriu-se que membros do primeiro escalão do Governo, Ministros, tinham ido à Ilha de Fernando de Noronha em viagens de férias.  

O primeiro Ministro denunciado apressou-se em devolver ao Erário parte dos custos da viagem, recolhendo aos cofres públicos importância equivalente a R$25 mil. Pouco depois, descobriu-se que não era aquela a única viagem, Sr. Presidente: o Ministro fizera outras duas, ou seja, ele pagou a viagem denunciada, no pressuposto de que as outras não seriam descobertas.  

Logo depois, vieram à tona notícias de que muitos outros Ministros haviam feito o mesmo percurso em aviões da FAB, igualmente em viagens de lazer. Logo, apareceram as "justificativas": uma alta autoridade da República disse que os Ministros ganham pouco e por isso utilizam aviões oficiais para essas viagens. Trata-se de um argumento que, a ser aceito, deveria ser estendido a todos os funcionários públicos deste País, que ganham incomparavelmente menos do que os ministros e, portanto, deveriam ter suas viagens de lazer também custeadas pelos cofres públicos. Por isso, esse argumento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, absolutamente não pode ser aceito.  

A outra justificativa é a de que viagens desse tipo não são expressamente proibidas. Desconhecem os que fazem essa alegação: primeiro, é curial que, em Direito Administrativo, prevalece uma regra que é o inverso da regra existente em outros ramos do Direito. Ou seja: de modo geral, o que não é proibido é permitido; o cidadão pode fazer tudo o que não é expressamente proibido por lei. É assim no Direito Penal, é assim no Direito Civil e em quase todos os ramos, mas não é assim no Direito Administrativo, no qual a regra prevalecente é a de que só não é proibido aquilo que é expressamente permitido. E, como não existe dispositivo de lei permitindo expressamente - ou não havia antes - que ministros viajassem em aviões oficiais para passeio, para lazer com seus familiares, é claro que isso estava, ou está, implicitamente proibido.  

Por outro lado, independentemente de dispositivos legais, existe uma questão de ordem ética: detentores de cargos públicos devem saber que eles não podem fazer muitas coisas apesar de a lei não proibir, independentemente de regra jurídica. O Senador deve saber que ele não pode usar o seu carro oficial em fins de semana nem feriados. Não há dispositivo nenhum de Senado que me proíba isso e, no entanto, eu me sentiria muito constrangido se tivesse de fazê-lo, simplesmente porque se trata de um bem público que só é posto à minha disposição em horário de expediente de trabalho. É inconcebível que um homem público, que ocupa um posto da mais alta responsabilidade, não tenha esse princípio ético na cabeça. Infelizmente, no Brasil, temos multissecularmente arraigada na sociedade a cultura do privilégio. Os detentores de cargos públicos pensam que a coisa pública é res nullius , coisa de ninguém, da qual eles podem lançar mão quando detêm o múnus público, quando, na verdade, Sr. Presidente, a coisa pública é um res alienus , é coisa alheia, pertence à coletividade. Se estou investido de um cargo público, devo cuidar daquilo mais do que cuido do meu próprio patrimônio, porque estou lidando com patrimônio alheio, patrimônio coletivo, patrimônio de todo o povo brasileiro.  

Esse episódio dos aviões, portanto, é apenas uma amostra do que está subjacente na mentalidade de tantas pessoas neste País. Pode-se considerar um episódio menor, mas não penso assim. Acho que isso é emblemático, é o reflexo de uma cultura, repito, de privilégio. Pensa-se que a quem detém o poder tudo é permitido. Mas o pior de tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi a descoberta, a revelação de que tinha feito a mesma coisa nada mais nada menos do que o Procurador-Geral da República, o Chefe do Ministério Público, o chefe do órgão encarregado de fiscalizar o cumprimento da lei. Foi ele quem descumpriu a lei. Ele pagou uma viagem, mas descobriu-se que ele havia feito outras. Ele pagou a primeira na suposição de que não seriam descobertas as demais, num deslize ético também inconcebível para quem ocupa um cargo como esse.  

Felizmente, numa demonstração de que o País está mudando, os Procuradores do Distrito Federal, subordinados ao Procurador-Geral da República, representaram o Colégio de Procuradores, pedindo que fossem intentadas ações contra o Chefe da Instituição. O Colégio de Procuradores acolheu a representação e vai analisar o mérito. Se concluir que o Procurador-Geral incorreu em deslizes legais ou éticos, vai iniciar ações contra o Procurador-Geral por improbidade administrativa. É um sinal alentador, Sr. Presidente.  

E digo isso sem ter nada pessoal contra o atual Procurador-Geral da República, com quem tenho relações, não de amizade, mas relações normais. Conheço-o há pouco tempo, as minhas colocações são absolutamente impessoais. Mas, ainda que fosse meu amigo, ele incorreu num deslize imperdoável, considerando-se a natureza do cargo que ocupa, e tem que responder por isso. Os Ministros de Estado que também viajaram estão apenas ressarcindo os cofres públicos pela viagem indevida, mas não pedem exoneração do cargo. Ora, o recolhimento do ressarcimento é um reconhecimento expresso, não implícito, de que a viagem foi indevida, ilegal, antiética. Ora, isso deveria vir acompanhado automaticamente de um pedido de exoneração em caráter irrevogável. Mas isso não foi feito.  

O contrário acontece em outros países. Quando John Sunnunu, Secretário do Presidente, creio, Gerald Ford, foi pilhado num erro igual - ele tinha feito uma viagem em avião da Força Aérea Americana -, a imprensa denunciou, e ele imediatamente pediu demissão.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me concede um aparte, Senador Jefferson Péres?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço o seu aparte, Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senador Jefferson Péres, gostaria de associar-me a V. Exª, porque tenho acompanhado essa discussão na imprensa e tenho assistido também às análises e às críticas de muitos Parlamentares. E o que fica é um sentimento de decepção, como cidadão, porque se há, por um lado, muitas pessoas preocupadas com a construção e edificação de um sentimento de que o serviço público deve ser um exemplo de responsabilidade, de cumprimento da cidadania, de respeito às instituições, por outro lado, alguns episódios desabonam de forma grave a imagem que se tem do serviço público. Fico pensando no sacrifício que inúmeros Senadores, inúmeras pessoas, neste País, estão fazendo todos os dias, assumindo com responsabilidade a função pública, para, de repente, acontecer uma situação como essa, que atinge a todos nós e que deve ser denunciada. Está havendo, portanto, preocupação com a imagem do homem público nesse momento em que as instituições estão lutando pelo fortalecimento da imagem pública, da construção de uma nova apresentação para a sociedade, vem essas ondas enlameando a todos. Isso é impressionante! Acredito que a seriedade, a responsabilidade, o sentimento de construção que V. Exª coloca, inclusive em uma análise sobre o Direito Administrativo, enriquece muito essa discussão. Espero que a sociedade brasileira, mais uma vez, não generalize as falhas de alguns - e acredito que esses assim procedem até pelo vício adquirido nos momentos sombrios da vida pública deste País. Estive recentemente conversando com um motorista, que me levava para pegar um avião, correndo para não chegar atrasado, e ele me colocava que, há alguns anos, em época de ditadura, um senador pegava o telefone e ligava para a companhia aérea avisando que o avião teria que esperá-lo, pois ele se atrasaria por uma ou duas horas. E assim acontecia, o avião ficava esperando no pátio do aeroporto. Felizmente, essas coisas mudaram, são uma parte do passado; mas, enquanto alguns incidem nesses deslizes, gostaria de relembrar que isso não atinge apenas meia dúzia de Ministros, mas a todos nós que estamos tentando construir e fortalecer o processo democrático deste País. Muito obrigado.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - V. Exª tocou em um ponto importante, Senador Tião Viana, que é a necessidade de se dar exemplo. O homem público tem que respeitar a lei e a ética, não apenas porque isso é inerente ao cargo que ocupa, mas também porque ele tem que servir de paradigma. Ele está exposto em uma vitrine e os olhos da sociedade estão voltados para ele. Quando ele dá mal exemplo, em primeiro lugar, como V. Exª mesmo disse, a tendência da população é generalizar: se três Ministros fazem isso, é porque todos fazem; e, se um Senador faz, é porque os outros 80 também fazem.  

Isso desmoraliza as instituições e passa uma mensagem horrível para a sociedade: a de que, se eles que estão lá em cima, que são tão poderosos, que foram postos lá por nós, como os mandatários, fazem isso e se locupletam com a coisa pública, então também podemos fazer. Isso é terrível, pois pode criar na sociedade, nas camadas inferiores da sociedade, essa idéia equivocada de que eles também podem infringir a lei e a ética.  

Mudando um pouco de assunto, mas relacionado também com isso, Sr. Presidente, em um País tão desigual como este, como a sociedade reage ao ver Ministros fazendo isso e ao ver relatos como o feito, ontem, pelo Secretário Everardo Maciel, revelando que 42% das instituições financeiras, dos bancos, não pagam Imposto de Renda e que cerca de 50% das grandes empresas do País também não pagam Imposto de Renda, não por sonegação, mas por elisão fiscal, ou seja, beneficiando-se das brechas legais? Ele revelou realmente fatos escandalosos e quase inacreditáveis.

 

O Secretário afirmou que empresas estrangeiras que compraram estatais estão se valendo de brechas na legislação para deduzir dos impostos a pagar os custos financeiros de empréstimos no exterior. Veja bem, Senador Tião Viana! Empresas estrangeiras contraíram empréstimos em bancos no exterior - em parte, às vezes, no BNDES -, com esses recursos compraram estatais brasileiras, essas empresas foram desnacionalizadas e agora eles abatem no Imposto de Renda os juros pagos por esses empréstimos. Ou seja, empresas estrangeiras compraram empresas estatais e, ainda às custas do povo - porque Imposto de Renda é receita pública e é de todos nós -, se beneficiam para não pagar o imposto devido. É realmente de estarrecer, não é?  

Para o Secretário, uma estimativa muito conservadora indica que US$17 bilhões dos US$40 bilhões aplicados em fundos de capital estrangeiro no País são de brasileiros que não pagam impostos. E ele reafirma o que já havia revelado há algum tempo, que cerca de mais de R$800 bilhões - a Receita estima - é a massa de recursos circulantes na economia do País que não pagam impostos. É realmente um País difícil este! É um País difícil!  

Como é que se pode esperar compreensão da sociedade? Porque, Senador Geraldo Melo, o Secretário está dizendo, não se trata só de sonegação, mas de elisão fiscal. Essas grandes empresas, financeiras ou não, se beneficiam de brechas na lei para não pagar imposto. E ele aponta várias brechas que devem ser fechadas. Então, pergunto: por que o Executivo e o Legislativo nunca cuidaram disso? Se o Secretário estiver errado - muito bem! - que seja contestado, mas não o foi até agora. Por que não fechamos essas brechas? Diz o Secretário – palavras textuais – que os lobbies são extremamente poderosos. Não sei se a visão dele é equivocada; se é por força dos lobbies ou simplesmente por negligência do Congresso e do Poder Executivo.  

Isso não foi dito por um parlamentar de Oposição, mas pelo Secretário da Receita Federal, um homem do Governo. Como é que se pode esperar a compreensão da sociedade brasileira? Como dizia, ontem, um comentarista da televisão, chega-se a pensar, às vezes, que o aumento da criminalidade, em parte, decorra da mentalidade de que isso não é algo muito errado; é uma espécie de confisco para a redistribuição de renda. Não sei em que medida essa injustiça prevalecente na sociedade brasileira, essa cultura do privilégio, seja um dos fatores que estimulam a criminalidade e a violência naqueles cidadãos situados na base da sociedade.  

Sr. Presidente, ocupo esta tribuna hoje apenas para deixar aqui consignada a minha inconformação com isso e, ao mesmo tempo, manifestar, diante da reação dos Procuradores de Justiça, a esperança e a certeza de que a sociedade brasileira já avançou, está reagindo e, certamente, haverá de ser muito melhor no futuro, seguramente com o esforço e a contribuição também do Congresso Nacional.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1999 - Página 12558