Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O RISCO DE URBANIZAÇÃO DA FEBRE AMARELA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O RISCO DE URBANIZAÇÃO DA FEBRE AMARELA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1999 - Página 12803
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APREENSÃO, EXPANSÃO, FEBRE AMARELA, RISCOS, CONTAMINAÇÃO, ZONA URBANA, AUMENTO, AGENTE TRANSMISSOR, AEDES AEGYPTI.
  • CRITICA, GOVERNO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, FALTA, POLITICA, SAUDE PUBLICA, IMUNIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, FEBRE AMARELA, INFERIORIDADE, VACINAÇÃO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC).
  • NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CONTENÇÃO, FEBRE AMARELA, DEFESA, REGIONALIZAÇÃO, ATUAÇÃO.
  • ELOGIO, FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), FUNDAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, DESENVOLVIMENTO, VACINA, FEBRE AMARELA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou perplexo ainda com a declaração do Dr. Everardo Maciel, que oficializa uma suspeita e uma indignação nacional de que o Brasil é o país dos privilégios, que os grandes fazem tão poucos sacrifícios e os pequenos são sempre vítimas do grande arrocho social e das medidas do Governo, quando afirmou claramente que metade das grandes empresas e dos banqueiros não pagam Imposto de Renda. Assim, gostaria de tratar de um assunto que diz respeito ao risco de vida na região Amazônica, em alguns Estados do Brasil.  

É uma situação de risco permanente e iminente a febre amarela atingir áreas urbanas. É uma doença que, de 1980 a1998, vitimou 376 pessoas, causando 216 óbitos, com uma taxa de letalidade superior a 54% em outros momentos de surtos epidêmicos. A XV Conferência Sanitária Pan-americana, em 1950, considerou-a erradicada do território nacional em sua forma urbana. Classicamente conhecida, a febre amarela tem como agente causal um mosquito, um vetor alado, chamado Aedes Haemagogos , quando transmitida na forma rural, e Aedes Aegypti , transmissor da doença na sua forma urbana, e com uma importância muito especial atualmente no Brasil. Há uma propagação descontrolada do mosquito Aedes Aepypti , transmissor da dengue e da febre amarela, quando em contato com o vírus, o que poderia causar uma situação muito delicada de surtos urbanos de febre amarela, com inúmeras mortes, o que feriria um princípio estabelecido, em 1950, pela XV Conferência Sanitária Pan-americana, que declarou erradicada a febre amarela urbana do Brasil.  

A memória dos grandes homens da saúde pública no País é um compromisso direto com o humanismo. Por isso, gostaria de citar um trabalho memorável de Osvaldo Cruz, que iniciou a luta contra o mosquito transmissor da febre amarela, no início do século, juntamente com Emílio Ribas. Esses dois grandes cientistas trataram com o mais elevado respeito a forma urbana de uma doença cuja transmissão pode ter conseqüências desastrosas, profundamente graves para a população.  

Lamentavelmente, o nosso País, em quase um século de combate à febre amarela, encontra-se diante da iminente possibilidade de manifestação de surtos e epidemias urbanas em função da presença do aedes aegypti , porque não efetuou uma ação de saúde pública efetiva e que garantisse a proteção da população amazônica. O exemplo maior disso é que o Governo brasileiro estabeleceu como meta de 1998 uma cobertura vacinal de 39 milhões de pessoas contra a febre amarela. Diga-se de passagem que a vacina contra a febre amarela está disponível, é produzida no Brasil pela Fundação Bio-Manguinhos, da Fundação Osvaldo Cruz, cuja capacidade de produção gira em torno de 30 milhões de doses ao ano. Trata-se de um instituto científico fantástico com uma capacidade de produção a custo baixo fantástica, o que demonstra o valor do desenvolvimento científico nacional. Ainda assim, o Brasil conseguiu vacinar apenas 12 milhões de cidadãos, numa cobertura de apenas 29% da população alvo de proteção.  

O mais delicado, Sr. Presidente, é que para as populações amazônicas, grandes vítimas das áreas enzoóticas - áreas em que se encontra o nicho ecológico definitivamente propício para a propagação da doença - a proteção atingiu um número muito precário. IIustra muito bem o fato o exemplo do Estado do Acre, onde deveria haver uma cobertura vacinal de 515 mil pessoas, mas a cobertura foi de apenas 92 mil pessoas. No Acre, estamos cercados pela doença. Na Bolívia, houve surtos definitivos em fevereiro deste ano e do ano passado. No Peru, área fronteira nossa, ocorreram surtos em fevereiro deste ano. No Estado do Pará e no Estado de Roraima, a doença também se manifestou.  

Diante disso e do fato que, do ponto de vista científico, o vírus da febre amarela se propaga em linha reta 500 quilômetros por ano, conclui-se que o Estado do Acre está vulnerável, pois a cobertura vacinal foi de apenas 92 mil pessoas, quando deveria ter sido de pelo menos 515 mil. O mais grave é que a população alcançada foi prioritariamente a de menos de 15 anos de idade, quando a população com risco de contrair a febre amarela por envolvimento com seu ecossistema são os trabalhadores rurais, pescadores, caçadores, pessoas que vão para as florestas.  

Então, há um erro grave de estratégia do Ministério da Saúde. A Fundação Nacional de Saúde historicamente não enfrenta as barreiras de avanço de proteção à população amazônica, porque não estabelece como princípio fundamental a organização, a discussão da barreira logística, uma vez que a Amazônia tem suas peculiaridades.  

O Senador Gilberto Mestrinho sabe o que é viajar 18 dias de barco para alcançar uma pequena população. Mas a Fundação Nacional de Saúde vinha tratando as grandes endemias do Brasil dentro dos gabinetes de Brasília, no ar condicionado. Não toma uma atitude de articulação regional e de proteção para nossa população. O resultado é a propagação do mosquito aedes aegypti para todos os Estados Amazônicos, o que cria o risco iminente de explosão de surtos ou de epidemia grave de febre amarela urbana. E nós testemunhamos o descontrole e a insensibilidade dos órgãos de saúde deste País.  

O Ministério da Saúde, felizmente, adotou uma medida de substituição da Fundação Nacional de Saúde. E lá está a figura do Dr. Mauro Ricardo, conhecedor da realidade amazônica, que morou na Amazônia por muitos anos e tem capacidade de tomar decisões à altura dos interesses de saúde pública para a Região. Não se pode permitir o que está acontecendo hoje. Anunciam-se seis casos de morte, em Santos e no Rio Grande do Norte, por uma doença hemorrágica aguda, que pode ser Dengue Hemorrágica, Rotavirus, Richetsiose ou qualquer "doença emergente" - como define a Organização Mundial de Saúde. Sabemos, como profissionais da saúde, do risco da armadilha epidemiológica de febre amarela urbana. E a resposta do Ministério da Saúde é uma cobertura vacinal contra a febre amarela de 29% da população. E trata-se de uma vacina em dose única que dá cobertura de no mínimo cinco anos - alcançando até vinte e cinco anos de imunoproteção. Mas não há uma alternativa de controle efetivo. Pergunto, Sr. Presidente, se não conseguimos o controle da febre amarela, cuja vacina é de fácil ação, imagine como será no caso de doenças cuja vacina necessitam de três, quatro doses anuais ou um calendário efetivo e progressivo. A situação é delicada.  

O Ministério da Saúde deverá dar o tratamento que o assunto febre amarela ou a reurbanização da febre amarela exige. Trata-se de uma doença que tem seu curso de manifestação epidêmica neste País. Todos da área da saúde sabem que a cada cinco ou sete anos há surtos de pequenas explosões epidêmicas da transmissão da febre amarela. É uma doença cuja taxa de letalidade é de mais de 54%. Pode atingir qualquer pessoa nas suas áreas de exposição: pessoas que vão de São Paulo para áreas de pesca; a população de Minas Gerais, que tem sido historicamente vulnerável por ser considerada uma área epizoótica de transmissão da febre amarela; o Distrito Federal, que já acusou vítimas de febre amarela em sua manifestação rural; em Anápolis, Goiás. Entretanto, o Governo não consegue atingir metade de suas próprias metas no que diz respeito a uma vacina de dose única.  

Deixo registrada a minha preocupação e a esperança de uma ação que envolva o Ministério da Saúde, o Centro Nacional de Epidemiologia e a Fundação Nacional de Saúde. Isso será possível na hora em que o Governo Federal, via Ministério da Saúde, estabelecer que deve haver um articulador regional para as ações de saúde. A Região Amazônica precisa de alguém que conheça a realidade amazônica atuando lá e articulando com seus Municípios e seus prefeitos para mudar a realidade da saúde daquela Região.  

Imaginem que no Estado do Acre há 120 estudantes e uma cobertura vacinal para febre amarela que alcança apenas 92 mil habitantes dos seus 515 mil habitantes. Isso demonstra que nem mesmo nas escolas, onde não haveria dificuldade logística para vacinar a população, não houve uma ação de cobertura vacinal e de proteção.  

O Brasil deve fazer pelo menos uma homenagem à altura da dimensão humana e da dimensão científica que tiveram Osvaldo Cruz e Emílio Ribas na ação de controle da doença - um grande exemplo de força, de conhecimento científico e de responsabilidade social na luta contra a febre amarela no início deste século. Que o Brasil tenha hoje a responsabilidade e a sensibilidade de dizer que pode cumprir o que foi decidido em 1950: riscar do mapa brasileiro a presença da febre amarela! E isso não é difícil. Basta fazer a cobertura vacinal, basta garantir a proteção da população com apenas uma dose.  

Finalizo louvando o alcance fantástico da Fundação Bio-Manguinhos, da Fundação Osvaldo Cruz, onde os cientistas trabalham numa cultura de células para uma vacina nova que produz menos reações alérgicas ou reações insatisfatórias do que a vacina atualmente utilizada, que, às vezes, no sétimo dia provoca um quadro febril, de cefaléia e mau estar geral. Trata-se de uma vacina moderna, patenteada na Europa, nos Estados Unidos e em vários países, estabelecendo a capacidade científica do Brasil de desenvolver o curso de proteção da sua população.  

Se hoje a Fundação Bio-Manguinhos produz 30 milhões de doses por ano da vacina antiamarílica , não há razão alguma para que nossa população não esteja protegida. É preciso estar consciente de que a febre amarela pode ser sinônimo de fragilidade nacional quando há descontrole e propagação incontrolável de dengue que se manifesta, inclusive, na forma de dengue hemorrágica.  

Apelo para que haja discussão permanente sobre uma doença que ainda mata quando deveria estar riscada do nosso mapa.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

. Uª


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1999 - Página 12803