Pronunciamento de Moreira Mendes em 24/05/1999
Discurso no Senado Federal
ARQUIVAMENTO, PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RONDONIA, DE PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA PROCESSAR CRIMINALMENTE MEMBROS DAQUELA CASA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR.
- Autor
- Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
- Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLATIVO.:
- ARQUIVAMENTO, PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RONDONIA, DE PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA PROCESSAR CRIMINALMENTE MEMBROS DAQUELA CASA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/05/1999 - Página 12811
- Assunto
- Outros > LEGISLATIVO.
- Indexação
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- COMENTARIO, ARQUIVAMENTO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR.
- COMENTARIO, PREJUIZO, ARQUIVAMENTO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DE RONDONIA (RO), PEDIDO, AUTORIZAÇÃO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PROCESSO PENAL, MARCOS ANTONIO DONADON, DEPUTADO ESTADUAL, ACUSADO, CRIME, FORMAÇÃO, QUADRILHA, PECULATO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DENUNCIA.
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, OBJETIVO, COMBATE, IMPUNIDADE.
O SR. MOREIRA MENDES
(PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o arquivamento, pela Câmara dos Deputados, da proposta de emenda constitucional reformando o instituto da imunidade parlamentar, o Congresso deixa de passar a limpo o dever de casa. De acabar com a impunidade que afasta do abrigo da lei cidadãos que praticaram crimes comuns.
Para um País que está tentando arrumar a casa, essa excrescência imposta a um dispositivo nascido para salvaguardar o exercício parlamentar de contestar os poderosos de plantão não tem razão de continuar existindo. Se volto a lembrar o assunto é porque entendo que a opinião pública, igualmente indignada, não quer vê-lo esquecido. Ainda mais agora quando o Parlamento nacional está liberando-se das amarras que o vinham atrelando aos desmandos de que tanto a Nação se ressente.
De que adianta arrotarmos moralismo contra terceiros quando nos falta pejo para olharmo-nos no espelho, sem medo de ver refletido exatamente o que estamos descobrindo e denunciando em outros Poderes da República?
Se estamos nos libertando das amarras que nos prendiam ao que a opinião pública vem reclamando como contrária aos interesses do País, parece que continuaremos com a pecha de que o Parlamento Nacional abriga, antes de mais nada, um clube corporativista, do "dando é que se recebe" - desde que os lucros sejam divididos entre si. Intocáveis e absolutos como convém ao lema dos mosqueteiros: "um por todos e todos por um!"
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando, mais uma vez, é enterrada a proposta de dar um basta à impunidade que o Parlamento parece preservar como conquista da democracia, só me resta lamentar. Como lamenta hoje Rondônia o arquivamento, pela Assembléia Legislativa, do pedido de autorização do egrégio Tribunal de Justiça do Estado para processar, criminalmente, o Deputado Estadual e ex-Presidente daquela Assembléia, Marcos Antônio Donadon, eis que o mesmo foi denunciado pelo Ministério Púbico Estadual por crime de formação de quadrilha e peculato, cuja peça de notável repercussão, peço a transcrição nos Anais desta Casa.
Por certo que pessoas da estirpe de Donadon, Sr. Presidente, não são desconhecidas nas Assembléias Legislativas ou Câmaras de Vereadores do País. Ou mesmo aqui no Congresso Nacional. Que o digam as comunidades que, por infelicidade, conhecem a passagem desses elementos por suas localidades. Tivesse a Justiça o anteparo legal para exorcizar o espírito de corpo que protege esses criminosos e os Donadon que infestam os cofres públicos estariam hoje sem o mandato que acoberta suas estrepolias. No caso do Donadon de Rondônia, segundo denúncia do Ministério Público local, por crime de formação de quadrilha e peculato.
Até agora, o MP apurou que, de janeiro de 98 a janeiro de 99, o bando capitaneado por esse deputado levou para casa três milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, trezentos e setenta e sete reais e noventa e um centavos (R$3.496.377,91) . Em qualquer lugar do mundo, o surrupio desse dinheiro derrubaria até Presidente da República. Mas, em Rondônia, nada acontece. Ainda mais quando o Estado era governado por Waldir Raupp, outro campeão de malversação do dinheiro público. Muito menos incomodaria o deputado que amealhou essa quantia de uma região carente como a nossa para bancar a própria reeleição e, de posse do novo mandato, fugir do processo que corre na Justiça.
Essa importância tende a ser bem maior com o prosseguimento das investigações. Incursos nas penas dos artigos 288 e 312, com o artigo 69 do Código Penal, estão, além do deputado Donadon, mais dez integrantes do bando por ele chefiado. Entre os quais o irmão Natan Donadon, ex-candidato a Deputado Federal, e o cunhado Antônio César Segantini.
Quando a opinião pública nacional, diante dos escândalos do sistema financeiro, sente-se como o primo pobre diante do primo rico, os bancos, na hora de dividir o espólio do real, assistirmos de braços cruzados à impunidade de parlamentares que se valem do mandato a eles confiado, locupletando-se com o dinheiro público, é uma ofensa.
Uma ofensa à nossa capacidade de reagir diante do assalto de que somos vítimas impotentes até mesmo para chamar a polícia, porque o ladrão, acobertado pela lei, além da garantia de poder levar tudo o que consegue arrastar sem ser importunado, ainda tripudia da nossa miséria.
Ao impedir que o Congresso pudesse mudar o art. 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar nos casos de crimes comuns, os seus defensores asseguraram, para uma Nação cada vez mais estarrecida com tantos desmandos, que roubar, formar quadrilhas, traficar drogas e matar, entre outros delitos comuns, desde que praticados por parlamentares, não é crime. Ou melhor, não é nada, pois, para ter essa configuração jurídica, os atos praticados teriam quer ser apreciados e qualificados pela Justiça. Como tudo continua igual no quartel de Abrantes, a impunidade saiu mais uma vez vencedora. Deputados, Senadores e até mesmo alguns Vereadores podem continuar exercendo seus mandatos, mesmo trazendo nas costas contas a pagar com a sociedade, praticadas antes ou depois de eleitos. Investidos do poder legislativo, ganham a imunidade e, em conseqüência, a impunidade a que têm direito e que seus colegas asseguram.
Que se dane a Justiça, que, em nome da sociedade em que está estribada, salvo as honrosas exceções de praxe, nunca terá o seu pedido de licença aceito para processar os criminosos, que se escondem neste ou em qualquer outro Parlamento Nacional. Ao negar pedido de licença para que Marcos Antônio Donadon fosse processado, os áulicos da impunidade da Assembléia Legislativa de Rondônia agastaram os nomes que, corajosamente, lutaram para extirpar esse elemento indesejável do seu meio. A esses Parlamentares, só resta o incômodo de ter que conviver com Donadon; e à Justiça, sobrestar o processo que não saiu do papel. Que dizer então do mal-estar da sociedade rondoniense, obrigada a sustentar o seu espoliador? Não na cadeia, como seria o seu destino mais certo, mas exatamente na boca do cofre, do qual se valeu, quando, na legislação passada, ocupou a Presidência da Assembléia Legislativa. E, como dizem que quem faz um cesto faz um cento, quem pode afirmar, conhecendo a fama de Donadon, que o Deputado não voltará a repetir a performance?
Como desculpa - e os defensores da impunidade parlamentar são experts nesse assunto -, os nove Deputados Estaduais que votaram contra a licença para processar Donadon dizem que o amigo não chegou às barras da Justiça, porque houve desempate da dúvida. Nove Deputados votaram a favor, três votaram em branco; como parte envolvida, por força regimental, Donadon absteve-se de votar.
Como vêem, Srªs e Srs. Senadores, a Assembléia Legislativa de Rondônia cumpriu à risca o que determina o figurino parlamentar. Ocorre que é este o figurino que o País quer rasgar. Enquanto vigorar o art. 53 da Constituição Federal, da forma como está instruído, excrescências como essas continuarão a existir. Por permitir que Parlamentares envolvidos nos mais variados crimes continuem a escapar da Justiça graças à cumplicidade desse figurino, que não distingue quem se abriga sob seu manto protetor, seja o Parlamentar que necessita de garantias constitucionais para exercer o seu direito de defender a sua opinião, mesmo quando contrária a seus adversários e credos políticos, de votar e falar de acordo com sua consciência; ou o criminoso que se vale do mandato para fugir da Justiça.
Não vejo outra hipótese que não esta na intempestiva volta de Marcos Antônio Donadon à Assembléia Legislativa. Para quem, segundo denúncia assinada pelo Procurador-Geral de Justiça, José Carlos Vitachi, do Ministério Público de Rondônia, Marcos Antônio Donadon "capitaneou" a quadrilha que se apossou da Assembléia Legislativa de Rondônia, após a sua eleição à Presidência daquela Casa, em janeiro de 1995.
"Esses denunciados", prossegue o documento, "aproveitando-se das facilidades proporcionadas pelos respectivos cargos públicos, praticaram, em proveito próprio, reiterados desvios criminosos de dinheiro do Poder Legislativo Estadual de que tinham a posse em razão do cargo que exerciam."
De posse, portanto, da Presidência da Assembléia Legislativa do Estado, Donadon passou a nomear, "abusivamente e em afronta a mandamento constitucional elevando número de pessoas para cargos em comissão daquela Casa, em flagrante incompatibilidade com suas reais necessidades".
Conforme demonstra a folha de pagamento de dezembro de 1998, a Assembléia, sob a Presidência de Marcos Antônio Donadon, contava com 1.026 servidores comissionados - veja bem, Sr. Presidente, 1.026 servidores comissionados em um Estado pequeno e pobre como Rondônia - contra 637 estatutários. Olhem a disparidade. "Essas pessoas", afirma o documento, em sua grande maioria, "eram cadastradas apenas pro forma como servidores, não dando qualquer contraprestação à Assembléia, cuidando dos chamados funcionários-fantasmas, cujas atividades nada tinham a ver com o serviço público". Somente à disposição da Presidência - afora 42 servidores efetivos - havia 78 pessoas nomeadas para cargos em comissão. Todos esses servidores-fantasmas eram ligados diretamente ao Deputado Marcos Antônio Donadon, seja como cabos eleitorais, seja como empregados em sua propriedade agrícola, ou ainda como empregados domésticos no que chamam Fundação Donadon, sediada em Colorado do Oeste.
Explica a denúncia do Procurador-Geral José Carlos Vitachi que essa fundação, com status jurídico de associação e que se pretende beneficente, é, reconhecidamente, "uma entre tantas outras do gênero que proliferam em Rondônia, voltadas ao assistencialismo social somente no período eleitoral".
Vários desses servidores fantasmas sequer sabiam que estavam cadastrados na Assembléia, acreditando que eram empregados de Marcos Antônio Donadon, pois seus salários eram pagos por intermédio do cunhado, Antônio César Segantini.
Abro, nesse ponto, um parêntese para a análise do documento do Ministério Público a fim de argüir contra o argumento que Donadon e seus asseclas expõem em favor da "lisura" administrativa do seu mentor. Dizem que, se houvesse o eleitorado concordado com as acusações que pesam contra Donadon, ele não teria sido reeleito, ainda mais com significativa margem de votos, como ocorreu. Não estariam nessas benesses, bancadas com o dinheiro público, o principal argumento da vitoriosa plataforma eleitoral? – pergunto.
Voltemos ao assunto então, Sr. Presidente. Em conluio com diretores do Departamento de Recursos Humanos e Financeiro, cooptados com o bando, a remuneração de vários desses comissionados era desviada da Assembléia para uma conta bancária particular. Esses recursos eram pagos a servidores-fantasmas em valor muito inferior aos seus vencimentos indicados na folha de pagamento, encaminhada ao banco por esses dois departamentos. "A diferença era embolsada por Marco Antônio Donadon, o irmão Natan e o cunhado Segantini para custear a última campanha eleitoral." Esclareço que, filiados ao PSC (Partido Social Cristão), três irmãos Donadon disputaram cargos – Natan, a vaga na Câmara Federal; Melki, o cargo de Governador. Apenas Marco Antônio ganhou, sendo reeleito para a Assembléia Legislativa. Imaginem, se os três tivessem sido eleitos, o que seria do Estado hoje.
Consta ainda que o bando forjava folha de pagamento suplementar com nomes de pessoas que nem sequer estavam cadastradas como servidores da Assembléia, cujo valor era desviado para conta bancária particular dos seus integrantes, mas em proveito final de Marcos Antônio e Natan Donadon.
Os Donadon são acusados ainda de nepotismo, com a nomeação de vários parentes e apaniguados. Investido pelo irmão presidente como diretor financeiro, Natan empregou a mulher e a sogra. Os demais integrantes do bando repetiram a dose e empregaram, como funcionários fantasmas, lotados no gabinete da presidência, irmãos e outros parentes, além de empregados.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, por certo que o caso Donadon se estiola diante da magnitude dos casos que são denunciados nesta Casa. Mas não pode nem deve ficar restrito à inquietação da população do meu longínquo Estado. O caso Donadon deve ser visto como mais uma pedra que se soma às que estão sendo atiradas na cara de toda a sociedade nacional. A ele se alinham escândalos do Judiciário, dos bancos, dos grampos telefônicos, de passeios ministeriais por Fernando de Noronha, de dossiês das Ilhas Cayman... Todas essas peças juntas fazem o muro que cresce com a dúvida que parece bater em todas as consciências. Que tudo pode não dar em nada. Como aconteceu com a pedra que foi colocada no escândalo Donadon. Enquanto continuarmos a abafar a impunidade em nome da defesa de interesses escusos, como a Assembléia Legislativa de Rondônia tristemente acaba de fazer, seguramente não teremos credibilidade para investir nem contra moinhos de vento. Quem se arrisca a atirar a primeira pedra?
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
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