Discurso no Senado Federal

ANALISE DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PRIVATIZAÇÃO.:
  • ANALISE DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL. (COMO LIDER)
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Cândido, Heloísa Helena, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/1999 - Página 13114
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, ESCUTA TELEFONICA, LIGAÇÃO, SAIDA, LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), GOVERNO.
  • ANALISE, PRIVATIZAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INTERESSE, AMPLIAÇÃO, CONCORRENCIA, LEILÃO, OBJETIVO, FAVORECIMENTO, CONSORCIO, POSSUIDOR, CAPACIDADE, ADMINISTRAÇÃO.
  • COMENTARIO, DISCUSSÃO, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO, PAIS, POSSIBILIDADE, REALIZAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem o País acompanhou pelos meios de comunicação toda a repercussão da matéria que saiu no jornal Folha de S.Paulo , sobre as gravações realizadas no episódio que levou à saída do Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.  

Desde ontem, aqueles que se colocaram na defesa do Governo - sua Bancada de sustentação, os Partidos que o apóiam e o próprio Presidente da República - atribuíram à imprensa e aos Partidos de Oposição uma condição que na verdade eu considero injusta, porque os problemas apontados não são fruto da inventividade ou criatividade da Oposição com vistas a criar um dolo que difame a figura do Governo, mas, pelo contrário, o que está sendo feito pela Oposição e o que está sendo divulgado pelos meios de comunicação são fatos contidos numa fita, gravada por meios escusos, de uma forma ilegal, mas cuja ilegalidade em nada anula seu conteúdo.  

Além disso, aqueles que defendem o Governo e as privatizações até aqui realizadas, principalmente no que se refere ao episódio em questão, que é o caso das Teles, argumentam que toda ação e interferência do Governo foram para garantir ao Poder público um melhor resultado. No entanto, os fatos que vêm sendo apresentados e o acompanhamento cuidadoso desse episódio mostram-nos exatamente o contrário.  

O Governo alega que agiu em prol do interesse público, pois tentava viabilizar a formação de um novo consórcio para aumentar a concorrência no leilão de privatização. Vejamos, então, como se processou essa ação do Governo, do ponto de vista prático, e tiremos nossas próprias conclusões. O objetivo do Governo não era, no meu entendimento, aumentar a concorrência para elevar o valor obtido no leilão. Tanto que o então Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, em conversa com o Presidente da República, fez a seguinte afirmação - este é o conteúdo da fita: "Então, é capaz de as fixas saírem em torno do preço mínimo, tá? ...Vai dar uns 16 bi, acho".  

Essa conversa deu-se às vésperas do leilão, quando, aparentemente, o Consórcio Opportunity já havia sido viabilizado. O leilão só atingiu a cifra de R$22 bilhões porque a Telefónica de España agiu em desacordo com o que havia sido construído com o BNDES, entrando no leilão da Telesp e provocando um ágio de 64% naquela empresa. Isso prova que as negociações que estavam em curso, reproduzidas nas conversas, não produziriam o melhor preço.  

A real intenção demonstrada pelas gravações não era aumentar a concorrência, mas impedir que o consórcio Telemar ganhasse o leilão da Tele Norte Leste. Buscavam, portanto, afastar um dos concorrentes que julgavam despreparados, apesar de ter sido habilitado ao leilão por preencher todas as exigências estabelecidas no edital. Depois, deram a desculpa de que o consórcio não tinha preparo.  

Em vários momentos, os gestores da privatização revelam a intenção de destruir um concorrente, e não de aumentar a competição. Além disso, é estranho, no conteúdo das gravações, ouvirmos de agentes públicos palavras como destruir, detonar, soltar bombas, não muito usuais num processo cuja lisura e cujas leis que o asseguram deveriam garantir, no mínimo, uma linguagem institucional.  

O ex-Ministro, quando veio ao Senado para tentar explicar a situação, reconheceu que tinha preferência pessoal pelo consórcio Telecom/Itália/Opportunity. Considerava o consórcio Telemar como inimigo e disse ao seu irmão, José Roberto Mendonça de Barros, que o BNDES inflava artificialmente alguns consórcios e depois os derrubava de acordo com suas preferências.  

Esses exemplos não referendam, de forma alguma, a postura de alguém que queria aumentar a concorrência, mas de quem agiu para privilegiar um dos concorrentes.  

O Governo alega que o consórcio que possivelmente teria sido prejudicado ganhou o leilão, e aquele auxiliado perdeu.  

O Opportunity não perdeu o leilão para a Tele Norte Leste; mas simplesmente não concorreu por ter comprado a Tele Centro Sul, mais atrativa para os interesses do Consórcio. A Telemar só ganhou o leilão porque o acordo que o BNDES construiu foi desfeito pela ação da Telefonica da Espanha, que entrou no leilão da Telesp.  

Todos lembramo-nos de que, quando esteve no Senado, Mendonça de Barros referiu-se a muitas traições havidas no leilão. Vários Srs. Senadores interrogaram-no acerca do tipo de traição a que ele se referia. Uma delas talvez seja a atitude da Telefonica da Espanha, que acabou dando chance de a Telemar adquirir a Tele Norte Leste contra a vontade do BNDES.  

O Presidente Fernando Henrique teria apenas ouvido os relatos de seus subordinados, sem interferir na questão. A conversa entre André Lara Resende e o Presidente Fernando Henrique Cardoso não indica essas informações assim tão ausentes de qualquer tipo de direcionamento ou de uma relação tendenciosa. Nesse caso, não se trata de uma inventividade da Oposição, mas do que consta das fitas. Diz André: "Então, nós vamos ter uma reunião aqui. Estive falando com o Luiz Carlos. Ele tem uma reunião hoje aqui, às 6h30. Vem aqui aquele pessoal do Banco do Brasil, o Luiz Carlos, etc. Agora, se precisarmos de uma certa pressão...",e o Presidente diz: "Não tenha dúvida". André ainda fala o seguinte: "A idéia é que possamos usá-los aí para isso". Ou seja, usar o Presidente para fazer a tal pressão. O Presidente responde: "Não tenha dúvida". Essa expressão não está referindo-se a um fato qualquer. Com certeza, refere-se a: Não tenha dúvida, use a figura do Presidente para criar a pressão, a fim de que o processo se dê segundo as articulações que vêm sendo feitas e não conforme o processo institucional, sem nenhum tipo de direcionamento ou tendência quanto às regras do jogo institucionalmente estabelecidas.  

É esse episódio que está sendo investigado pela Oposição, num instrumento legítimo do Congresso Nacional, conquistado na Constituição de 1988, a CPI, que pode ser mista, para que sejam inocentados os que assim forem considerados. Mas, se houver culpados, que sejam punidos.  

O conteúdo das conversas demonstra-nos que essa não é a linguagem adequada para um processo que ocorre com toda a lisura – como deveria ser numa privatização desse porte.  

Sr. Presidente, a nota da Executiva do PFL foi altamente injusta com a Oposição e com o Partido dos Trabalhadores, ao dizer que a nossa tentativa de investigar os fatos denunciados vem daqueles que estão insatisfeitos por terem sido derrotados, e que não perdem a oportunidade de criar determinadas circunstâncias para levar o Governo ao desgaste. Uma série de acusações estão sendo feitas à Oposição.  

O Presidente da República, em entrevista, reclama que "o Brasil, a todo momento" – Sua Excelência usou uma linguagem bem popular para que aqueles que o acompanhavam e as pessoas mais simples o compreendessem –, "está tendo as suas tripas expostas". Não haveria nenhum mal se as vísceras do Brasil ficassem expostas à sociedade brasileira, se elas não tivessem nenhum problema maior que nos levasse a encontrar algo no mínimo de cheiro desagradável.  

O Senador e médico Tião Viana lembrou o nome de uma moléstia que nos poderia causar receio de expor as nossas vísceras, o volvo, que, na linguagem popular do Norte e do Nordeste, seria o "nó nas tripas", que realmente causa um desconforto muito grande ao se desatar o nó, exalando um odor bastante fétido. Ora, talvez não se queira expor isso ao povo brasileiro por meio da CPI Mista, dizendo que não há fatos e que alguns não querem ver as reformas nem ver o País crescer, desenvolver-se.  

Sr. Presidente, a Oposição está-se reunindo para tomar as medidas mais adequadas em face dessa conjuntura. O Partido dos Trabalhadores, juntamente com os demais Partidos e suas principais Lideranças, está hoje discutindo os encaminhamentos da possibilidade de uma CPI Mista, por ser o melhor instrumento para se passar o nosso País a limpo. Não há nenhum problema se há uma CPI do Sistema Financeiro, tampouco do Judiciário. Se tivermos de investigar o processo de privatização das Teles, não haverá problema. Problema haverá, sim, se preferirmos colocar o lixo debaixo do tapete, se preferirmos continuar ainda com uma outra doença que acontece nas vísceras no povo brasileiro – lembrada também pelo Senador e médico Tião Viana –, a estringiloidíase, ou seja, a perfuração do intestino, mal que causa uma terrível dor.  

Com certeza, o intestino brasileiro está sendo perfurado pelos recursos que estão saindo para socorrer bancos falidos e aqueles que, em um piscar de olhos, entram no Banco Central e conseguem R$1,6 bilhão, quando, muitas vezes, ficamos vários dias e até anos lutando para conseguir R$2 milhões, R$3 milhões ou R$4 milhões para projetos com um alcance social bem maior que o socorro a bancos vorazes por lucro e por nenhum compromisso com o povo brasileiro.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senadora Marina Silva, nossa querida companheira e Líder do Bloco de Oposição, saúdo V. Exª pelo seu pronunciamento e repudio a nota que leu, uma resolução do Partido da Frente Liberal, especialmente com relação a uma palavra que não foi lida por V. Exª, mas que consta do texto. Além de nos chamar de revanchistas e inconformados com a derrota eleitoral – é normal que qualquer pessoa tenha problemas psicológicos e tristeza por não ter ganho a eleição, principalmente porque vemos os saqueadores dos cofres públicos tomando conta da Nação. Mas repudio especialmente uma palavra que eles usaram referindo-se ao PT, chamando-nos de aproveitadores. É evidente que podemos ter muitos defeitos. Podemos ser classificados, de uma forma pejorativa, como sectários. Temos muitos defeitos, como todos os seres humanos os têm. Mas aproveitadores, alto lá! Não admitimos que Partido nenhum nos classifique como aproveitadores, até porque ninguém do próprio Governo poderia nos chamar de aproveitadores. Ora, se as personalidades do Partido do Presidente da República dizem que existem "ratões" entrando no processo, eles são irresponsáveis e aproveitadores, porque entregaram aos "ratões" o comando dos serviços públicos essenciais para a sociedade. Eles são irresponsáveis e aproveitadores porque usaram informações e posições privilegiadas para saquear os cofres públicos, como o caso dos bancos a que V. Exª se referiu, como aqueles que arrancaram dos cofres públicos mais de R$7 bilhões e, com juros, mais de R$10 bilhões. Esses são os aproveitadores. Aproveitadores e irresponsáveis são aqueles que, em um telefonema, classificam o Ministro da equipe econômica como "babaca mutreteiro" – essas são suas palavras – e deixam que essas pessoas "babacas e mutreteiras" comandem a política econômica do nosso País. Portanto, merecem nosso repúdio e repulsa, por não terem autoridade para dizer que o Partido dos Trabalhadores é aproveitador, determinadas autoridades que dão sustentação a esse tipo de posição política do Governo Federal. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª. As gravações dos vários episódios, obtidas por meio dos grampos de que o Governo vem sendo vítima, são um instrumento ilegal, mas dão oportunidade ao povo brasileiro de observar quem são, realmente, na intimidade do poder, aqueles que se constituem aproveitadores, inclusive, pelo trato, digamos assim, dos próprios elementos que ocupam cargos muito importantes em ministérios ou em instituições financeiras.  

V. Exª foi feliz ao dar o exemplo da forma como eles se qualificam; de certa forma, como dizia a minha avó, "o costume de casa vai à praça". Talvez, por isso, queiram estender a outros a prática de portarem-se dessa maneira, à frente de determinadas circunstâncias.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Ou, conforme o velho ditado: "Dize-me com quem andas que te direi quem és", que aprendi também em minha casa.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senadora Marina Silva, gostaria de registrar a minha surpresa com a nota assinada pelo Presidente do PFL, Jorge Bornhausen, porque é agressiva ao Partido dos Trabalhadores e demonstra a perda da tranqüilidade que tem caracterizado o PFL nesse debate político, nesse embate com as forças democráticas, como, no caso, o Partido dos Trabalhadores. O PFL sempre soube que somos minoria e nos trata de uma maneira clara nesse sentido. Fiquei profundamente surpreso com o tom agressivo da nota, quando manifestávamos apenas, como Partido, interesse em obter esclarecimento sobre um escândalo nacional que tomou conta — talvez pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro — do maior jornal de circulação do País, a Folha de S.Paulo . Ontem, havia uma operação "camisa-de-força" para "sufocar" o fato dentro do Senado Federal, onde se avaliava como impossível ou algo escandaloso trazer a autoridade do Presidente da República para explicar um assunto que não dizia respeito a sua integridade ou a seu escudo ético. Embora eu discorde da forma e do conteúdo — conforme V. Exª mencionou muito bem —, fiquei feliz de ver o próprio Presidente da República emitir uma nota oficial e declarações a respeito do assunto, ao considerar a importância de se manifestar perante a opinião pública. A minha surpresa é a de que o PFL pratica uma injustiça enorme contra o Partido dos Trabalhadores. Primeiramente, éramos acusados de "fracassomaníacos", quando dizíamos que o Plano Real estava impondo um sacrifício violentíssimo ao povo brasileiro, no que diz respeito à política cambial. E, tendo sido comprovada a realidade, aquilo já não é mais motivo de acusação ao Partido dos Trabalhadores, à Oposição. Agora, trata-se de uma acusação com base em uma situação que não foi levada a público pelo Partido dos Trabalhadores, mas pelo jornalismo investigativo. Por isso registro minha indignação. Gostaria, sinceramente, que o PFL viesse para um debate, a fim de justificar essa agressão ao Partido dos Trabalhadores, que defendeu a integridade pública e a lisura. Eu não conseguiria ver um Brasil onde cada governante dirigisse as suas licitações de acordo com o interesse da sua consciência.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço, Senador Tião Viana, o aparte de V. Exª, que contribui com o debate que estamos fazendo, nesta tarde, sobre as explicações que devem ser dadas pelo Governo e as investigações que devem ser realizadas. Estamos cumprindo a nossa obrigação.  

Em nenhum momento, isso pode significar qualquer tipo de abuso ou de oportunismo. Duas CPIs propostas pela própria Bancada de sustentação do Governo estão sendo realizadas. Não entendo por que essa agressividade toda, quando o Partido dos Trabalhadores, juntamente com os demais Partidos da Oposição, que têm a tradição de buscar o esclarecimento dos fatos — até considerei muito prudente a posição do companheiro Lula em relação ao fato —, propõe que se investigue, com toda clareza, o episódio que vem sendo divulgado pela Folha de S.Paulo , que dá conta de que há falas do Presidente naquelas fitas.  

No momento em que foram divulgadas pela primeira vez, não tínhamos acesso às falas do Presidente; agora temos.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - E há o voto — permita-me, Senadora —, dos Senadores Maguito Vilela, Roberto Requião, Pedro Simon e de diversos outros políticos do PMDB, a favor de um esclarecimento público do fato.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Com certeza. "Passar o Brasil a limpo" não deveria ser um crédito dado apenas à Oposição; gostaria que fosse dado ao Congresso Nacional. Talvez, por isso, alguns Senadores da base de sustentação do Governo lhe estejam prestando esse favor, que é dar a oportunidade de provar sua inocência no processo de investigação de uma CPI.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Marina Silva?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Marina Silva, V. Exª fala, com muita clareza, da forma como o Presidente da República nitidamente orientou, diante da solicitação do Sr. André Lara Resende, então Presidente do BNDES, para que usasse sua autoridade a fim de tentar convencer a Previ a participar de um dos consórcios que tomaria parte do leilão das empresas da Telebrás. Não há dúvida de que isso aconteceu. E observamos quase uma irritação dos Parlamentares da base governamental diante da atitude do Bloco de Oposição de propor a constituição de uma CPI. Hoje, a nota do PFL procura até tratar, em termos que não considero os mais adequados, a atitude do Partido dos Trabalhadores e dos demais Partidos da Oposição de insistir na realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. E, entre os argumentos do PFL, do PSDB e de outros Partidos da base governamental, está o de que a Lei de Licitações não se refere aos leilões. Estranho que os Líderes de tais Partidos expressem isso, porque parecem não ter lido a Lei de Licitações ou mesmo o Decreto nº 2.546, de 14 de abril de 1998, que, assinado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, regulamenta o leilão. E o que diz — é preciso aqui recordar — a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, sobre as licitações? O parágrafo único do art. 1º estabelece: "Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios". Portanto, o BNDES estava incluído. O art. 3º determina, com muita clareza: "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos". Diz o art. 22: "São modalidades de licitação: I - concorrência; II - tomada de preços: III - convite; IV - concurso; V - leilão". Portanto, Senadora Marina, é preciso que os Líderes do PFL, do PSDB, do PMDB e dos demais Partidos da base de sustentação do Governo leiam a lei. Será que o procedimento do Presidente da República, ao autorizar André Lara Resende, então Presidente do BNDES, a solicitar que a Previ participasse do consórcio, coordenando as ações junto aos demais participantes do consórcio. Será que essa instrução estaria de acordo com os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade e da probidade administrativa? É essa a questão que precisa ser esclarecida. Quando nós da Oposição solicitamos a abertura de uma CPI, estamos cumprindo o nosso dever de fiscalizar os atos do Executivo, estamos prestando um serviço à Nação, estamos cumprindo nosso dever de fiscalizar os atos do Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Senadora Marina Silva, a Mesa gostaria de lembrar que o tempo de V. Exª está esgotado. Apelo para que V. Exª seja breve.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a V. Exª o aviso, mas peço que me permita ouvir o último aparteante, o Senador Geraldo Cândido.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT-RJ) - Agradeço a compreensão da Mesa. Quero parabenizá-la, Senadora Marina Silva, por trazer de volta o debate que tomou conta do Congresso no dia de ontem. Trata-se de assunto da maior importância, que a base de apoio ao Governo tentou minimizar dizendo que a Oposição, como sempre, fez um cavalo de batalha, fez tempestade em copo d’água. Acusaram-nos de revanchistas, oportunistas e outros "istas". Já conhecemos esses chavões utilizados contra a Oposição. A verdade é que temos de fazer nosso papel. A Folha de S.Paulo não pertence ao PT, está a serviço da sociedade e teve coragem, de forma muito oportuna, para publicar essa matéria e merece ser elogiada por isso. Não podemos ficar quietos diante disso, principalmente depois da acusação do PFL contra nosso Partido. Temos de repudiar essa nota do PFL e exigir que o assunto venha para o debate ou que o Partido faça uma reparação do que disse. Na verdade, Senadora e companheiros da Oposição, temos de insistir nessa tese. O Governo Fernando Henrique Cardoso merece ser processado por crime de responsabilidade pública. O Presidente Collor foi cassado pelo Congresso por muito menos. O que tem ocorrido nas privatizações? Negociatas, falcatruas, maracutaias deste Governo piores do que as do Governo Collor. Comparando o Governo Collor com o que vem acontecendo no Brasil, podemos considerar o pessoal daquele governo apenas como trombadinhas. Temos de insistir na tese da instalação da CPI e responsabilizar o Governo por crime de responsabilidade. Este Governo não merece mais dirigir o País, falta-lhe credibilidade. Vejam a situação do País: nosso patrimônio público acabou, o salário é de miséria, o povo está passando fome. Tudo isso é crime de responsabilidade. E o papel da Oposição é continuar insistindo, porque não podemos aceitar o que está acontecendo neste País.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª.  

Concluindo, Sr. Presidente, devo dizer que se as leis existem e não são tratadas com o devido respeito, principalmente num processo complexo e de alta responsabilidade como esse, é salutar e oportuno que a Oposição fique atenta, faça denúncias e realize as investigações necessárias. Mesmo havendo uma Oposição vigilante, havendo até pessoas da base do Governo que se colocam numa posição de vigilância – como é o caso dos Senadores Simon e Roberto Requião e Maguito Vilela –, mesmo assim o Governo se sente tão à vontade a ponto de tratar o interesse público como se fosse privado.  

Com certeza, a Nação agradece a atitude da Oposição e não tem a visão de que está sendo oportunista, mas vigilante e consciente da sua responsabilidade e que deve satisfação ao País. Se o Congresso Nacional fechar os olhos para esse tipo de procedimento, aí realmente, a sociedade ficará à deriva, nas mãos daqueles que se instalam dentro das instituições para praticar interesses avessos ao que poderia beneficiar o povo brasileiro em uma privatização como essa.  

Sr. Presidente, parecia que, se fossem privatizadas algumas empresas públicas, o Brasil no outro dia estaria vivendo uma nova realidade econômico-social; mas não é o que se tem observado. O Governo, que insiste tanto em privatizar empresas públicas, o faz com o capital público, porque em muitos casos – como muito bem nos lembra hoje a jornalista Miriam Leitão do jornal O Globo – utiliza recursos diretos do BNDES ou os seus tentáculos, como é o caso da Previ, para ajudar no processo de privatização. Portanto, trata-se de uma privatização estatizada, em que o Governo atua e opera, sendo que muitas privatizações ocorrem às expensas dos recursos públicos.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/1999 - Página 13114