Discurso no Senado Federal

ANALISE HISTORICA DA CORRUPÇÃO E DA IMPUNIDADE NO BRASIL.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • ANALISE HISTORICA DA CORRUPÇÃO E DA IMPUNIDADE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1999 - Página 13454
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, AUMENTO, CORRUPÇÃO, IMPUNIDADE, BRASIL, REGISTRO, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, ORIGEM, FALTA, ETICA, DIRIGENTE, PAIS, UTILIZAÇÃO, BENS PUBLICOS, INTERESSE PARTICULAR.
  • REGISTRO, FRUSTRAÇÃO, POVO, BRASIL, CONTINUAÇÃO, CORRUPÇÃO, IMPUNIDADE.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, ESPECIFICAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CUMPRIMENTO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, REFORMULAÇÃO, ESTADO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os constantes escândalos financeiros, a corrupção generalizada e a impunidade dos poderosos estão afetando gravemente as estruturas morais, econômicas e sociais do País, e abalando perigosamente o que ainda resta de confiança social no projeto de democracia que queremos construir.  

Há alguns dias, no jornal Folha de S.Paulo , tive a oportunidade de ler um artigo interessante do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, editor de domingo, justamente sobre a questão da corrupção em nosso País. Na opinião do jornalista, as raízes desse mal em nossa terra não estão nas características naturais do nosso povo, e sim em nossa formação histórica e nos desvios de caráter de grande parte dos membros da nossa elite. Portanto, o nascimento desse problema coincide com a chegada dos colonizadores portugueses e com a instalação da primeira forma de poder colonial no Brasil.  

A título de exemplo ele cita o caso do Ouvidor-Geral Pero Borges, primeiro Ministro da Justiça do Brasil, que ficou famoso em Portugal após ter sido indicado como responsável pela construção de um aqueduto naquele país e ter embolsado todo o dinheiro sem sequer ter iniciado a construção do mesmo. Apesar de ter sido, em um primeiro momento, indiciado e preso por corrupção, conseguiu contornar a situação e livrar-se da condenação, simplesmente porque devolveu metade do que roubou.  

Além do mais, logo após esse episódio, o mesmo Pero Borges, triunfante e usufruindo da vergonhosa impunidade, seguia para o Brasil como membro notável na comitiva do nosso primeiro Governador-Geral, Tomé de Souza. Aliás, no mesmo navio, como seu companheiro de viagem, vinha também o não menos corrupto Antônio Cardoso de Barros, Provedor-Geral da Fazenda, que usou dinheiro da Corte para aumentar o seu patrimônio pessoal, construindo três engenhos na Bahia. Pero Borges, aqui chegando, sob a proteção da Coroa e do Governador-Geral, tornou-se o nosso primeiro Ministro da Justiça.  

Como se pode constatar, o poder português já se instalava em nossa terra, trazendo com ele o vício da improbidade e a proteção total da impunidade para os detentores do poder e para os seus protegidos, diga-se de passagem, mal acostumados em tratar com a coisa pública.  

Lamentavelmente, quase 500 anos depois, mais viva do que nunca, a corrupção das elites tornou-se tão grave que não existe mais nenhum limite entre o território público e o privado, e nenhum respeito às instituições por parte dos corruptos. Assim, na "dura batalha" pelo sucesso e pelo enriquecimento ilícito, para os "caçadores de fortuna", tanto faz lidar com a propina, com a sonegação, com a intimidação, com a mentira, com o desvio do dinheiro público, com o tráfico de influência e de informações privilegiadas, com ajuda a um amigo banqueiro em dificuldade, quanto transacionar com o crime organizado ou embarcar, em plena luz do dia, em qualquer aeroporto deste País, uma carga de cocaína.  

Para o Filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, a improbidade brasileira encontra respaldo em duas situações: a institucional e a comportamental. Segundo ele, no primeiro caso, o próprio Estado favorece a corrupção, porque, na verdade, ele continua sendo uma entidade paternalista e cartorial, portanto incapaz de impor regras rígidas e punição exemplar para os que são reconhecidamente corruptos.  

No segundo caso, o espírito de corpo une os corruptos, a crença no "jeitinho brasileiro" e a segurança de que a cadeia, no Brasil, é lugar para "preto e pobre", favorecem os desvios de comportamento, acentuam a perversão dos valores e incentivam em muitos a vocação irresistível para a corrupção. Para esses, qualquer delito pode e deve ser cometido e o dinheiro público, num piscar de olhos, sem muito esforço e apenas com um pouco de imaginação, pode migrar, como num passe de mágica, da conta do Estado para as suas contas privadas, aqui mesmo no Brasil, na Suíça ou em algum paraíso fiscal perdido no Atlântico ou no Pacífico.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as pesquisas de opinião mostram que a maioria dos brasileiros está indignada com o Estado, com o Governo e com os políticos que ignoram completamente a decepção que toma conta de quase toda a sociedade em relação às instituições.  

Para os jovens, para os cidadãos honestos que acordam às cinco horas da manhã para trabalhar; para os que ficam nas plataformas esperando trens que nunca chegam; para os que tomam ônibus apinhados de gente; para os que recebem salários irrisórios e mesmo assim vivem honestamente; para os que lutam e sofrem no cotidiano para educar e alimentar os seus filhos; para os milhões de nordestinos jogados nas frentes de trabalho, nas regiões castigadas pela seca, recebendo míseros dois reais por dia; para os desempregados vítimas do atual modelo econômico; para os aposentados que morrem nas filas da previdência e dos hospitais; para as donas de casa; enfim, para cerca de 150 milhões de brasileiros que pagam religiosamente seus impostos, as taxas de luz, água, telefone e os carnês de prestações, estão lhes roubando a auto-estima, porque o Brasil dos privilegiados virou um país degenerado, onde a impunidade e a falta endêmica de caráter são os valores mais cultuados pelos poderosos do colarinho branco.  

A auto-estima dos brasileiros honestos e trabalhadores está sendo roubada pelo Estado e pela justiça, que não têm coragem ou não podem colocar os corruptos de colarinho branco na cadeia. Quando fazem muito, pegam aqui ou ali, apenas para dissimular, um bode expiatório para assumir a culpa dos outros que continuam roubando, pintando e bordando, gozando da cara do povo.  

É preciso dizer que o Brasil não é um País maldito. Maldito é o país dos corruptos e malditos são os que procuram transferir para o conjunto da sociedade as culpas do Estado.  

É preciso que a reforma do Estado, de que tanto se fala, comece exatamente pela instituição da vergonha. Assim, a vergonha é o primeiro passo para conquistar a confiança da sociedade, para garantir a durabilidade da democracia, para permitir as ações eficazes de governo e para exigir que a lei seja cumprida e a justiça seja feita, doa a quem doer.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de dizer que o Congresso Nacional é peça fundamental para que o Estado estabeleça e acione, quando se fizer necessário, de maneira enérgica, os seus mecanismos de defesa da moralidade.  

Nesse sentido, temos, espasmodicamente, cumprido nosso papel, realizando grande parte das reformas que se faziam necessárias, fazendo a CPI do PC Farias, que resultou no impeachment de um Presidente, a dos Precatórios, que ao menos ensejou uma regulamentação mais rígida sobre o assunto, e, agora, as CPIs do Sistema Financeiro e do Judiciário, que embora ainda não tenham concluído os seus trabalhos, já estão produzindo resultados moralizadores e, com certeza, ao final, terão provocado profundas modificações e aperfeiçoamento nas legislações e nas estruturas de ambos os setores investigados.  

Finalmente, o que mais incomoda e revolta o povo brasileiro não é a quantidade do dinheiro roubado, mas, sim, a impunidade do ladrão. Por isso, um Estado moralizador não pode, de maneira alguma, continuar permitindo que meliantes continuem em liberdade, praticando os mesmos crimes como se nada de anormal estivesse acontecendo.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1999 - Página 13454