Discurso no Senado Federal

REUNIÃO, ONTEM, DE AUTORIDADES DO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL COM AGRICULTORES E PECUARISTAS DA REGIÃO PARA A DISCUSSÃO DAS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS SETORES. PERSPECTIVAS DA AGRICULTURA BRASILEIRA. CONTRIBUIÇÃO DA EMBRAPA NA TRANSFORMAÇÃO DO CERRADO.

Autor
Luiz Estevão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Luiz Estevão de Oliveira Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • REUNIÃO, ONTEM, DE AUTORIDADES DO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL COM AGRICULTORES E PECUARISTAS DA REGIÃO PARA A DISCUSSÃO DAS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS SETORES. PERSPECTIVAS DA AGRICULTURA BRASILEIRA. CONTRIBUIÇÃO DA EMBRAPA NA TRANSFORMAÇÃO DO CERRADO.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/1999 - Página 13493
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, ORADOR, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), PRODUTOR RURAL, DISTRITO FEDERAL (DF), ENTORNO, COMENTARIO, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, CERRADO.
  • ANALISE, DADOS, SAFRA, COMENTARIO, EFEITO, CRISE, DESVALORIZAÇÃO, REAL, CAMBIO, DOLAR.
  • ANALISE, PROBLEMA, AGRICULTURA, AMBITO, PRODUTIVIDADE, TRANSPORTE, DISTRIBUIÇÃO, EXCESSO, TRIBUTOS, NECESSIDADE, INCENTIVO, PESQUISA, EXTENSÃO RURAL, CONFLITO, CULTIVO, PRODUTO, ALTERAÇÃO, GENETICA, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, COMBATE, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO.

O SR. LUIZ ESTEVÃO (PMDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, juntamente com o Governador do Distrito Federal Joaquim Roriz e sua equipe de Governo, Secretários de Obras, de Transportes, de Desenvolvimento Urbano, de Agricultura e de outras Pastas, estivemos durante todo o dia de ontem reunidos com agricultores e pecuaristas do Distrito Federal e da Região do Entorno.  

Embora muitos desconheçam, o Distrito Federal tem hoje uma grande parcela do seu território destinada à produção rural. No início da década de 70, o aproveitamento das áreas de cerrado para a produção agrícola ainda era altamente discutido e considerado inviável por muitos, inclusive por líderes ruralistas brasileiros e até por alguns pesquisadores que consideravam pobre o solo do cerrado, pela sua acidez e pelo seu alto teor de alumínio. A flora do cerrado, um tanto quanto pequena em dimensão e rarefeita, mostrava a debilidade daquele solo para aproveitamento agrícola. Enquanto isso, a Embrapa iniciava um extraordinário trabalho no sentido de adaptação de diversas produções agrícolas para a nossa região.  

Por intermédio do trabalho de um pioneiro do sul do Brasil, Dr. Luiz Sousa Lima, primeiro plantador de soja da região do cerrado, em consonância com as pesquisas da Embrapa, iniciamos há 25 anos o desbravamento daquela que seria – como o é hoje – a maior fronteira agricultável de todo o mundo, com índices de produtividade que já superam as mais tradicionais e maiores regiões de produção de grãos do mundo.  

Entretanto, na conversa com os agricultores, testemunhamos as aflições, as angústias e as dificuldades por que vêm passando aqueles que se dedicam à imprescindível tarefa de produzir alimentos no solo brasileiro.  

A economia rural de nossa Região Centro-Oeste começa a movimentar-se para o plantio da próxima safra de verão. A mais recente estimativa da safra que estamos colhendo – 1998/1999 –, divulgada pela Conab, Companhia Nacional de Abastecimento, no fim do mês passado, prevê a produção de 83,2 milhões de toneladas de grãos. Avaliou-se essa produção em R$18,8 bilhões, o que significa um aumento de 10% em relação ao valor da safra anterior e uma queda de 2,7% em comparação com a estimativa prévia da Conab, anunciada em fevereiro último.  

Quanto à área plantada, o acréscimo deverá ser de 3,5% em relação à última safra, chegando a 36,14 milhões de hectares, contra uma ampliação de 8,4% da anterior estimativa.  

O principal motivo por trás dessa reversão de expectativas foi a seca nas regiões produtoras gaúchas, com uma redução de 1,2 milhão de toneladas de trigo e 1,1 milhão de toneladas de soja. No conjunto, a queda face à estimativa de fevereiro corresponde a 600 mil toneladas de grãos.  

Entretanto, a meu ver, são fatores de natureza histórica e estrutural que têm amarrado o pleno desenvolvimento de nossa agricultura, frustrando sistematicamente o boom que ela promete há algum tempo. Em função dessas "amarras", o setor agrícola brasileiro não pôde beneficiar-se dos efeitos da virada cambial do real, decretada em janeiro último. Aliás, quem vendeu a última safra a tempo de beneficiar-se do overshooting cambial do início da desvalorização agora encontra dificuldade para adquirir insumos para o novo plantio, já que o dólar mais forte encareceu seu preço.  

Na verdade, é bem provável que os impactos negativos da desvalorização superem os positivos, no que concerne aos custos domésticos da produção de gêneros não-exportáveis, como a mandioca e o feijão, sem que os produtores possam lucrar ou, no mínimo, compensar suas maiores despesas com insumos variados, mediante o aumento de preços. Prova disso é o recuo nos preços da cesta básica verificado nos dois últimos meses.  

Sr. Presidente, o impasse atual da agricultura no Brasil reflete uma série de nós em toda a estrutura da cadeia produtiva. A ainda baixa produtividade média do milho, por exemplo, ilustra esse argumento. Apesar dos avanços significativos de produtividade no cultivo dessa matéria-prima fundamental para o abastecimento da avicultura e a suinocultura nos últimos dez anos, ela ainda representa apenas um terço da americana e cerca da metade da produtividade argentina.  

A logística e a distribuição são uma segunda e importante fonte de desperdícios. Os Estados Unidos, a par de uma boa rede ferroviária, contam ainda com as benesses de uma geografia que permite o escoamento de boa parte de sua produção de grãos por via fluvial. Já a Argentina concentra a sua produção na proximidade dos portos. O preço médio dos fretes em ambos os países oscila em torno de US$10 a tonelada.  

Aqui, o predomínio das rodovias, num contexto agravado por estradas em mau estado geral de conservação, aliado à distância entre os centros produtores e os nossos portos, impõe custos da ordem de US$40 a tonelada; quatro vezes o preço médio de países como a Argentina e os Estados Unidos. No caso do transporte da região Centro-Oeste até o Porto de Santos, os custos chegam a absorver quase a metade do valor do produto.  

Uma terceira ordem de fatores prende-se à excessiva carga tributária incidente sobre a produção agrícola nacional. O jornal Gazeta Mercantil noticiou há pouco tempo que o Brasil é um dos países que mais tributam alimentos no mundo. Estudos realizados pelo Ipea indicam que apenas a desoneração do ICMS da cesta básica produziria um aumento 11 a 17% do poder aquisitivo do salário mínimo, beneficiando substancialmente os setores mais humildes da nossa população.  

Parece-me, Sr. Presidente, indispensável e urgente uma articulação multipartidária no Congresso Nacional, repercutindo aqui o clamor do conjunto da sociedade brasileira, particularmente dos interesses legítimos do setor agrícola, para que essa questão seja colocada no topo da agenda da Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados.  

Em quarto lugar, chamo atenção para a necessidade premente de incrementar os recursos destinados à pesquisa agrícola e à difusão de suas inovações ao homem do campo, mediante um bem estruturado sistema de extensão rural.  

Todos os que me ouvem haverão de concordar que, no último quarto de século, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) cumpriu uma nobre e elogiável missão de gerar e transferir conhecimentos e tecnologias para o desenvolvimento e fortalecimento da nossa agricultura. Graças à competência e ao denodo de sua equipe de técnicos e cientistas, muitos deles de renome internacional, a Embrapa transformou o cerrado, uma região de vegetação rasteira e solo ácido, em um dos maiores celeiros do planeta, detendo, hoje em dia, 40% de nossa soja e cerca de metade de nosso rebanho bovino.  

Apesar dessas e de outras inestimáveis contribuições, a Embrapa tenta sobreviver, agora, à carência de recursos para a pesquisa, num setor em que os retornos de longo prazo muitas vezes inibem os investimentos privados.  

Penso que não haveria pior momento para o abandono dessa prioridade, de vez que a agricultura mundial está prestes a cruzar uma nova e estratégica fronteira tecnológica com a disseminação dos produtos geneticamente modificados, os chamados transgênicos.  

Penso que cabe às autoridades do Executivo ligadas à política agrícola, bem como a nós parlamentares, acompanhar com muita atenção os próximos lances de um conflito que já se delineia acirrado entre as multinacionais do agribusiness, de um lado, e uma ampla, ainda que insólita, aliança da indústria de defensivos agrícolas, ONGs ambientalistas e entidades de defesa do consumidor, de outro: o primeiro grupo exaltando os ganhos de produtividade, qualidade e competitividade das sementes transgênicas, mais resistentes a pragas e ervas daninhas e menos dependentes de inseticidas; e o segundo grupo alertando para os perigos à saúde representados por alimentos geneticamente transformados e também para a ameaça de um "monopólio genético" concentrado nas mãos de gigantes empresariais dos países desenvolvidos.  

O noticiário recente destacou que a Inglaterra já posicionou-se contra o uso de algumas variedades de sementes transgênicas, demonstrando que o assunto é polêmico, e certamente será objeto de muitas discussões na comunidade acadêmica, nos meios empresariais e políticos.  

Finalmente, eu não poderia esquecer os perenes prejuízos causados às exportações agrícolas do Brasil pelo protecionismo dos países ricos - Estados Unidos, União Européia e Japão. Adeptos do "façam o que eu digo, não o que eu faço", essas grandes potências cobram, insistentemente, a remoção de nossas barreiras comerciais, em nome da liberalização e da globalização, mas intensificam as restrições tarifárias e, principalmente, não-tarifárias para dificultar a comercialização de nossos gêneros em todos os mercados. Nessa frente, o Brasil deveria se empenhar mais decididamente em fortalecer as articulações de países agrícolas em desenvolvimento, a exemplo do Grupo de Cairns, que integramos ao lado da Argentina e de treze outras nações, melhorando nossa posição negociadora com vistas à nova rodada de conversações agrícolas que a Organização Mundial do Comércio promoverá a partir de janeiro do ano 2000. Nossos negociadores deverão ter como preocupação prioritária o estabelecimento de um claro cronograma para a eliminação dos subsídios, especialmente os praticados pelos Estados Unidos e pela União Européia. Cálculos do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estimam que o desmonte dessa estrutura protecionista abriria um mercado adicional de nada menos US$45 bilhões anuais para as exportações agrícolas dos países pobres e em desenvolvimento. Só o Brasil ficaria com US$20 bilhões desse total, não fossem as sobretaxas impostas ao nosso suco de laranja, a nossa soja e a tantos outros gêneros agrícolas que exportamos às nações mais poderosas do planeta.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os agronegócios já representam 35% do PIB brasileiro, empregam 28% da população economicamente ativa e contribuem com 36% de nossas exportações. Aliás, se os resultados de nossa balança comercial, nos últimos anos, em função da sobrevalorização do real, mostraram-se ruins, a verdade é que poderiam ter sido ainda piores, não fosse pelo bom desempenho exportador da agricultura.

 

O desempenho do setor vem se revelando altamente positivo, com superávit de US$15,3 bilhões, em 1997, e US$14,5 bilhões, em 1998. Seu efeito multiplicador é inigualável: para cada dólar investido em insumos, são gerados US$10 em gêneros processados e distribuídos.  

Por tudo isso, o desafio de romper as amarras que prejudicam a produtividade e a competitividade da agricultura do Brasil precisa ser efetivamente assumido como prioridade nacional absoluta, caso, de fato, o Governo queira guardar coerência com suas promessas de campanha, no sentido de garantir melhores condições de vida, saúde e dignidade ao nosso povo e de promover nosso ingresso verdadeiro na globalização pela porta da frente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/1999 - Página 13493