Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A INTER-RELAÇÃO ENTRE O POPULISMO, A MIDIA E O PODER ECONOMICO.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. POLITICA PARTIDARIA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A INTER-RELAÇÃO ENTRE O POPULISMO, A MIDIA E O PODER ECONOMICO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1999 - Página 13406
Assunto
Outros > IMPRENSA. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, POPULARIDADE, POLITICO, IMPRENSA, PODER ECONOMICO, AMBITO NACIONAL, REFERENCIA, COMPORTAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, POLITICA, PAIS.
  • CRITICA, PROCEDIMENTO, BLOCO PARLAMENTAR, OPOSIÇÃO, OBTENÇÃO, VANTAGENS, AGRESSÃO, DIGNIDADE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, INCENTIVO, IMPEACHMENT.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, como escritor, procuro intuir; porém, como político, procuro entender. Desafiou-me o entendimento o acontecimento febril desta semana. Em um dia, incendia-se o País com uma hipótese de denúncia grave, que, em 24 horas, dissolveu-se na névoa da pressa, da agitação, da troca de notícia, da substituição de escândalo.  

Fico daqui procurando entender esse fenômeno. Alguns pontos me são claros, nem todos. Creio estar a ocorrer hoje, no Brasil, uma aliança subjetiva, não declarada e talvez até um tanto inconsciente entre três institutos da vida de um país. Penso que, hoje, o País é dominado por uma tríade, composta do populismo, da mídia e do poder econômico. Paradoxalmente, em muitos setores, o populismo, em cujas bandeiras inclui-se a de colocar-se contra o poder econômico, serve-lhe de apoio, e vice-versa.  

Procurarei falar mais claro. Tenho idéia de que o populismo é uma atividade que está plenamente no poder, na sociedade. O populismo não é apenas um fenômeno político; não é apenas uma corrente existente dentro da política não-ideológica, não-doutrinária, que se destina praticamente a dizer tudo aquilo que as pessoas querem ouvir e bastar-se com isso; de basear-se na figura de lideranças carismáticas; de várias vezes dar-se mãos ao nacionalismo e de permanentemente brandir duas bandeiras: a do moralismo vingador e a do patriotismo desenfreado.  

Os populistas se situam entre aqueles que, por momentos, conseguem dar a idéia de que a sua posição monopoliza a moralidade, monopoliza o patriotismo. Aqui, curiosamente, uma ponta de ligação com o fascismo, que consiste em destruir todo aquele que não esteja dentro desse marco, todo aquele que pensa de modo diferente. O que é o fascismo? Destruir quem não pensa igual, erigir bandeiras, muitas das quais populistas, de patriotismo, de nacionalismo, de simbologia nacional. Portanto, o populismo é uma técnica que saiu do campo da ação política e, hoje em dia, invade, permeia vários setores da mídia. Se observarmos o cerne da programação de televisão, verificaremos ser populista. O próprio fato de a condução da programação de televisão ser feita pelas pesquisas de opinião significa a idéia de um populismo, ou seja, vamos dar aquilo que a audiência quer.  

As emissoras de rádio populares trilham o mesmo caminho. Na busca desenfreada da audiência, que é natural nesse sistema, buscam todas as formas de aproximar-se da população por intermédio de dois instrumentos: o do sensacionalismo, que é filho dileto do populismo, e, ao mesmo tempo, da permanente idéia de defesa das reivindicações populares. Tanto que hoje se dá até um deslocamento na população, que prefere procurar figuras simbólicas do universo populista presentes no meio de comunicação a procurar a Justiça, os meios políticos, aqueles que podem efetivamente resolver o seu problema. Parte-se do princípio de que ali está um poder mágico, capaz de realizar aquilo que o poder constituído capaz não foi.  

Há, portanto, uma invasão populista no comportamento profundo dos meios de comunicação. Essa invasão populista, no comportamento profundo dos meios de comunicação, espalha-se a certos setores da política. Esses setores da política estabelecem uma espécie de conluio subjetivo com os setores populistas da comunicação, abastecendo-os daquilo de que eles precisam, sobretudo dessa idéia do moralismo vingador. Eu até diria mais: esses setores exploram o moralismo. São setores proxenetas do moralismo. Proxeneta é quem vive à custa do comércio sexual de alguém; proxeneta do moralismo é quem vive à custa do comércio eleitoral do moralismo. O moralismo não é mais, na visão populista, fundamento da ação política. Ele passa a ser objetivo da ação política. Faz-se política para ser "moralista", e não por ser moralista.  

A ética dos objetivos desaparece, a ética da responsabilidade sucumbe. Prende-se a opinião pública em torno de uma visão ética, imediatista, sempre na idéia de que quem acusa tripula o bem e de que qualquer acusado é, inevitavelmente, um tripulante do mal.  

Essa é, portanto, a aliança subjetiva que busco compreender, mas que creio existe sem que seja clara entre os setores populistas da política, muitos deles com um pé na Esquerda conservadora e nos setores populistas da mídia que lhe dão amparo e guarida, até porque muitos desses setores fazem parte da postura da Esquerda conservadora.  

Por que disse eu, uma vez que me parece clara já a vinculação da idéia populista com a idéia do moralismo vingador, que populismo, na política e na mídia - mídia, no populismo e na política - está num tripé com o poder econômico? Porque interessa a vários setores do poder econômico esse tipo de união. Em primeiro lugar, interessa a qualquer poder econômico os governos enfraquecidos. É hora de avançar. O poder econômico, sempre mais esperto e inteligente do que se supõe, serve-se desses setores que utilizam o populismo para finalidades eleitorais e políticas - e são abrangidos pela mídia por finalidades de audiência ou de venda -, de certa maneira alimentando-os até um certo ponto, e se estabelece aí um nexo absolutamente perverso entre pautas que são feitas pela mídia, seguidas imediatamente pela política. Acordos tácitos, evidentemente - até porque há muita gente de boa fé nisso -, entre o que pretende a mídia para conseguir audiência ou vender jornal e revista, e entre o que pretendem os setores "moralistas" da esquerda conservadora, que buscam, nessa forma de moralismo, o apoio da mídia para sua causa eleitoral. É, portanto, uma aliança perversa. E o País assiste ao jogo dessa aliança perversa, e nesta semana assistiu ao jogo dessa aliança perversa que, por vinte e quatro horas, ameaçou incendiar o País com uma crise que se esboroou por si mesma por falta de fundamento.  

Ora, como é interessante ver os setores que se dizem progressistas na sociedade, ver a esquerda conservadora abandonar os velhos e grandiosos ideais da esquerda política, os ideais da generosidade, e preferir a calúnia ao argumento, o insulto à idéia, a desmoralização à proposta positiva. De nada valem as derrotas eleitorais; de nada valem os fracassos administrativos desses setores quando chegam a algumas prefeituras municipais; de nada vale o atraso da luta social, implementado por radicalizações jogadas no bojo desse movimento.  

Ainda ontem, assistia eu, na televisão, ao que poderia ser um importante movimento social, a dizer que entre suas bandeiras estava a causa da OTAN. Havia uma pauta de dez itens, um dos quais era a razão de ser do movimento social. Todos os demais eram aparelhados pelas teses de partidos políticos que se alimentam de uma visão trotskista do movimento social, de uma visão udenista do moralismo vingador, apenas para a finalidade do seu benefício de ordem eleitoral. Setores que se frustraram, setores que não souberam renovar o pensamento de esquerda, setores que permaneceram encapsulados na idéia de um socialismo de Estado; setores, enfim, que representam o atraso, brandindo as bandeiras agressivas da posição progressista e buscando confundir as posições realmente progressistas com as posições efetivamente conservadoras ou reacionárias.  

Busquei entender, portanto, esse fenômeno. Não sei se o consigo. Imagino que não, nos meus precários meios. Porém, não posso deixar de, daqui, da tribuna do Senado, aludir a essa trindade perversa - populismo, setores populistas da mídia e partidos políticos -, trindade essa que é responsável, ultimamente, não mais pela argumentação serena, não mais pela oposição franca, mas, até mesmo nesta Casa, por uma oposição insultuosa, utilizando expressões como máfia, como gangue, que não têm o menor cabimento em se tratando de um Governo honrado como é o atual Governo, e ainda bem que o Presidente da República, ontem, veio a público numa reação, esperada pela Nação, de um homem que, como Sua Excelência mesmo diz, aos sessenta anos nunca teve uma mácula em sua vida pública e que agora está insultado. Por quê? Porque é tática decidida internamente, em reuniões desses partidos, atingir o Governo exatamente no ponto intocável: a dignidade; porque no momento em que o populismo tripula a idéia de uma dignidade aparente e se apropria dessa mesma idéia como tendo o monopólio dela, busca-se quebrar no eixo aquilo que tem infligido derrotas a esse mesmo populismo, a essa esquerda distorcida que, ao invés de estar à frente das lutas de transformação operadas no País, na sociedade brasileira, neste instante, prefere aliar-se a velhas, a cediças idéias de um socialismo de Estado que não tem mais cabimento na sociedade moderna.  

Querem quebrar, portanto, na coluna vertebral, porque o populismo tripula o moralismo e o tem como forma monopolista de suas cores, exatamente para excluir da idéia de moral todos aqueles outros que também a tripulam e que também a contêm. O que caracteriza esses partidos e o que caracteriza essas pessoas é uma visão excludente. Eles são os dignos. Eles são os puros. Eles são os intocáveis. Eles são os imaculados. Eles são juízes da sociedade. Eles são os bons. Que pretensão é essa? Que pretensão é essa? A não ser a pretensão de monopolizar a idéia do bem e de, através dela, levar o País, gradativamente, a uma transformação: política trotskista no movimento social, política de denúncia moralista nas frentes legais. Já vi essa história, já acompanhei esse ritmo e já vi tantas derrotas oriundas daí. As derrotas têm vindo na urna.  

No campo social, o Governo tem dado demonstrações efetivas, não divulgadas ou mal divulgadas, do seu trabalho. Imaginem o que é uma tática trotskista no campo a esbarrar numa política de avanço social na reforma agrária! Está fadada ao fracasso. O fracasso leva ao radicalismo; o radicalismo leva, evidentemente, a contradições internas no próprio sistema que o gera, porque não é o melhor caminho do avanço. Não foi nem durante a ditadura. O caminho da transição pacífica acabou por levar o País à democracia, sem sangue, sem tantos ódios, sem tantas divisões fratricidas. É, portanto, uma política falida. É, portanto, uma política fracassada, que só conta, hoje em dia, com a boa vontade de ativistas ingênuos e bem-intencionados, tanto no parlamento como fora dele, e que, no seu processo de amadurecimento, pouco a pouco descobrirão não ser esse o melhor caminho.

 

Com tudo isso podemos saber, portanto, Sr. Presidente, que fracassou o "golpe" - e digo essa palavra entra aspas, mas foi um "golpe" - desta semana, que se aventurou como um golpe que poderia levar a um impeachment - que se chegou a pedir -, um golpe que poderia levar a crime de responsabilidade. Ele ficou nas frases soltas de alguns manipuladores de notícias que colocam a opinião na informação, nos discursos exaltados e vazios nas Casas Parlamentares e, efetivamente, não atingiu o cerne da população; e não atingiu o cerne da população por sua falta de fundamento.  

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Sr. Senador, a Mesa tem o dever de informar que faltam 3 minutos para se esgotar o tempo destinado ao seu pronunciamento.  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado.  

Sr. Presidente, considero que já consegui enunciar o meu pensamento, razão pela qual deixo esta tribuna, agradecendo a V. Exª pelo aviso e às Srªs e aos Srs. Senadores pela atenção.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1999 - Página 13406