Discurso no Senado Federal

RETROSPECTIVA DE EPISODIOS QUE ENVOLVERAM O GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, TAIS COMO: O PROER, O SIVAM E O 'GRAMPO' DO BNDES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • RETROSPECTIVA DE EPISODIOS QUE ENVOLVERAM O GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, TAIS COMO: O PROER, O SIVAM E O 'GRAMPO' DO BNDES.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/1999 - Página 13514
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPROPRIEDADE, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), IRREGULARIDADE, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os quatro anos de exercício do mandato cumpridos até agora me permitem recordar alguns fatos. Mas, como quase sempre no Brasil, a recordação é triste. É com tristeza que recordo alguns passos que procurei dar neste Senado.  

Quando o Proer foi criado, para espanto e para contrariedade dos brasileiros conscientes, eu dizia que a "proerização" continha não apenas um gesto desumano, um ato de desprezo para com o social, mas a declaração inexorável da preferência preferencial deste Governo da socialdemocracia pelos ricos e banqueiros.  

Naquela ocasião, diziam que o Proer era indispensável para evitar um abalo sistêmico; os bancos iriam entrar em um processo de falência em dominó.  

Foi num sábado à noite que Sua Excelência o Presidente da República, reunido com alguns de seus técnicos, criou o Proer. O primeiro a ser socorrido foi o Banco Nacional. Naquele primeiro momento, parecia que o Banco Nacional iria se safar da falência que há muito tempo o rondava com R$3 bilhões.  

Pois bem, apesar do Proer, com mais de R$20 bilhões aplicados nesse salvamento, 168 bancos acabaram falindo e precisando de socorro no País. Assim, o remédio improvisado naquele sábado à noite pode ter servido a muitos senhores, mas não à sociedade brasileira, nem foi um remédio que sequer salvasse o sistema bancário ameaçado.  

Na ocasião, o Sr. Cláudio Mauch não era fiscal nem Diretor da Carteira de Fiscalização do Banco Central. A Carteira de Fiscalização do Banco Central se encontrava acéfala. E, diante da situação, escrevi um artigo. Nele dizia: "é errando que se acerta, é não tendo fiscalização, é não tendo diretor de fiscalização, é tendo demitido funcionários na área da fiscalização, é tendo enxugado a fiscalização em todas as áreas no Brasil que a coisa funcionava bem, deixando liberalmente que inclusive o primeiro deles, o Banco Nacional, falsificasse dinheiro". Foi falsificado dinheiro. Naquele momento, 680 depositantes-fantasma estavam aumentando a capacidade do Banco Nacional de realizar empréstimos e, portanto, de criar moeda escritural, que é idêntica, com exceção do seu aspecto físico, à moeda corrente brasileira. O Banco Nacional falsificou, portanto, e foi protegido pelo Proer, apesar de sua atividade falsária de fabricante de dinheiro.  

Pois bem, por que não havia fiscalização e nem diretor de fiscalização no Banco Central? Obviamente, para que ninguém fosse incriminado de não ter realizado a contento o seu dever, que era o de fiscalizar o sistema bancário.  

Mas como fiscalizar se todos os diretores, com raríssimas exceções, são extraídos do sistema bancário, do sistema financeiro nacional, e alguns até do sistema financeiro internacional e de grandes agentes especuladores, como é o caso do Sr. Soros, que nos cedeu o Presidente do Banco Central?  

Pois bem, naquela ocasião, eu dizia que o Professor Friedman, que é o papa de todos esses que aí estão, servos da globalização e do neoliberalismo, havia declarado que os bancos deveriam quebrar, que não deveria haver Proer, digamos, não deveria haver salvação e proteção para os bancos que estavam falindo no Brasil e no resto do mundo; que o mercado os havia condenado, como incompetentes que eles eram, à falência e que, portanto, os governos não deveriam salvar esses bancos.  

Mas, os seus alunos aqui, devido a interesses que hoje são óbvios, transparentes e que a CPI dos Bancos mostra a cada dia, tinham interesse em fazer aquilo que o seu mestre Friedman não mandava, não aconselhava, isto é, transferir recursos da União para privatizar os bancos quebrados.  

O que vemos agora é que, como nada mudou, a taxa de câmbio praticamente continuou, até há pouco tempo, até o dia 13 de janeiro, a mesma daquele momento, a fome do povo não mudou, e povo faminto não abre conta e nem movimenta conta nos bancos, a taxa de juros se elevou tanto que afugentou possíveis tomadores, os bancos ficaram desertos. Obviamente, com o enxugamento feito pelo Governo Federal, os bancos se esvaziaram.  

Disse, em certa ocasião, que banco e banqueiro são anaeróbios, só vivem no alagamento. Os tubarões não podem viver fora d’água. Quando o Governo retirou a água do sistema, era óbvio que os bancos iriam falir novamente, o que aconteceu com muitos. O caldo de cultura foi preparado, as condições foram articuladas para o sistema bancário brasileiro, que deu 1.240% de retorno na década perdida. Enquanto o Brasil se perdia, os bancos tiveram 1.240% de retorno, de lucro, e conseguiram, logo em seguida, entrar em falência, requerer concordata, receber dinheiro do Proer, alienar a parte podre ao Banco Central e vender-se a algum outro banco, o qual recebeu para isto recursos do Proer.  

Quando foi criado o sistema das agências nacionais, a Anatel, a Agência Nacional do Petróleo e outras agências, lembro-me muito bem, o sorridente trator, o Ministro Sérgio Motta, que hoje posso dizer de saudosa memória – depois de mim virá quem de mim bom fará, e hoje os que vieram depois dele me fazem ter saudades dele –, disse aqui, neste Plenário, que durante meses e meses procurou, junto com seus assessores, articular esse sistema, o sistema que finalmente foi implantado.  

Agências independentes, de pessoas independentes, independentes. A Agência Nacional de Petróleo seria constituída de pessoas independentes das indústrias e dos interesses do setor petroleiro; a Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, da mesma forma seria constituída por pessoas que gozavam de um mandato fixo e que também seriam extraídos de setores outros que não aqueles em que os interesses privados iriam se imiscuir com os interesses públicos.  

Então, disse a S. Exª que, depois de tanto tempo, havia conseguido repetir a estrutura e a organização do Banco Central. Um órgão de fiscalização o Banco Central também tem, só que não fiscaliza.  

E o aconteceu agora com a Anatel? Não precisávamos estar discutindo fitas e gravações feitas pelo próprio Governo. Apenas para reforçar o que, com muita clareza e precisão, a Senadora Marina Silva nos recordou há pouco, as quatro primeiras fitas gravadas a respeito da privatização da TELEBRÁS foram entregues pelo General Alberto Mendes Cardoso, quando deixou suas atividades para passar ao novo órgão esta atividade encarregada de fiscalizar o que ocorria no sistema da telefonia brasileira. De modo que as quatro primeiras fitas foram feitas pelo Chefe da Casa Militar, primo do Presidente da República, General Alberto Cardoso, que as entregou quando deixou suas funções – as fitas que, depois, se transformaram em 46. Se houvesse um sistema de fiscalização em funcionamento, não seria preciso, talvez, fazer gravação clandestina de conversas – e de conversas tão impróprias. Se eu tivesse parentes, filhos menores, eu recomendaria a eles que saíssem da sala quando essas fitas gravadas com palavrões e expressões chulas fossem transmitidas.  

Realmente, o que vemos é que não apenas o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social agiu dessa vez com a máxima impropriedade, fazendo tudo para utilizar, inclusive, o poder do Presidente da República, a quem eles passaram a apelidar de a "bomba atômica": "Se for preciso, usaremos a bomba atômica". A "bomba atômica" é Sua Excelência o Presidente da República. A "bomba atômica" seria utilizada para que a Previ, a Previdência do Banco do Brasil, fosse fiadora do grupo em que se destacam os oportunistas, o Opportunity. Pérsio Arida, casado com a Srª Elena Landau, Diretora da Carteira de Privatização do BNDES; ela, Diretora da Privatização, ele, marido dela, beneficiário da privatização do Sistema Tele Centro Norte.  

A pressão foi tão grande que o Presidente do Banco do Brasil falou, na fita gravada, que ele havia atingido ou ultrapassado os limites da irresponsabilidade, ultrapassado os limites da irresponsabilidade. Colocam um irresponsável na Presidência do Banco do Brasil que chega a ultrapassar limites, e confessa isso, para proteger o grupo capitaneado pelo Sr. Pérsio Arida. Se essas 46 fitas gravadas conseguiram detectar o rastro e colher as impressões digitais nessa suspeitíssima privatização da telefonia brasileira, evidentemente, as apurações devem também ser feitas em relação a todo o processo de privatização, agora eivado de suspeita. Porque aqueles que foram alienados anteriormente, mas que não foram gravados, obviamente não podem ser considerados isentos de desconfiança. Lembro-me de que na privatização de uma dessas empresas estatais, a D. Elena Landau foi filmada em estado de euforia – praticamente soltava rojões e foguetes – porque o BNDES estava alienando uma empresa, a Light se não me engano, e era também comprador das ações que ele próprio estava vendendo.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Senador Lauro Campos, informo-lhe que o seu tempo está-se esgotando.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Com dinheiro do Governo, com dinheiro nosso, privatizamos as estatais. Sessenta e cinco por cento do dinheiro aplicado na compra de empresas estatais é oriundo de nstituições públicas brasileiras: 65%! A burguesia nacional é tão incompetente, tão incapaz de fazer essas empresas, de ter o mínimo de capital e de competência para fazer uma Siderúrgica Nacional ou uma Vale do Rio Doce; não fizeram, não puderam fazer e, agora, para comprar, toda essa maracutaia tem que ser articulada para que eles possam, na bacia das almas, privatizar as empresas estatais. Assim mesmo, 65% dos recursos são oficiais, quase todos federais. O que ocorre, portanto, é algo que nos entristece. Entristece-nos quando nossa memória começa a relembrar esses fatos ocorridos.  

Ligeiramente falarei também sobre o Sivam, contra o qual me debati. O Sivam resultou de um empréstimo de US$1,340 bilhão, que o Eximbank fez para que o Brasil comprasse, já carimbado nesse mundo da livre concorrência, de uma firma, a Raytheon, dos Estados Unidos. Que concorrência é essa? O Brasil toma US$1,340 bilhão e não pode adquirir, no território nacional, nenhum componente do Sivam e é obrigado a comprar de uma fábrica de armas e munições, fornecedora desses materiais para o governo norte-americano. E apenas dela, qualquer que fosse o preço. Seria aquela ou nenhuma outra. No contrato estava escrito que o empréstimo só serviria para adquirir equipamentos da Raytheon.

 

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Como o tempo é demasiado curto e as maracutaias e tranquibérnias são imensas, peço licença ao nobre Presidente para ouvir o aparte do nobre Senador Luiz Otávio.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Peço que o aparte seja breve, porque o tempo já se esgotou.  

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - Sr. Presidente, se o tempo já está esgotado, peço a palavra, a seguir, como Líder do Governo.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Sr. Presidente, não estarei aqui no momento em que o nobre Senador falar pela Liderança do Governo. Dessa forma ficarei impedido de anotar a sua contribuição, tampouco farei qualquer comentário. Assim, peço a compreensão de V. Exª.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Parece-me que o Senador Luiz Otávio já estava relacionado para falar como Líder do Governo; inclusive, em resposta ao discurso da Senadora Marina Silva.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Sr. Presidente, sendo assim, aguardarei com muita satisfação essa fala que virá defender os interesses e os pontos de vista do Governo.  

Ainda há pouco, eu dizia que toda manhã — se me desse diariamente às minhas prédicas e orações — agradeceria a Deus por me ter feito oposicionista, e não governista, porque deve ser muito difícil ser governista numa situação em eles nos colocaram.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/1999 - Página 13514