Discurso no Senado Federal

ESTARRECIMENTO DIANTE DOS RESULTADOS DE PESQUISAS QUE REVELAM A INSATISFAÇÃO POPULAR COM A CLASSE POLITICA BRASILEIRA. DEBATE SOBRE A REFORMA DO PODER LEGISLATIVO.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. REFORMA POLITICA.:
  • ESTARRECIMENTO DIANTE DOS RESULTADOS DE PESQUISAS QUE REVELAM A INSATISFAÇÃO POPULAR COM A CLASSE POLITICA BRASILEIRA. DEBATE SOBRE A REFORMA DO PODER LEGISLATIVO.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1999 - Página 14303
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • CRITICA, SIMULTANEIDADE, HORARIO, REUNIÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, PREJUIZO, QUORUM, COMISSÃO PERMANENTE, ATRASO, PROCESSO LEGISLATIVO, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, SOLUÇÃO, COMPATIBILIDADE, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), COMISSÃO PERMANENTE, SENADO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, REFORMULAÇÃO, LEGISLATIVO, COMPLEMENTAÇÃO, REFORMA POLITICA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, INFERIORIDADE, INDICE, APROVAÇÃO, CLASSE POLITICA, DEMOCRACIA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PARTIDO POLITICO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, LEGISLATIVO.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente devo fazer uma observação e um apelo. Hoje, pela manhã, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania não se reuniu, não houve quorum para a deliberação de importantes projetos em análise naquela Comissão. Isso porque, no mesmo horário, reuniu-se a CPI do Sistema Financeiro.  

É óbvio que a CPI é muito importante, todos nós a defendemos nesta Casa, e imaginávamos que a atividade das CPIs instaladas no Senado Federal não viesse a comprometer o trabalho eminentemente reformista que deve ser executado pelas duas Casas do Congresso Nacional, no momento em que toda a sociedade brasileira exige mudanças fundamentais para o futuro do nosso País.  

Lamento profundamente, porque estamos verificando o já moroso processo legislativo se tornar ainda mais lento por força da prioridade que se dá à CPI instalada no Senado Federal.  

Feita a observação, faço um apelo para que a Direção da Casa administre uma solução que possa compatibilizar os trabalhos fundamentais das duas CPIs com os trabalhos indispensáveis das comissões técnicas da Casa, para que possamos produzir, no Congresso Nacional, especialmente as reformas que dizem respeito ao interesse coletivo.  

Sem dúvida, a mudança do nosso modelo político é um pressuposto básico para que possamos readquirir credibilidade com o objetivo de restabelecermos as esperanças do povo brasileiro no futuro desta Nação.  

Sr. Presidente, há poucos dias, anunciei desta tribuna que apresentaria uma proposta de reforma do Poder Legislativo nas três esferas de atuação. Pedi o apoio dos Srs. Senadores para que pudesse apresentar essas propostas. Hoje, venho para agradecer e apresentá-las, já que, com o apoio necessário das assinaturas indispensáveis, estamos propondo três emendas à Constituição e um projeto de lei complementar que pretende iniciar o debate sobre a necessária reforma do Poder Legislativo. Imaginamos ser essa proposta a necessária complementação da reforma política, em discussão presentemente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero buscar na população as razões maiores dessa proposta, que não pretende ser contra Estado algum, que não deseja ser contra vereadores ou deputados, mas que almeja ser a favor de um Legislativo mais forte, mais representativo, mais qualificado e, sobretudo, mais acreditado pela opinião pública brasileira; quer ser, portanto, uma proposta a favor do País e da democracia.  

Confesso que estou espantado com o conceito que a população brasileira tem hoje dos seus representantes; mais do que dos seus representantes, das instituições públicas, do próprio modelo político vigente e, mais do que isso, do regime democrático.  

Começo revelando alguns dados espantosos. Pesquisa do Instituto Vox Populi, publicada pela revista Época de 24 deste mês de maio, diz que o povo que completará 500 anos gosta da cara que tem, aprecia o País que lhe coube e culpa os políticos por todos os males do mundo.  

Da população brasileira, 82% consideram os políticos preguiçosos; 6% consideram os políticos honestos - apenas 6%; 91%, desonestos; 71%, incompetentes; 88%, injustos; 91% da população afirmam que político não é de confiança e 82% dizem que político é irresponsável.  

A outra indagação, cuja resposta é também estarrecedora. "Você acha que essas instituições são necessárias?" Senado Federal: muito necessária, 43%; necessária, mas não muito, 36%; desnecessária, 19%. Nesse item, até que não há uma grande surpresa. Não há uma reprovação de forma tão acentuada, mas, de qualquer maneira, 19% consideram o Senado uma instituição desnecessária e 36%, não muito necessária.  

Em relação à Câmara dos Deputados, a apreciação é mais negativa: 36%, muito necessária; 37%, não muito necessária; e 25%, desnecessária.  

Partidos políticos: 29% consideram necessários; 39%, não muito necessários; e 30% consideram desnecessários. Essa indagação reflete uma insatisfação maior:  

Dessas instituições, qual é a mais importante para o bem-estar do Brasil? Senado Federal: mais importante, 4%; menos importante, 8%. Câmara dos Deputados: mais importante, 2%; menos importante, 19%.  

Confiança da população nos grupos ou nas instituições e organizações: 20% confiam no Governo Federal; 75% não confiam; 20% confiam no Senado Federal, 75% não confiam; 14% confiam na Câmara Federal; 82% não confiam; 11% confiam nos partidos; 85% não confiam; nos políticos: 5% confiam, 94% não confiam - 94% da população não confiam nos políticos de forma geral.  

Mas não é só essa pesquisa. No último final de semana, houve mais uma pesquisa, realizada entre os jovens do Rio de Janeiro. Os jovens desacreditam não só nos políticos, desacreditam até mesmo na democracia.  

Segundo estudos da Unesco, a tendência revela-se em todas as classes sociais. Por descrédito ou desconhecimento, a democracia está em baixa entre os jovens cariocas das classes populares - C, D e F -, média e alta - A e B. A pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura mostra que 21% dos adolescentes das classes populares, entre 15 e 20 anos, acreditam que a ditadura é o melhor regime de governo. Somados aos indiferentes, que são 6,9%, e aos que não souberam responder, 36,6%, esse número chega a 64,5% contra 35% dos que defendem, com convicção, a democracia.  

"Esse resultado é muito preocupante, porque mostra que há, na cidade do Rio, um caldo de cultura favorável a que qualquer tentativa ou ação antidemocrática venha a ter forte apoio popular", afirma Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa.  

Isso revela muito mais do que insatisfação; isso revela uma enorme indignação da juventude do nosso País.  

O Poder Judiciário e o Congresso Nacional inspiram confiança apenas em 4% dos jovens, acima do Governo e da Polícia, que inspiram confiança apenas entre 3% e 3,5% dos jovens.  

Os partidos políticos são os que mais levantam suspeitas. Apenas 2,5% acreditam neles.  

Para o cientista político Renato Boschi, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, "a pesquisa reflete o descrédito dos garotos com o modelo político, que, aos seus olhos, só cria insegurança, violência, corrupção e desemprego, sem produzir oportunidades para eles".  

Portanto, Srs. Senadores, é a constatação da realidade nua e crua. É preciso fazer algo. Não há como permanecermos omissos diante desse estado de indignação popular. Não há como permanecermos coniventes com esse quadro de descrédito generalizado que alcança os partidos, as instituições e os políticos de forma geral.  

É preciso mudar e queremos contribuir modestamente, oferecendo a esta Casa uma proposta para discussão. Pretendemos, resumindo, reduzir em 21% o número de cadeiras na Câmara dos Deputados; em 35%, o número de cadeiras nas Assembléias Legislativas; em 15%, o número de cadeiras nas Câmaras de Vereadores do Brasil, eliminando as distorções da representatividade, as disparidades gritantes que colocam alguns Estados com mais representantes do que outros.  

O objetivo não é apenas a economia. Nesse quadro de indignação generalizada, talvez a economia seja até o item secundário da proposta - uma economia direta de R$700 milhões por ano, que permitiria a geração de cerca de trezentos mil empregos anuais no campo, com a demissão de alguns políticos que representam a população no Legislativo. Mas não se trata apenas da economia. O que vale ressaltar é o objetivo da valorização da classe política, do Poder Legislativo e da busca pelo respeito e pela credibilidade popular, indispensáveis para que os rumos da Nação possam ser desenhados com eficiência pelos agentes da transformação, que são os representantes da população nas casas de leis do País.  

Repito: a proposta que defendo não é contra Norte, Nordeste, Centro-Oeste ou Sul, porque todos os Estados perderão cadeiras, inclusive o poderoso Estado de São Paulo. Aqueles que não perdem nas três esferas perdem nas duas esferas. Apenas o Estado de São Paulo manteria o número de cadeiras na Câmara dos Deputados, já que está sub-representado - a sua representação, hoje, equivale a apenas 63% do que deveria ser em função da relação representantes/habitantes do Estado.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Pois não, nobre Senador Maguito Vilela, exatamente porque o que queremos é o debate, um debate respeitoso e sem agressões. Já ouvi, aqui ou ali, agressões inusitadas, arrogantes, daqueles que pronunciam, às vezes, um discurso reformista, mas que, no momento de agir, recusam a transformação e a mudança; daqueles que pronunciam um discurso de moralização e, no momento de moralizar, recusam-se a admitir a hipótese. Sei que, nesta Casa, não há lugar para esse tipo de comportamento, mas há espaço para a defesa de uma mudança de comportamento dos políticos brasileiros.  

Essa proposta de reforma, acima de tudo, sinaliza para a necessidade de mudança do nosso comportamento, porque, sem isso, não reverteremos esse quadro estatístico negro, que, por certo, nos humilha e nos envergonha.  

Concedo o aparte ao Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Quero cumprimentá-lo pela abordagem desse tema muito importante e fazer alguns comentários a respeito das pesquisas mencionadas por V. Exª. Estou na política desde 1976, quando fui eleito Vereador; posteriormente, Deputado Estadual, Deputado Federal Constituinte, Vice-Governador, Governador e, agora, Senador da República. Creio que tenho uma certa autoridade para falar, porque passei por todos os cargos públicos neste País, sempre com votações expressivas, sendo que, no último pleito, venci as eleições em todas as cidades, em todos os distritos, em todos os povoados e em todas as urnas do meu Estado. Concordo com V. Exª. Temos que fazer reformas profundas, mas, a meu ver, o que mais pesa com relação à credibilidade dos políticos é o não-cumprimento dos compromissos assumidos nas campanhas públicas. Há políticos que prometem e depois não realizam aquilo que prometeram. Isso causa o maior desgaste junto à população brasileira. O povo brasileiro tem razão de estar desacreditando dos seus políticos. O modelo econômico deste País é desastroso: a concentração de renda, a criminosa distribuição de renda, tantas favelas, bolsões de miséria, violência, criminalidade - acabou a tranqüilidade em todo o Brasil, das cidades grandes às cidades pequenas -, juros altíssimos, falta de apoio aos agricultores, apoio excessivo aos banqueiros e aos grandes empresários, tudo isso vai contribuindo para que se crie essa imagem de descrédito no País. O desemprego e a criminalidade estão aumentando, e os bolsões de miséria e as favelas, crescendo assustadoramente. Temos que procurar um caminho, V. Exª tem razão. Eu, inclusive, estou com algumas propostas que julgo importantes, até mesmo a redução dos oitos anos de mandato do Senador, que acho excessivos no mundo supersônico em que vivemos. O mundo não é mais nem dinâmico, o mundo, hoje, é supersônico, e temos mandato de oito anos, o mais longo do mundo. Sou contra, tanto é que fui eleito para ficar oito anos e vou ficar apenas quatro, por coerência política. Não concordo com o mandato de oito anos. Então, temos que fazer reformas profundas, radicais, porque senão o descrédito vai aumentando. É importante que os políticos saibam que o povo está atento. Quem fala uma coisa, quem promete fazer uma coisa e faz outra é por ele desaprovado - e com razão, porque o povo brasileiro tem sofrido amargamente. Concordo com V. Exª. Vamos promover as reformas necessárias. Muito obrigado.

 

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Agradeço o aparte de apoio do Senador Maguito Vilela. Posso informar-lhe, inclusive, que já se encontram na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania propostas visando à redução da duração do mandato dos Senadores. Na nossa proposta, não incluímos uma redução do número de cadeiras no Senado Federal em função da análise técnica e constitucional realizada pela Consultoria do Senado, que revela as características desta Casa, responsável pelo equilíbrio da Federação, do Sistema Federativo, e pelo equilíbrio entre as Unidades da Federação. Por isso, a representação de cada Estado não pode ser desigual; o Estado menor não pode ter menos Senadores que o Estado maior, e a redução do número de cadeiras implicaria no comprometimento da ação legislativa, já que o Senado é responsável pelo trabalho que realiza a Câmara, com quinhentos e treze parlamentares. Além do trabalho que realiza a Câmara, também realizado aqui nas mesmas proporções, o Senado tem outras prerrogativas e atividades exclusivas, como a apreciação dos empréstimos dos Estados, dos Municípios e da União, a aprovação de Ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça, dirigentes do Banco Central, aprovação de embaixadores, etc. Portanto, as atividades do Senado são num volume bem superior às atividades da Câmara dos Deputados.  

De qualquer forma, se surgir alguma proposta inteligente, que nos permita acreditar que não comprometeremos a eficiência dos trabalhos do Senado Federal, não teria dúvidas em acolhê-la e em apoiá-la.  

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Ouço V. Exª, com prazer.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Álvaro Dias, dou conhecimento a V. Exª de que o seu tempo já está esgotado há mais de um minuto. Compreendo a importância do assunto tratado e o interesse que desperta na Casa e na Nação, mas temos 23 Senadores inscritos.  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Lamento, pois gostaria muito de ouvir os Senadores Ramez Tebet, Tião Viana, Romero Jucá e Mozarildo Cavalcanti, que estão aguardando para participar deste debate. Mas certamente voltaremos a esta tribuna para aquecermos a discussão em torno dessa questão, que acredito ser fundamental para o País. Aliás, quando o nobre Senador Maguito Vilela refere-se a problemas estruturais da Nação, entendo que, sem adotarmos um modelo político de competência compatível com a realidade nacional, não chegaremos às transformações necessárias à solução de todos os problemas que atormentam a população brasileira.  

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.  

 

Ø Ë


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1999 - Página 14303