Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DA SEMANA DO MEIO AMBIENTE. PROBLEMAS ESTRUTURAIS DA QUESTÃO AMBIENTAL NO PAIS, DESTACANDO OS ENFRENTADOS NA AMAZONIA. CONSIDERAÇÃO SOBRE OS PRODUTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • TRANSCURSO DA SEMANA DO MEIO AMBIENTE. PROBLEMAS ESTRUTURAIS DA QUESTÃO AMBIENTAL NO PAIS, DESTACANDO OS ENFRENTADOS NA AMAZONIA. CONSIDERAÇÃO SOBRE OS PRODUTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/1999 - Página 14637
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, PROGRAMAÇÃO, SEMANA, MEIO AMBIENTE, ESTADO DO ACRE (AC).
  • COMENTARIO, AUSENCIA, MOTIVO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, INEFICACIA, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • CRITICA, DECISÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), AGILIZAÇÃO, LIBERAÇÃO, SEMENTE, SOJA, ALTERAÇÃO, GENETICA, ESTADOS, FEDERAÇÃO, AUSENCIA, PERIODO, INSTITUIÇÃO CIENTIFICA, APRESENTAÇÃO, PARECER, COMPROVAÇÃO, INEXISTENCIA, DANOS, SAUDE, MEIO AMBIENTE.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, SENADO, SOLICITAÇÃO, MORATORIA, OBTENÇÃO, SEGURANÇA, UTILIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO.
  • APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, DEFESA, NECESSIDADE, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PRESERVAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, como havia mencionado há pouco, no Dia Mundial do Meio Ambiente não pude fazer meu pronunciamento, porque me encontrava no Estado do Acre participando dos eventos que ainda estão sendo realizados pela passagem da semana que estamos instituindo - a Semana do Meio Ambiente.  

No Brasil está ocorrendo um fenômeno muito positivo: estamos transformando o dia em uma semana. Espero que passemos a um mês e depois ao ano inteiro. Antigamente, comemorávamos o Dia do Índio, o Dia Internacional da Mulher, o Dia do Meio Ambiente, e agora, gradativamente, sempre falamos na Semana da Mulher, na Semana do Índio e na Semana do Meio Ambiente, o que considero positivo.  

A programação da Semana do Meio Ambiente no meu Estado do Acre iniciou-se no dia 1º e terminará apenas no dia 11 do corrente. Em Rio Branco, tive a oportunidade de participar do Seminário denominado "Desenvolvimento Sustentável e Novos Paradigmas", fazendo-se análises do tema no contexto do Estado do Acre. Esteve presente no seminário o Professor Eduardo Viola, da UnB, que deu grande contribuição em termos teóricos, já sistematizando algumas experiências práticas que temos ali, uma vez que estamos com um Governo que inicia um trabalho exatamente a partir desse paradigma do desenvolvimento sustentável.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 5 - Dia do Meio Ambiente -, talvez o povo brasileiro não tenha tido muito o que comemorar, porque infelizmente, do ponto de vista das políticas públicas, temos apenas ações fragmentadas, ações que não estão de acordo com as necessidades do País em termos de política ambiental. Apesar do esforço que está sendo feito pelo Ministro Sarney Filho, que ingressou agora no Ministério e que está chamando os setores para o debate e os mais diferentes segmentos para começarem a contribuir, principalmente no que se refere à questão da exploração madeireira ou das queimadas, na região mais problemática, que é a Amazônia, ainda temos muitos problemas que considero estruturais.  

Primeiramente, a questão ambiental ainda é tratada no âmbito governamental como se fosse um apêndice do Governo. Não se trata de uma política pela qual se referenciam as demais ações de Governo. Pelo contrário, existem ações de Governo contrárias às políticas ambientais, como é o caso do Programa Brasil em Ação, que foi pensado sem estar devidamente articulado com os programas e as observações que o Ministério do Meio Ambiente deveria e poderia fazer. Depois vão tentar fazer os reajustes. Até mesmo o Ministério do Planejamento, da Fazenda e outros possuem políticas completamente isoladas das questões ambientais do País.  

Esse problema situa-se num âmbito macro, mas estamos vivendo o calor do debate numa questão mais específica: a problemática da liberação dos produtos geneticamente modificados - as sementes -, principalmente a soja. Teremos até um seminário sobre o assunto.  

Sr. Presidente, há muita pressa por parte do Ministério da Agricultura na liberação de sementes de soja transgênica em sete Estados da Federação. E, no caso da soja transgênica, as pessoas que pedem moratória ou levantam dúvidas a respeito do produto - sobre as implicações para a saúde humana ou sobre os problemas ambientais que poderão advir de sua cultura - estão sendo acusadas de quererem engessar a pesquisa no Brasil e levá-lo ao atraso. Isso não é verdadeiro, isso não é leal. Ao contrário, quando se defende a necessidade de um tempo para que a comunidade científica dê um parecer que traga segurança às pessoas de que os produtos não lhe irão causar danos, estamos dizendo que a pesquisa, mais do que nunca, precisa acontecer, até porque não seria possível uma resposta daqui a dois, três, quatro ou talvez cinco anos, sem uma base científica que comprove dano à saúde ou ao meio ambiente. Não nos podemos conformar tão rapidamente com as posições assumidas pelos cientistas americanos e, particularmente, com uma influência muito grande da multinacional Monsanto, aceitando essas teses como se elas fossem a verdade verdadeira. Outros cientistas altamente confiáveis não consideram esses produtos devidamente seguros. Poderíamos até citar alguns casos. A Comunidade Européia e os japoneses hoje trabalham por um boicote a esses produtos, enquanto alguns pesquisadores dizem que eles trazem problemas à saúde e ao meio ambiente.  

Estudos realizados demonstram, por exemplo, que o milho geneticamente modificado causa a morte das borboletas que fazem a sua polinização, além de outros problemas. Essas alterações estão gerando resistência a antibióticos, o que é muito perigoso para a saúde pública, ainda mais que a mistura desses produtos geneticamente modificados, nos ecossistemas ao qual estão diretamente ligados, poderá causar alterações na fauna, na flora, em vários aspectos que não saberíamos precisar.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto de minha autoria que tramita nesta Casa pede uma moratória de cinco anos, tempo necessário para que se tenha a devida segurança com relação a esses produtos. Se chegarmos, por meio de pesquisa séria, sem a pressa e a pressão observadas para a liberação desses produtos, à conclusão de que realmente não apresentam problemas, não há necessidade de se esperar cinco anos. Mas não podemos fazer, como ocorreu no Brasil, uma lei tendenciosa que, sem competência para tal, instituiu que a CTNBio teria a competência de aceitar ou não que se fizesse estudo de impacto ambiental quando da liberação para o cultivo de produtos geneticamente modificados. A CTNBio não tem competência para dispensar estudo de impacto ambiental. Quem tem autoridade para isso são as instituições ambientais com reconhecimento para tal, mesmo assim não é recomendável, porque a Constituição Federal, a Lei Maior deste País, diz que determinadas práticas econômicas só poderão ser realizadas após o relatório de impacto ambiental.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Senadora Marina Silva, concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - É importante o cuidado que V. Exª tem com a saúde da população. Naturalmente, as nações mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, a Argentina e outras que plantam produtos geneticamente modificados, têm essa preocupação. O mundo inteiro consome soja transgênica. Hoje, metade da área cultivada dos Estados Unidos e quase a totalidade da Argentina é plantada com soja transgênica. O mundo inteiro consome óleo de soja transgênica. Um cientista disse-me que a semente de soja transgênica pode ser identificada por intermédio do DNA, mas que o óleo da soja transgênica não tem qualquer alteração capaz de ser apurada cientificamente. Se não plantarmos produtos transgênicos, modificados, será um atraso enorme para a Nação brasileira. Tenho efetivamente preocupações. O projeto que V. Exª tão bem intencionada apresentou no Senado não haverá de ter prosperidade, porque, senão, acontecerá com o Brasil agora o que aconteceu na época da informática, quando a reação à abertura do mercado de informática levou o País a uma situação de atraso nunca recuperada. Na agricultura, com os produtos modificados, não vemos até onde vai a ciência. É enorme o processo de modificação em benefício da população. Felicito-a pelo cuidado, mas penso exatamente o oposto de V. Exª.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - O importante é o debate que está acontecendo. Sempre defendo a tese de que, embora apaixonados nos debates, devemos ter uma postura de desprendimento com relação as nossas idéias, após ficarmos convencidos. E esse convencimento tem de ser feito em bases técnicas.  

Não compreendo os Estados Unidos como sendo todo o mundo. Trata-se de uma parte do mundo, uma parte com muita força política, econômica e científica, que não se constitui no todo do mundo. Até porque o Japão também tem força política, econômica e científica. Toda a Comunidade Européia tem bastante know-how científico. No entanto, eles questionam esses produtos.  

O Governo brasileiro encontra para esses produtos a saída da rotulação. Mas, de uma forma muito feliz, o jornalista Jânio de Freitas, na Folha de S.Paulo do dia 1º do corrente, num artigo intitulado "Agora é pela Boca", faz uma análise perfeita: essa idéia da rotulagem é mais uma espécie de maquiagem do problema, primeiro porque, para os cidadãos comuns, para as pessoas que vão ao supermercado, tanto faz se está especificado se há ou não soja transgênica. As pessoas não têm muitas condições de discernir se aquilo é ou não maléfico à saúde. Ele exemplifica alguns outros produtos, cujos rótulos mostram a presença de produtos químicos, de corantes, para os quais as pessoas não estão muito atentas. E é verdade! Aprendi a me preocupar com essas rotulagens porque tenho problemas de alergia. Não posso comer produtos com determinados tipos de conservantes químicos. Fui aprendendo, mas tive um trabalho enorme para fazer a diferenciação entre os que me causam ou não problemas alérgicos. No entanto, uma pessoa com poucas informações não tem condições de fazer esse discernimento.  

É importante o projeto que tramita na Casa sobre o assunto, e espero que a pressa e o interesse daqueles que querem atender à tese da liberação não prejudiquem o debate no Congresso Nacional. Como, nesse caso, os danos são irreversíveis, será muito perigoso não discutirmos o assunto.  

Haverá um seminário sobre esse tema, um trabalho do Senador Leomar Quintanilha, do qual iremos participar, dentro das possibilidades do Congresso Nacional. Espero que haja outras discussões nesse sentido. Inclusive o Relator do projeto que tramita nesta Casa deveria proceder a um amplo processo de audiências públicas, convidando os cientistas contrários e a favor dessa questão, visando a um posicionamento com relação ao projeto.  

Sr. Presidente, a Floresta Amazônica também nos causa preocupação, em que pesem os avanços ocorridos por intermédio de ações pontuais, de programas pilotos bem-sucedidos que se podem transformar em políticas públicas de desenvolvimento para a nossa região. Há também alguns avanços políticos, como a eleição de João Alberto Capiberibe e de Jorge Viana, que estão apostando na idéia do desenvolvimento sustentável e que, portanto, poderão ser uma referência positiva ou negativa: positiva, se as teses que estão defendendo constituírem um modelo que possa dar respostas econômicas, sociais e culturais para nossa região; negativa, se isso constituir um fracasso e se, realmente, prevalecer a tese daqueles que dizem que, para desenvolver a Amazônia, tem-se que derrubar a floresta para plantar capim ou fazer a exploração do ouro, jogando-se mercúrio nos rios; daqueles que vendem uma tora de mogno com 30 metros de altura e 2,2 metros de diâmetro por R$25,00 nos altos rios, a qual, depois, na Europa, transforma-se em camas que custam US$3 mil.

 

Para se ter uma idéia, uma árvore de mogno dá seis a oito metros cúbicos de madeira. Cada metro cúbico de madeira dá para fazer, pelo menos, cinco a seis camas. Cada cama custa US$3 mil na Europa, no entanto os seringueiros morrem de fome, vendendo toda a árvore por apenas R$25,00. Se essas teses permanecerem, com certeza, não prevalecerá a Amazônia.  

Entretanto, muitas pessoas, até aqueles que antigamente tinham um discurso nefasto ao meio ambiente, agressivo àqueles que defendiam essas teses, hoje, graças a Deus, já começam a perceber que esse caminho é insustentável, que a Amazônia não é eterna, que ela pode transformar-se em um grande deserto. Para evitar que isso ocorra, é preciso investir em tecnologia. São necessários investimentos que façam com que a parte que já está degradada, que já sofreu a ação do homem – há uma área significativa de ação antrópica na Floresta Amazônica –, seja mais bem aproveitada.  

A Embrapa tem estudos que nos dão conta de que podemos dobrar o nosso rebanho leiteiro, a nossa capacidade de produzir bovinos e suínos, sem precisar derrubar uma árvore. Há estudos que mostram que a lavoura branca – de feijão, arroz e milho –, como tradicionalmente vinha sendo praticada na Amazônia, é mais eficaz, se plantada no sul ou centro-sul do País. Em nossa região, o correto é apostarmos em cultura permanente, como, por exemplo, a pupunha, para a fabricação de palmito; é sermos capazes de implementar uma agroindústria que beneficie os produtos da floresta. Se, durante 100 anos, sobrevivemos com apenas dois produtos da floresta, a castanha e a seringa, quão não será positivo, se formos capazes de variar a nossa capacidade de explorá-los por meio dos avanços técnicos no campo da biotecnologia? Enfim, esses novos rumos que poderemos dar ao desenvolvimento da Amazônia é que garantirão a sua existência no futuro.  

Com relação aos projetos de assentamento, foram assentadas 166 mil famílias em áreas de floresta. No caso da Amazônia, a maior parte dos assentamentos está dentro da Floresta Amazônica, o que constitui um grande problema em termos ambientais. A pressão por terra ocorre no sul e centro-sul do Brasil; apesar disso, ela vai ser resolvida em nossa região, onde as condições são muito mais difíceis em termos de investimento, de infra-estrutura e assim por diante.  

E o que é produzido em termos de dióxido de carbono! No ano de 1998, 10% da quantidade de CO² que foi jogada na atmosfera foram provenientes das queimadas da Amazônia.  

São muitos os problemas que estamos vivendo em termos ambientais, o que faz com que se tenha uma atitude que, ao mesmo tempo, é de preocupação e de desafio – desafio que deve ser muito grande no sentido de darmos as respostas necessárias.  

O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) – Senadora, apesar do brilhantismo do seu pronunciamento, lembro V. Exª de que o seu tempo se encontra esgotado. Pediria a V. Exª que concluísse, o mais rapidamente possível, o seu pronunciamento.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a V. Exª por fazer oralmente a advertência. Eu estava de olho naquele "vagalume" que fica piscando na mesa. Como ele não piscava, considerei que estava muito à vontade.  

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de dizer que nós, no Congresso Nacional, podemos contribuir por meio da realização do seminário sobre os produtos geneticamente modificados e por intermédio de leis que possam efetivamente contribuir para que o Brasil realize o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, há dois projetos de lei de minha autoria: um regulamenta o acesso aos recursos da nossa biodiversidade e foi relatado, nesta Casa, com brilhantismo, pelo Senador Osmar Dias; o outro cria uma reserva do Fundo de Participação para os Estados com área de preservação permanente, tais como reservas extrativistas e florestais ou áreas indígenas, a fim de que tenham recursos para se desenvolverem de forma sustentável.  

Sendo aprovado este último, Estados como Roraima terão, aproximadamente, por ano, R$30 milhões para investimento em ciência e tecnologia, bem como para apoio à produção com vistas à qualidade ambiental. Estados, como o meu, que não contam com um centavo para investimentos, teriam, no mínimo, de R$18 milhões a R$20 milhões.  

Considero esta uma contribuição do Congresso Nacional, para que, em relação ao que as pessoas vêm reclamando tanto, que é uma regulamentação que diz como não pode ser feito e o que não pode ser feito, passemos para outra forma: como deve ser feito, algo que necessita de pesquisa, de apoio técnico e de recursos. Isso só poderá ocorrer, se for feita a parte do Estado.  

Pelo menos no que se refere a essas preocupações, sinto-me bastante à vontade, porque tenho oferecido contribuições na medida do possível, nesta Casa.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/1999 - Página 14637