Discurso no Senado Federal

REFORMA DO SISTEMA TRIBUTARIO.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • REFORMA DO SISTEMA TRIBUTARIO.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/1999 - Página 14722
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA, SIMPLIFICAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, AMPLIAÇÃO, ARRECADAÇÃO, COMBATE, SONEGAÇÃO FISCAL, ADOÇÃO, PROGRESSIVIDADE, TRIBUTAÇÃO, REFORÇO, FINANÇAS, MUNICIPIOS.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, RESULTADO, MOBILIZAÇÃO, PREFEITO, MUNICIPIOS, PAIS, APRESENTAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma tributária é, hoje, uma exigência da sociedade brasileira. É sob a pressão da sociedade, inconformada com o atual e injusto sistema tributário, que vão avançando as deliberações do Congresso Nacional sobre o tema. No momento, o Projeto de Reforma Tributária tramita na Câmara dos Deputados; em breve, chegará ao Senado. Esta Casa terá que se posicionar sobre o assunto. É oportuno, pois, levantá-lo e discuti-lo.  

Ao meu ver, Sr. Presidente, acima do grande número de questões fiscais específicas que teremos de debater, deve pairar uma visão unificadora sobre a reforma tributária: a de que ela deve se dar sob o signo da democratização. Sim, o País necessita urgentemente de um avanço inovador na forma da conquista da democracia tributária. Uma tal reforma significará o fortalecimento do pacto democrático que o Brasil já abraçou no sentido político. Agora, há que estendê-lo ao âmbito da economia.  

Porque, Sr. Presidente, o sistema tributário que hoje temos contraria nossas melhores aspirações democráticas. Ele oprime o cidadão comum com uma legislação ardilosa, que parece construída sobre a base da desconfiança mútua entre cidadãos e Estado. Isso representa, portanto, o inverso do ar que se deve respirar num pacto democrático. A estrutura de impostos que aí está asfixia as pequenas empresas e o assalariado, mas abre brechas que são aproveitadas pelas grandes empresas para não cumprirem seu dever fiscal. Onerando a produção brasileira, o sistema tributário gera desemprego, semeando injustiça social.  

Finalmente, a atual estrutura tributária solapa a Federação no sentido mais antidemocrático possível, ao deixar os municípios em extrema indigência fiscal. O Poder Público local, dessa forma, fica de mãos atadas frente às demandas das populações, que, como sabemos, vivem no Município antes de viverem no Estado ou na União.  

Sr. Presidente, está mais do que claro, hoje, que nossa tributação prejudica desnecessariamente a produção, travando o desenvolvimento econômico. São tributos em cascata, encarecendo o produto nacional, que precisa competir cada vez mais em escala global. São tributos, sobretudo, excessivamente complexos. Na verdade, temos um emaranhado de leis e normas que desestimulam o produtor, incentivam a sonegação e a corrupção, empurrando os agentes econômicos para a economia informal.  

É incalculável o número de empregos perdidos em virtude dessa opressão fiscal que pune a atividade produtiva. A passagem para a informalidade significa perda de qualidade nos empregos gerados. A complexa rede tributária, ao propiciar a sonegação, sabota o próprio sistema, prejudica o Poder Público, que, com isso, perde receitas.  

A sonegação e a evasão fiscal, que ocorrem em proporções gigantescas, são o certificado definitivo da falência do atual sistema tributário. O recente depoimento do Secretário da Receita Federal, nesta Casa, a propósito dessa questão, foi esclarecedor e espantoso. Declarou ele que existe no País um volume total de rendas da ordem de R$825 bilhões que escapa do alcance da Receita Federal, não recolhendo tributos federais. Certamente, parte desse volume é estimulada a fugir do dever de pagar impostos pela própria complexidade do sistema. Mas, grande parte dessa sonegação é fruto de mecanismos antidemocráticos gerados pelas atuais leis, as quais, ao mesmo tempo em que pressionam os pequenos agentes econômicos, deixam grandes brechas, exploradas por equipes de especialistas e consultores, contratados a peso de ouro para evitar o pagamento de tributos, favorecendo exatamente as maiores corporações.  

Segundo o Secretário da Receita Federal, dos 100 maiores pagadores da CPMF, em 1998, 48 jamais declararam Imposto de Renda; dos 66 maiores bancos, 28 não pagaram tributos; metade das 530 maiores empresas do País não cumprem suas obrigações com a Receita, recorrendo às tais brechas legais.  

Sr. Presidente, se o perfil de tributação e arrecadação exige reforma urgente, também é verdade que a maneira de partilhar os impostos no âmbito federal também requer reformas profundas. É preciso um novo pacto democrático a favor dos municípios, que, a partir da Constituição de 1988, vêm assumindo mais e mais atribuições e encargos, sem a contrapartida dos recursos.  

É interessante lembrar que todo esse arcabouço legal sobre o qual os Poderes Públicos municipais, estaduais e federal se assentam e se estribam é ainda da época do arbítrio, em que procuravam os ditadores trazer às suas mãos toda ou quase toda a renda nacional, ficando os Estados e os Municípios subjugados ao Poder Central, permanentemente jungidos à vontade deste, não podendo eles se insurgir contra as regras pelo poder estabelecidas.  

Pressionados pelas carências do povo e desfavorecidos pela atual divisão tributária no seio da Federação, os Municípios vêm travando uma brava luta. Em grande número deles surgiram programas exemplares de atendimento às necessidades sociais. O Poder Público local é, dentre todos, o mais sensível a essas demandas, o mais propenso a uma efetiva prática democrática. Todavia, as administrações das cidades estão falidas, estão obrigadas a mendigar verbas, quando deveriam estar aparelhadas do ponto de vista fiscal para cumprir suas tarefas e seus deveres.  

Essa situação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem provocado uma distorção, inclusive na ação dos Parlamentares que compõem o Congresso Nacional. Hoje, a ação de um Deputado não é medida pelos projetos de lei que apresenta, não é medida pelo desempenho nas tribunas da Câmara dos Deputados. A ação, o valor do Parlamentar por este Brasil afora se mede pelas migalhas que consegue buscar nos Ministérios para acalentar a fome e o desespero dos prefeitos municipais. É isso o que tenho visto no decorrer das campanhas. Quando um Deputado consegue R$50mil, R$100mil, junto a um Ministério, para determinado prefeito, é recebido com flores e é reeleito. Ninguém procura saber qual foi o projeto de lei que ele apresentou para aprimorar o nosso arcabouço legal. Assim as coisas vão acontecendo e o mundo político se deteriorando na concepção do povo brasileiro.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO) - Ouço o aparte do nobre Senador Casildo Maldaner.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento que faz nesta tarde em defesa do princípio federativo. É verdade que muitos daqueles que lutam para criar melhores mecanismos em todos os setores, quando voltam às suas bases, não são aplaudidos. Mas aqueles - conforme disse V. Exª - que conseguiram R$50 mil aqui, R$100 ali, são recebidos com flores. Isso, na verdade, retira o princípio federativo, quer nos Estados, quer nos Municípios. É lá nos Municípios que acontecem as coisas todo dia. Não é mais possível esse negócio de é dando que se recebe, buscar recursos daqui e de lá. O Governo Federal deve cuidar da segurança nacional, da soberania, e deixar acontecer as coisas do dia-a-dia, aquilo que é atividade humana em todos os setores, nos campos econômico, social e cultural. Por que querer acompanhar tudo? Por que centralizar?  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Casildo Maldaner, permita-me interromper V. Exª para que possamos prorrogar a sessão por mais 5 minutos, a fim de que V. Exª possa concluir o seu maravilhoso aparte, e o Senador Iris Rezende, o seu discurso.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Senador Iris Rezende, é o momento de fazer com que esse direito à soberania, esse direito de as pessoas exercerem as suas funções em todos os setores aconteça cada vez mais. O pronunciamento de V. Exª tem uma dimensão inestimável para as pessoas honradas, que sabem buscar o bem e não querem andar de pires na mão, que não querem mendigar. E V. Exª, Senador Iris Rezende, é o protótipo disso. Cumprimento V. Exª, com todo o respeito, por esta análise que faz na tarde de hoje da tribuna do Senado Federal.  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, pelo aparte de V. Exª, que veio valorizar o nosso pronunciamento nesta tarde. Uma questão que, como eu disse e V. Exª reafirmou, é palpitante. A cidadania vai se completar com a autonomia dos Municípios e dos Estados. O Poder Central deve ter obrigações mais específicas de segurança nacional, de coordenador de políticas, de aproximação dos Estados federativos. Não podemos deixar a sorte do povo, muitas vezes, entregue à vontade de um secretário de assistência social, que, pensando em se eleger deputado federal nas próximas eleições, carreia os recursos para os Municípios da sua preferência. E os demais? E os outros cinco mil Municípios? Temos que criar condições para que os Municípios tenham renda suficiente para acudir às necessidades do povo. São os prefeitos e os vereadores que sentem de perto as dores, as angústias, as aflições do povo, que muitas vezes não tem meio de transporte, que muitas vezes não tem remédio, que muitas vezes não tem médico, que muitas vezes não tem a estrada que permite o escoamento da produção. É o prefeito, então, que precisa de recursos para acudir aos seus munícipes e, conseqüentemente, o povo sofrido do interior brasileiro.  

Sr. Presidente, os Municípios precisam ver reforçadas suas receitas fiscais, tanto as receitas próprias como as de transferência. Hoje, em média, as gestões das cidades dependem, em dois terços, de transferências da União e dos Estados. Os recursos próprios variam muito. Por região, em ordem crescente, no Nordeste, representam 17,5%; no Norte, 19,7%; no Centro-Oeste, 20,1%; no Sul, 27,9%; e, no Sudeste, 39,2%. Uma nova estrutura tributária e seus critérios de partilha na Federação devem levar em conta essa grave diversidade.  

Sr. Presidente, é imprescindível que adotemos novas bases para fundamentar a reforma tributária que todos queremos. Essas diretrizes são: a simplificação do sistema; a ampliação da base arrecadadora; o combate à sonegação; a tributação progressiva e o fortalecimento das finanças municipais.

 

Um sistema tributário mais simples traria, com certeza, inúmeras vantagens para o País. Ele passaria a ser melhor conhecido pelo contribuinte, suscitando, entre este e o Fisco, maior confiança e tranqüilidade. Isso também reduziria os espaços hoje abertos à sonegação e à corrupção. Um conjunto de tributos simplificado conduziria à diminuição do ímpeto da guerra fiscal judicial que hoje ocorre em matéria tributária e que onera contribuintes e Poder Público. As empresas veriam aliviados os altos custos em que incorrem para manter serviços contábeis, fiscais e jurídicos.  

Ampliar a base de arrecadação significa alterar o perfil dos tributos de modo a alcançar um universo bem maior de contribuintes. Com menos brechas legais para a evasão fiscal, pode-se reduzir os mecanismos de pressão. Com menores alíquotas, mais empresas serão atraídas para a formalidade. O próprio aperfeiçoamento do sistema possibilitaria um drástico combate à sonegação.  

Os tributos progressivos devem ser priorizados. É preciso fortalecer o princípio de que quem ganha mais deve pagar mais. Isso reforçaria a legitimidade ética do novo sistema.  

A simplicidade, o aumento da base arrecadadora, a diminuição da pressão tributária, a perspectiva de se reduzir a sonegação e a maior legitimidade ética permitiriam que se firmasse um verdadeiro pacto a favor do pagamento de tributos em nosso País. Assim, um novo sistema que seguisse as diretrizes aqui alinhadas, fruto de deliberação do Congresso Nacional, dotado de autoridade democrática, ensejaria um avanço na consciência de cidadania. Ele produziria resultados positivos tanto para os governos, que veriam aumentada a sua arrecadação, como para os contribuintes, que teriam reduzida sua carga tributária.  

O fortalecimento das finanças dos Municípios é uma exigência democrática e deverá contribuir para o restabelecimento do equilíbrio no pacto federativo. A este respeito tem existido uma elogiável mobilização das bases, que resultou, recentemente, na apresentação da Carta Municipalista de Brasília. Este documento contém valiosas contribuições para a Reforma Tributária. Dessa Carta, podem ser destacadas as seguintes reivindicações:  

- compatibilização entre a estrutura tributária e as competências de cada nível de governo;  

- ampliação da base de transferência constitucional para os Municípios, com definição dos critérios gerais de partilha de recursos no texto constitucional;  

- alteração do conceito de taxas, de forma a permitir o financiamento de serviços urbanos a cargo do Poder Público municipal;  

- manutenção da autonomia dos Municípios para tributar, assegurando o ISSQN como competência exclusiva dos Municípios, com aprovação de lei complementar.  

Sr. Presidente, a retomada da democracia formal foi uma grande conquista de nossa sociedade. Mas temos de estender o conceito de democracia, conquistando a justiça tributária.  

Aprofundar as conquistas é fazer uma reforma tributária impregnada de visão democrática; é defender o pequeno, o local, o municipal; é impor um perfil tributário inteligente, eficaz; é defender, simultaneamente, um novo pacto, tendo por base a prosperidade econômica e a plena cidadania.  

Promovamos esse novo pacto. Esta Casa não há de faltar ao Brasil nesta hora.  

Sr. Presidente, muito obrigado.  

 

ur À E 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/1999 - Página 14722