Discurso no Senado Federal

DESGASTE DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DIANTE DAS DISPUTAS PELO PODER ENTRE OS DIVERSOS PARTIDOS DA BASE DE SUSTENTAÇÃO. SERIEDADE DAS ACUSAÇÕES ANUNCIADAS NA IMPRENSA CONTRA O SR. JOÃO BATISTA CAMPELO, INDICADO PARA A DIRETORIA-GERAL DA POLICIA FEDERAL.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • DESGASTE DO PRESIDENTE DA REPUBLICA DIANTE DAS DISPUTAS PELO PODER ENTRE OS DIVERSOS PARTIDOS DA BASE DE SUSTENTAÇÃO. SERIEDADE DAS ACUSAÇÕES ANUNCIADAS NA IMPRENSA CONTRA O SR. JOÃO BATISTA CAMPELO, INDICADO PARA A DIRETORIA-GERAL DA POLICIA FEDERAL.
Aparteantes
Maguito Vilela, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1999 - Página 15233
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, REDUÇÃO, PRESTIGIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, CONTROLE, CONFLITO, MINISTRO DE ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CASA MILITAR, INDICAÇÃO, CARGO PUBLICO, DIRETOR GERAL, POLICIA FEDERAL.
  • CRITICA, INDICAÇÃO, JOÃO BATISTA CAMPELO, DIRETORIA GERAL, POLICIA FEDERAL, MOTIVO, SUSPEIÇÃO, RESPONSABILIDADE, TORTURA, REGIME MILITAR, COMENTARIO, DENUNCIA, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA.
  • LEITURA, REQUERIMENTO, AUTORIA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, APRESENTAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, OBJETIVO, CONVOCAÇÃO, DEPOIMENTO, ESCLARECIMENTOS, ACUSAÇÃO, JOÃO BATISTA CAMPELO, DIRETOR, POLICIA FEDERAL, PARTICIPAÇÃO, TORTURA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem ocorrido nos últimos meses, neste segundo Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma preocupante manifestação de fraqueza do Governo, que passa para a população a imagem de falta de autoridade do Presidente; isto me preocupa, apesar de ser de um partido de Oposição, porque é péssimo para o Governo, mas é ruim para o País também, uma vez que a imagem de um governante fraco e de um Governo sem unidade contamina toda a sociedade e gera conseqüências de difícil previsão em termos de esgarçamento do tecido social.  

São ministros que se hostilizam publicamente, e o Presidente intervém de forma muito débil para sanar esses conflitos, passando, repito, essa idéia de que o País não tem pulso forte no comando.  

Esse episódio da Polícia Federal é emblemático, Sr. Presidente. Há mais de dois meses, a Polícia Federal, um órgão tão importante como esse, ficou entregue a um interino porque havia uma queda de braço entre o Ministro da Justiça e o Chefe da Casa Militar. Isso poderia ter sido resolvido de início pelo Presidente da República, se tivesse afirmado e demonstrado de forma explícita a ambos que a escolha, em face da pendência e do conflito, seria dele. Isso deveria ter sido feito há muito tempo, ainda que implicasse pedido de demissão de qualquer dos auxiliares ou de ambos.  

Isso não aconteceu. O Presidente escolheu um tércio tardiamente, e a crise não terminou. Para a infelicidade do Presidente da República, que foi muito mal informado pelo seu serviço de informações, o escolhido está sob acusação grave de ter, em tempos idos do regime militar, submetido pessoas - no caso dois sacerdotes - a sessões de tortura, o que, se comprovado, evidentemente o torna incompatível com o cargo para o qual foi nomeado.  

Isso não é dito pela Oposição, e sim até por um homem do Governo, amigo pessoal do Presidente da República, como o Governador Mário Covas.  

Sr. Presidente, o noticiário da imprensa demonstra que já não são acusações apenas levianas do sacerdote. As torturas realmente aconteceram, como se verifica no Jornal do Brasil de hoje que transcreve o laudo pericial feito à época pela Secretaria de Segurança Pública do Maranhão:  

"Refere que foi esbofeteado, amarrado nos pulsos e suspenso do solo. Ao exame, apresenta: duas escoriações no terço inferior do antebraço esquerdo, face posterior, medindo a maior dois centímetros de extensão por um de largura; e a menor, meio centímetro de extensão por um de largura; escoriação medindo um centímetro de extensão, por um e meio de largura, no terço inferior, face posterior do antebraço direito.  

O laudo confirma que o padre sofreu ofensa à integridade corporal ou à saúde e que essa foi produzida por instrumento contundente."  

As escoriações no pulso, uma fez que ele não foi algemado, prova que, ao que tudo indica, ele foi pendurado pelos pulsos, submetido, portanto, à tortura do pau de arara.  

A dúvida seria se o Delegado João Batista Campelo assistiu à tortura ou foi responsável por ela. Parece não haver dúvida, ou as dúvidas são muito poucas, Sr. Presidente. Isso é dito hoje pelo ex-Delegado Geral da Polícia Federal, Sr. Vicente Chelotti - o que é algo preocupante também. O Delegado Chelotti, da ativa da Polícia Federal, em uma entrevista hoje critica o Ministro da Justiça, o Chefe da Casa Militar e o Governo. Eis alguns trechos que V. Ex.ªs devem ter lido:  

Em primeiro lugar, declara que o diretor escolhido não será aceito pela corporação.  

"JORNAL DO BRASIL - As acusações e suspeitas de que ele tenha participado da tortura podem prejudicar seu comando?  

Vicente Chelotti - Com certeza. Para nós, isso é extremamente constrangedor, e, com certeza, se a acusação for comprovada, ele vai ter que sair. Mas, se ele for inocente, até que isso fique provado, ele terá dificuldades para desenvolver o trabalho dele. Ninguém vai entrar de cabeça e apoiar um líder, um diretor, um chefe, se ele está com uma pecha dessa natureza.  

JORNAL DO BRASIL - Em sua avaliação, a ênfase que o governo dá ao combate ao narcotráfico é só retórica?  

Vicente Chelotti - Isso, não se materializa, não se combate o narcotráfico sem dinheiro."  

Nesse ponto, critica o Governo.  

"JORNAL DO BRASIL - Os políticos integrantes do governo diziam que o senhor não controlava a polícia?  

Vicente Chelotti - Antes a PF era uma polícia capacha. Vários inquéritos foram arquivados porque estavam incomodando gente importante."  

É preciso saber que inquéritos foram esses e que gente importante é essa.  

"JORNAL DO BRASIL - A decisão do Ministro Renan Calheiros de afastar policiais foi um equívoco?  

Vicente Chelotti - Não no caso de todos.  

JORNAL DO BRASIL - Em quais casos?"  

Então relaciona os casos dos delegados que, segundo o Delegado Vicente Chelotti, foram afastados indevidamente pelo Ministro da Justiça, Renan Calheiros.  

E agora, Sr. Presidente, como ficamos? O Ministro da Justiça, constrangido com a nomeação de uma pessoa que ele não queria. A pessoa escolhida, acusada com indícios veementes, para não dizer com provas de que praticou tortura, incompatibilizado para o cargo. E agora um delegado critica todo o Governo, dizendo que o novo diretor não se sustenta. Não temos Governo neste País, Sr. Presidente? O País está sem comando, está havendo uma grave erosão da autoridade do Presidente da República.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Senador Jefferson Péres, quero cumprimentá-lo pela responsabilidade e pelo zelo político com que está tratando este assunto que é delicado e deixa estarrecida a sociedade brasileira, porque um órgão que tem função estritamente técnica, uma profunda responsabilidade em tratar de assuntos que digam respeito, desde a segurança nacional, como o problema do narcotráfico, até a integridade da sociedade brasileira, tornou-se um ambiente que chega a lembrar a promiscuidade política das bases podres de uma elite decadente que tem tomado conta deste País e começa a reagir no sentido de renovação interna. Eu também sinto falta de autoridade política clara nesse episódio e confesso que fiquei muito triste ao ler essa entrevista no Jornal do Brasil. Realmente, o Sr. Vicente Chelotti tem um manifestação nitidamente política como quem se afirma assim: "Vou dar a última martela para derrubar esse Sr. Campelo". Há hoje uma disputa nitidamente presente na Polícia Federal de apadrinhamento político e de sustentação em cima de um partido ou outro quando não é essa a função. Já não bastava para nós, da sociedade, uma duplicidade de funções, uma confusão entre a Agência Brasileira de Inteligência e a Polícia Federal, uma reedição ou não do FMI, agora um debate político; parece até que o Parlamento se transferiu para a esfera do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. Concordo de forma absoluta com o pronunciamento de V. Exª e espero sinceramente que o exercício da autoridade política se faça presente imediatamente para sanar um assunto que não se justifica continuar da forma como está, ainda mais com essas dúvidas de uso de arbitrariedade como foi o caso da denúncia da tortura. Muito obrigado.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado Senador Tião Viana, se já era grande o constrangimento do nosso colega Ministro Renan Calheiros, vai ser duplo hoje no seu encontro com o Presidente da República. Eu não gostaria de estar no lugar daquele colega. Cada um sabe de si, Sr. Presidente, mas eu não seria mais Ministro da Justiça deste País.  

Sr. Presidente, não sei qual será o desfecho deste caso: para o Governo será um constrangimento muito grande ter que demitir ou nem dar posse ao delegado escolhido e se der posse correr o risco de ter que demiti-lo daqui a uma semana, se as acusações forem, como parece, comprovadas.  

É por isso que o Senador Eduardo Suplicy me pediu que lesse o requerimento que vai apresentar amanhã na Comissão de Justiça e Cidadania e que terá o apoio dos Senadores e Blocos da Oposição, nos seguintes termos:  

"Requeiro, nos termos regimentais, sejam ouvidos pelo Plenário desta Comissão o atual Diretor da Polícia Federal, João Batista Campelo, o ex-Padre, Professor Universitário José Antonio Monteiro e Dom Xavier Mopeu, a fim de que sejam esclarecidas denúncias feitas pelo segundo contra o primeiro, no sentido de que teria sido preso em 1970, por subversão, no Maranhão e submetido a torturadas pelo citado Diretor da Polícia Federal, devendo ser explicados aos demais membros da Comissão que ditas arbitrariedades foram confirmadas pelo hoje Bispo de Viana Maranhão, Dom Xavier Mopeu, que foi preso com o ex-Padre, consoante se observa da leitura de reportagem veiculadas nas revistas Época e Veja do dia 14 de julho de 1999.  

Brasília, 14 de junho de 1999  

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy."  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Permita-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Com muito prazer.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Senador Jefferson Péres, V. Exª, com muito brilhantismo, está abordando um tema que tem que ser motivo de preocupação para todos nós. Confesso a V. Exª que não conheço profundamente o caso, mas não posso entender que um ex-padre, naquela idade, um homem com aquela responsabilidade possa vir perante a Nação mentir que foi torturado. Nós temos que estar muito atentos a esses problemas e digo a V. Exª por quê. Porque, no meu Estado, a Imprensa dá conta de torturas não no passado mas agora, de uma semana atrás, inclusive, foram afastados dois ou três diretores do Centro Penitenciário do meu Estado em virtude de torturas praticadas aproximadamente há dez dias. Isso é um exemplo extremamente grave para o restante do País. Outro fato, Senador Jefferson Péres: há pouco mais de um mês, a polícia invadiu a Universidade Federal de Goiás e atirou contra trabalhadores que estavam em busca de emprego. Um deles, um pai de família, morreu, deixando três crianças órfãs. Veja V. Exª: a polícia invadiu a Universidade Federal do meu Estado e atirou contra um cidadão indefeso, que estava em busca de emprego! Assim, recentemente, de trinta dias para cá, houve a morte de um trabalhador que buscava emprego e denúncias de torturas no Centro Penitenciário. Não posso pensar que não houve torturas, porque, caso contrário, não teria havido a demissão dos diretores daquela Casa. O País precisa ficar atento a esses episódios que estão acontecendo aqui e acolá. O Governo precisa agir severamente, dando exemplo, não colocando aqui torturadores do passado, até para não motivar torturadores do presente. Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento, que é da maior oportunidade. Obrigado.

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Senador Maguito Vilela, a denúncia que V. Exª faz agora me surpreende muito: a invasão da Universidade Federal de Goiás pela polícia. Isso eu só vi no regime militar e em algumas universidades, como a de Brasília, por exemplo. No regime democrático, não me lembro de o recinto sagrado da universidade ter sido violado pela polícia. De forma que lamento muito que isso tenha acontecido em Goiás. V. Exª tem toda razão: tortura é crime hediondo. É crime hediondo, Sr. Presidente! Não pode ser nomeada, não pode se manter como diretor da Polícia Federal, uma pessoa acusada desse crime, com indícios veementes de que a acusação é verdadeira.  

Como disse o Senador Maguito Vilela, além dos elementos probatórios, como o laudo pericial, há o depoimento do bispo. É difícil conceber que um padre com aquela idade viesse simplesmente caluniar o delegado em virtude de mágoas passadas. Das duas uma, ou o padre é semilouco, é mentiroso, ou as acusações são verdadeiras; e se o forem, o Sr. João Batista Campelo não poderá ser diretor da Polícia Federal, porque a sociedade não pode tolerar isso. E se a isso se junta o fato de um delegado como Vicente Chelotti julgar-se no direito de dar uma entrevista criticando o Governo e o seu superior hierárquico, que é o Ministro da Justiça, então, Sr. Presidente, o Governo realmente está quase acéfalo por falta de pulso do Senhor Presidente da República. Repito, não estou dizendo isso com alegria. Não é um Senador da Oposição que tenta atingir o Presidente da República. Estou muito preocupado ao dizer isto: ou o Presidente Fernando Henrique Cardoso realmente intervém para impor a sua autoridade e sair dessa crise engrandecido, ou o seu Governo começa a acabar.  

Era o que tinha a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1999 - Página 15233