Discurso no Senado Federal

EQUIVOCO EM ATRIBUIR AOS ESTADOS UNIDOS UMA POSTURA IMPERIALISTA EM RELAÇÃO A GUERRA DOS BALCÃS, MENOSPREZANDO A OPRESSÃO DE ORIGEM ETNICA SOBRE OS KOSOVARES.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • EQUIVOCO EM ATRIBUIR AOS ESTADOS UNIDOS UMA POSTURA IMPERIALISTA EM RELAÇÃO A GUERRA DOS BALCÃS, MENOSPREZANDO A OPRESSÃO DE ORIGEM ETNICA SOBRE OS KOSOVARES.
Aparteantes
Artur da Tavola, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1999 - Página 15172
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, OPINIÃO, ORADOR, RESPONSABILIDADE, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, IUGOSLAVIA, OCORRENCIA, GUERRA, CONFLITO, GRUPO ETNICO.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, IMPERIALISMO, MEMBROS, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN), ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, INEXISTENCIA, INTERESSE ECONOMICO, INTERESSE MILITAR.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha presença nesta tribuna é também para abordar o fim da guerra dos Balcãs, mas numa linha bastante diferente daquela do Senador Artur da Távola, que fez considerações filosóficas em torno da guerra, com um excesso de pacifismo com o qual, perdoe-me, Senador, não concordo. Vou fazer considerações mais realistas e mais objetivas.  

O Senador Artur da Távola terminou seu pronunciamento dizendo que o ditador Slobodan Milosevic é também responsável pela guerra. Ele não é também responsável pela guerra, Senador, perdoe-me. O governo iugoslavo é o único responsável por essa guerra. É o único! Guerra que não me agrada - guerra alguma me agrada, toda guerra é, realmente, um horror, porque causa destruição e morte -, mas negar que ela foi provocada pela opressão que estavam sofrendo os kosovares de etnia albanesa por parte do governo iugoslavo, algo que beirava o genocídio, é negar a evidência dos fatos.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Senador, não quero interrompê-lo, mas eu não neguei. V. Exª disse que negar que tudo foi causado pela opressão feita pelos sérvios ao povo albanês é a causa; eu não neguei que essa seria a causa. Só esse pequeno reparo, para que V. Exª possa continuar a brilhar, como sempre.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Fica, então, a retificação.  

Não concordo absolutamente, não posso concordar, nem entender, Sr. Presidente, que setores de esquerda - não é o caso do Senador Artur da Távola - comparem a intervenção militar na Iugoslávia, mediante bombardeios, com às guerras imperialistas do passado. Isso é de uma miopia, para não dizer cegueira, que me deixa pasmado. São guerras, por sua natureza, absolutamente diferentes.  

No passado, as grandes potências agrediam países mais fracos, ou guerreavam entre si, para expandir os seus territórios numa guerra de dominação e conquista, ou então para conquistar mercados numa guerra de natureza econômica, que implicava opressão de outros povos. Eram guerras de conquista, eram guerras realmente imperialistas. Compará-las com uma intervenção passageira, que não pretende conquistar nem oprimir outros povos, mas que, ao contrário, foi deflagrada para evitar que um povo inteiro, os 800 mil kosovares, fossem expulsos de suas terras, fossem massacrados, as mulheres violentadas, os homens presos, torturados e milhares sendo obrigados a se refugiar, criando problemas internacionais, porque estavam se alojando na Macedônia, país pequeno, pobre, que não tinha absolutamente condições de absorver aquela massa imensa de refugiados. Dizer que isso era um problema interno da Iugoslávia! Dizer que o mundo deveria assistir a isso de braços cruzados! Sr. Presidente, com absoluta certeza, se a OTAN não tivesse feito a intervenção, essas mesmas vozes estariam aqui, agora, dizendo em toda a imprensa mundial, nos muros das cidades, em pronunciamentos pelos mais diversos meios, estariam condenando as grandes potências e lhes cobrando uma intervenção, dizendo que as grandes potências eram hipócritas porque haviam intervindo no Iraque, porque lá tinham interesse no petróleo, e agora, porque não têm interesse econômico absolutamente nenhum no Kosovo, que é uma província iugoslava paupérrima, sem riqueza minerais, sem coisa nenhuma, as grandes potências estariam sendo crucificadas agora, acusadas de assistirem, de braços cruzados, ao massacre do povo albanês, porque não tinham interesse econômico naquela área. Com absoluta certeza, Sr. Presidente, seria esse o discurso. Como intervieram, agora são acusados de imperialistas. Imperialistas por quê? Vão ocupar a Sérvia? Vão dominar a Sérvia? Têm algum interesse econômico ali? Qual? Qual a importância econômica do Kosovo para os Estados Unidos? Absolutamente nenhuma. Qual a importância estratégica daquela região, num momento em que não existe mais guerra fria? Não existem lá bases navais, bases aéreas; não é passagem obrigatória em direção a nenhuma área importante ou área de conflito. Não há interesse nenhum.  

Creio que, por mais difícil que seja para todos nós aceitarmos isso, foi uma guerra, de caráter humanitário sim, que infelizmente custou morte e destruição à Sérvia, mas que vai acabar com uma política sistemática de destruição da etnia albanesa no Kosovo.  

Dizer que é interesse da indústria bélica, como? Não houve aumento nenhum da produção de aviões, nem de tanques, nem de canhões por causa da guerra na Iugoslávia1 Absolutamente nenhum aumento de produção! A OTAN perdeu dois aviões apenas; não perdeu nenhum tanque, porque não houve guerra terrestre. Qual o interesse da indústria bélica nessa guerra? Meu Deus do céu, não vejo nenhum!  

Sei que o senso comum não aceita isso. Não entra na cabeça dos que estão com ela no passado que possa haver uma intervenção militar sem um interesse econômico ou estratégico. Nessa não houve. A verdade é essa. Deveríamos estar com dor na consciência, isto sim, se continuasse o massacre do povo albanês.  

Não concordo com essa posição de alguns setores de esquerda, não aceito - eu que me considero um homem de esquerda - em nome da satanização dos Estados Unidos. Porque vêem os Estados Unidos, como vêem os fundamentalistas islâmicos do Irã, como o grande satã. Vem dos Estados Unidos, são contra. Essa, infelizmente, é uma posição emocional, não racional. Não tenho maior simpatia pelos Estados Unidos, não nego nenhum de seus pecados. Agora, negar que eles agiram corretamente nesta guerra, apenas porque são os Estados Unidos e, implicitamente, defender um ditador como Slobodan Milosevic, tenham paciência! Na defesa de um conceito absoluto de soberania? Que soberania é essa? E a autodeterminação dos povos? E o direito dos 800 mil albaneses de não serem massacrados, de sobreviverem? Tínhamos que ficar de braços cruzados? Todos os esforços diplomáticos foram feitos e fracassaram pela intransigência do ditador, que, agora, proclama vitória! Mas, como? Ele teve de aceitar, pela força, exatamente as condições que dizia antes serem inaceitáveis. Como todo ditador, nega a evidência e mente deslavadamente para iludir a população, o povo iugoslavo, o povo sérvio.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - V. Exª, com a segurança e a seriedade de sempre, aborda o tema, e eu fico um pouco com a sensação de fracasso, não porque concorde com V. Exª e tenha fracassado com meus argumentos, mas de não haver sido claro em meus argumentos. É até possível que, ao falar, a carga sobre o aspecto militar e guerreiro desse episódio, em meu pronunciamento, tenha sido maior do que a carga sobre os desmandos, os absurdos e as violências do ditador Milosevic, embora eu tenha falado nele. É possível que isso tenha dado a V. Exª a idéia de que eu estou nessa posição, como V. Exª chamou, exacerbada, de negar tudo que é dos Estados Unidos. Não é o caso, até porque, ao contrário de V. Exª, eu sou admirador dos Estados Unidos. Não aceito, evidentemente, a posição que esse país sempre se arrogou de polícia do mundo. Mas, o que justamente eu estava tentando dizer não era puxar a razão para um lado ou outro. Eu estava tentando fazer um debate sobre o absurdo da solução guerreira para isso. É esse absurdo que me parece ameaçar a ordem mundial. Porque resolve, pela guerra, e de modo eficaz, uma questão que se repete, de modo diferente, em vários países do mundo, em várias regiões do mundo. Era só isso. Apenas para que, como V. Exª é extremamente talentoso, muito inteligente, argumenta com grande clareza, eu não veja destruída essa minha proposta de paz, que pode parecer a proposição favorável a um dos lados, o que, no caso, não existiu. Agradeço a V. Exª.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Senador Artur da Távola, veja a infeliz coincidência! Eu estava inscrito para falar sobre o fim da guerra nos Balcãs. Ia fazer carga contra certos setores da esquerda que, equivocadamente, se manifestam de forma contrária à guerra para defender Slobodan Milosevic, apenas porque os Estados Unidos são os interventores.  

Por coincidência, como eu disse, V. Exª fez considerações filosóficas em torno da guerra. V. Exª é um humanista e vê com horror a guerra, assim como eu. Toda guerra é ruim, mas, como diziam os romanos, " si vis pacem para bellum " – "se queres a paz, prepara-te para a guerra"–, porque, se não nos prepararmos para ela e não estivermos armados, vamos ser vítimas da audácia...  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Senador Jefferson Péres,...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Senador Pedro Simon, já lhe cedo o aparte, uma vez que V. Exª veio de lá e adentrou neste plenário para me apartear. Vou ouvir seu aparte!  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Peguei emprestado um casaco e uma gravata para vir ao plenário para aparteá-lo.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ótimo. Venha quente, que estou fervendo, Senador Pedro Simon! Será ótimo o debate. Adoro debater idéias.  

Senador Artur da Távola, digo-lhe, com a maior sinceridade, que esta minha veemência, este meu tom até agressivo, é contrária àqueles que realmente condenam essa intervenção como se fosse uma guerra imperialista. Penso que isso é miopia, cegueira. Realmente, não aceito isso.  

Concedo-lhe o aparte, Senador Pedro Simon. E vamos ao debate!  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Eu estava passando por aqui para me inscrever para falar na segunda-feira; vou felicitar – o que é uma coisa rara – o Governo, o Presidente Fernando Henrique, o Ministro do Exército e a todos, pela reabertura do caso do Riocentro. Creio que esse foi um gesto do Governo da maior importância, do maior significado. Aí me surpreendo, quando estava aqui ao lado, com essa manifestação. Não reconheci a voz de V. Exª num primeiro momento. Vou ser muito sincero: tudo o que eu disser – sou o primeiro a reconhecer – é eivado de suspeita, porque hoje sou uma pessoa que tem restrições enormes aos Estados Unidos. Até não nego que tenho um pouco de inveja daquele país onde tudo dá certo. É o dono do mundo. Lá a inflação é zero, como também o é o déficit orçamentário, mesmo depois de muito tempo de Governo do Presidente Bill Clinton. A taxa de desemprego é a menor da história, e os americanos nunca viveram tão bem como agora. Eles são os policiais do mundo. A polícia do mundo é os Estados Unidos. Acho isso um absurdo, Senador. Nem no tempo do Império Romano havia isso, porque, naquele tempo, as tropas romanas dominavam, mas não tinham o domínio cultural. Não havia a televisão. Os países dominados tinham a sua música, a sua religião, a sua história, a sua biografia. Cristo nasceu e desenvolveu o Cristianismo em pleno domínio romano. A Palestina era dominada pelos romanos, o que não impediu de nascer o Cristianismo, de eles terem suas idéias e seus princípios, e os romanos os respeitavam. Hoje, há uma lavagem cerebral, com a televisão a distância, com a NET, com a música americana. Na França, há um projeto de lei que visa salvar o filme francês, a música francesa, a língua francesa, e proibir que os termos ingleses sejam utilizados na economia, na área social, nos nomes das lojas, das fábricas e dos principais utensílios franceses. Não nego que penso isso. Agora, meu querido Senador, V. Exª achar que o americano entrou... Em primeiro lugar, estou de acordo com V. Exª. O homem é um facínora; não o defendo, pois ele é um monstro. Quanto a isso, não tenho nenhuma dúvida.

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Mas se depender de V. Exª, ele fica lá, massacrando os albaneses.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Não. Se dependesse de mim...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Se depender de V. Exª, ele fica lá.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Não. Se dependesse de mim, iríamos encontrar uma fórmula de se discutir essa questão junto à ONU...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - V. Exª não quer fazer nada para evitar que ele continue o massacre. V. Exª não é realista.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Mas, se dependesse dos americanos, que mataram chilenos de montão...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Não aceito esse tipo de posição. Já lhe concedi o aparte.  

Sr. Presidente, assegure-me o direito da palavra. Está para terminar a sessão, e quero terminar o meu discurso. Já ouvi o Senador Pedro Simon, e já sei qual é a sua posição.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª tem a palavra, nobre Senador Jefferson Péres.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado, Sr. Presidente.  

Sr. Presidente, se dependesse desses pacifistas, o Iraque continuaria com o Kuwait anexado, os curdos e os albaneses continuariam sendo massacrados, os Saddans Husseins e os Slobodans Milosevics continuariam massacrando e se expandindo.  

Chamberlain é o exemplo da história, Sr. Presidente. Chamberlain, o Primeiro-Ministro inglês, foi a Berlim para pacificar Hitler. Concordou com a anexação dos sudetos, com o roubo de uma parte do território da Tchecoslováquia. E voltou para Londres dizendo: "A paz está ganha". Ele apenas, Sr. Presidente, com aquele gesto de capitulação, deu asas a Adolf Hitler. Se a Inglaterra e a França tivessem reagido no início, teriam matado no nascedouro o ovo da serpente, e a humanidade não teria passado pela Segunda Guerra Mundial, nem pelo Holocausto.  

Sr. Presidente, o único pecado da intervenção da OTAN é o de esta ter sido feita...  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Senador Jefferson Péres,...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Sr. Presidente, estou com a palavra. Não cedi mais aparte ao Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Tenho medo de que, daqui a 20 anos, V. Exª esteja chorando quando forem jogadas bombas lá na Amazônia, por causa da interferência internacional.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Fazendo soar a campainha.) - Eminente Senador Pedro Simon, V. Exª já teve a oportunidade de apartear o eminente Senador Jefferson Péres, que é o dono da palavra neste momento. Gostaria que V. Exª compreendesse isso.  

Tem assegurada a palavra o nobre Senador Jefferson Péres.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - O Senador Pedro Simon é democrata, mas não suporta ouvir os argumentos alheios. Ele quer interferir, tomando o meu tempo. Mas comigo não, Senador! Somos amigos, mas respeite o meu direito de usar a tribuna. Vou continuar com a palavra, Sr. Presidente.  

O único pecado dessa guerra foi o de ter sido feita fora do marco da Organização das Nações Unidas. Preocupa-me que uma aliança de países se arvore o direito de intervir em outros países. Creio que a maneira correta de agir seria a que foi utilizada no Iraque, com a aprovação da Organização das Nações Unidas, que é uma entidade supranacional, onde estão representados todos os países do mundo. Quanto a isso, penso que a intervenção da OTAN, unilateral, é preocupante. Agora, quanto ao caráter humanitário da intervenção, disso estou absolutamente convencido, Sr. Presidente.  

Penso que são ingênuos - para dizer o mínimo - aqueles que, querendo ou não, implícita e involuntariamente, estão defendendo ditadores que não apenas oprimem seu povo, como também massacram outros povos. E a isso a humanidade não pode assistir de braços cruzados.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1999 - Página 15172