Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A POSSIBILIDADE DE CISÃO DE FURNAS, CASO PRIVATIZADA DESTACANDO A VIABILIDADE DA PULVERIZAÇÃO DE SUAS AÇÕES.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A POSSIBILIDADE DE CISÃO DE FURNAS, CASO PRIVATIZADA DESTACANDO A VIABILIDADE DA PULVERIZAÇÃO DE SUAS AÇÕES.
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1999 - Página 15184
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, CISÃO, FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS), HIPOTESE, PRIVATIZAÇÃO, PREJUIZO, ESFORÇO, GOVERNO, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, SETOR PRIVADO.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, AGREGAÇÃO, FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS), SUGESTÃO, POSSIBILIDADE, CONSUMIDOR, ENERGIA ELETRICA, AQUISIÇÃO, AÇÕES, BOLSA DE VALORES, REFORÇO, CAPACIDADE, INVESTIMENTO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei bastante breve. Venho à tribuna, hoje, para registrar uma posição e uma preocupação que tenho acerca do setor elétrico brasileiro, onde militei como engenheiro eletricista que sou e como dirigente de empresas do setor elétrico durante vinte anos.  

O Brasil passa por um momento importante de modernização de sua infra-estrutura de serviços públicos e o setor elétrico brasileiro passa também por um momento importante de modificações. Não tenho dúvidas de que acertou o Governo no momento em que implantou a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel, como órgão regulador capaz de dirigir não somente neste momento de transição, como depois, uma nova fase do desenvolvimento econômico brasileiro em que parte importante dos investimentos do setor elétrico vêm do setor privado.  

A minha preocupação, Sr. Presidente, está pontuada na questão específica de Furnas. Furnas Centrais Elétricas têm a responsabilidade, hoje, por aproximadamente 60% do fornecimento de energia elétrica do Sudeste e do Centro-Oeste brasileiro. Fornece, por exemplo, 75% da energia que se consome no Rio de Janeiro, quase 100% da energia que se consome em Brasília e, mais do que isso, as linhas de transmissão de Furnas fazem a interligação da Região Sul e Sudeste com a Região Norte e Nordeste.  

Através das linhas de Furnas, a energia elétrica gerada em Itaipu abastece os grandes centros consumidores do Sudeste brasileiro e se interligam ao Sistema Tucuruí, ao Sistema Norte/Nordeste. Muito bem!  

Há no Brasil os que são contrários e os que são favoráveis à privatização de Furnas. E eu penso que esse não é o verdadeiro dilema. A questão importante é como Furnas deve atuar dentro do setor elétrico brasileiro. E eu quero trazer aqui uma contribuição e uma preocupação ao Sr. Presidente e aos Srs. Senadores. Fala-se, hoje, numa possível e iminente cisão de Furnas, ou seja, a empresa Furnas seria dividida: a parte de transmissão se constituiria numa empresa e a parte de geração se constituiria em duas outras empresas.  

O que me preocupa nisso? Algumas coisas. Primeiro, no momento em que você divide Furnas, cada unidade geradora, cada linha de transmissão passa a ter o seu valor próprio. Enquanto Furnas é uma empresa unida, integrada, além dos valores próprios de cada unidade de geração e transmissão, ela tem também uma valor agregado, uma valor estratégico, como empresa de energia elétrica. É por esse valor agregado, por esse valor estratégico que Furnas tem conseguido dar, por ano, um resultado positivo da ordem de meio bilhão de dólares. Mais do que isso: é por esse valor agregado que Furnas tem tido condições de capitar recursos para os seus investimentos, que são fundamentais para que o Brasil vá gradativamente aumentando o seu parque gerador para fazer face ao desenvolvimento desejável.  

Ora, dividir Furnas é dividir, também, o seu maior patrimônio que são os seus recursos humanos, a inteligência dos seus mais de mil engenheiros, grande parte deles com pós-graduação, com doutorado e que, na verdade, representam o grande cadastro do potencial hidrelétrico brasileiro.  

Fica comigo a seguinte pergunta: por que Furnas? Se o desejo é privatizá-la, é buscar capital privado para gerar energia elétrica, aí, eu não tenho nenhum preconceito e não tenho nada contra. Penso que o Governo deve, efetivamente, buscar investimentos do setor privado para construir usinas, para construir linhas de transmissão, até para aliviar o Estado brasileiro dessa responsabilidade e para que ele possa investir esses recursos em escolas, em hospitais, em segurança pública e em necessidades mais prementes, atinentes à atuação do Estado. Portanto, não tenho nada contra se buscar capital privado, mas eu perguntaria: por que Furnas não poderia ser mantida inteira enquanto que essa busca de capital, por exemplo, se daria, gradativamente, através da pulverização de ações na Bolsa de Valores, para que todos os cidadãos brasileiros, todos os consumidores de energia elétrica pudessem comprar o seu quinhão de ações, assim como os grandes investidores, fortalecendo a capacidade de investimento de Furnas?  

E se amanhã o capital privado for majoritário? E se amanhã o capital privado for dono de 70%, 80% de Furnas? Nada contra. Mas Furnas mantida íntegra, mantida inteira, continua tendo uma capacidade estratégica de captação de recursos, de investimentos planejados no setor elétrico brasileiro.  

Essa parece-me a questão fundamental a ser discutida.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Furnas é uma empresa que tem 43 anos e, nesse período, contribuiu, com a sua inteligência e experiência acumuladas, na construção das grandes usinas hidrelétricas brasileiras e na construção do nosso sistema de transmissão.  

É preciso dizer que o Brasil, hoje, tem um sistema de transmissão de energia elétrica que não perde nada, a nível tecnológico e da sua capacidade de transmissão, para nenhum país desenvolvido do mundo. Isso se deve ao investimento que a sociedade brasileira fez. E o fez na Cemig, na CESP, mas, principalmente, através de Furnas. Foi essa inteligência e essa experiência que nos ajudou a construir Itaipu. Foi essa inteligência que construiu - e o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a construir - por exemplo, linhas de transmissão de 500 KW. É esse sistema de transmissão que permitiu que as nossas longas distâncias - e o Brasil é um país continental - pudessem ser cortadas por linhas de transmissão, sem perdas muito grandes. Foi Furnas que desenvolveu o sistema de capacitores e de compensação de reativos.  

Furnas, portanto, vale muito mais do que o preço de uma usina, do que o preço de uma linha de transmissão. Há um valor agregado incomensurável que, enquanto Furnas se mantiver como uma única empresa, tem que ser considerado. Ou seja, se dividirmos Furnas e vendê-la em pedaços, o resultado para o Governo, fatalmente, será menor do que ela vale inteira.  

Aí ficaria a seguinte indagação: como ninguém no mundo, nenhum grupo econômico teria dinheiro para comprar Furnas inteira, se partirmos para a idéia de que, para o modelo de desenvolvimento brasileiro, seria interessante ter Furnas unida e se a questão é como viabilizar recursos do setor privado para investir na empresa, há o caminho da pulverização de ações e o da Bolsa de Valores; caminho esse que é democrático, transparente.  

Falo aqui como Senador do PSDB e como uma pessoa que trabalhou no setor elétrico vinte anos e que deseja que esses objetivos de Governo sejam cumpridos, porque são importantes para o País. É importante chamar o capital privado para atuar no setor elétrico e diminuir o seu déficit público. Mas quero levantar uma dúvida, uma preocupação. Não sou o primeiro que o faço desta tribuna, o Senador Arlindo Porto fez aqui um discurso com conteúdo, demonstrando, também ele, as suas preocupações.  

Penso que nós, que somos aliados do Governo, temos que também fazer as nossas críticas construtivas, as nossas ponderações, para contribuir com o planejamento governamental. E esse é um ponto que merece ser melhor estudado e melhor discutido com a sociedade brasileira e com o Congresso Nacional.  

O Sr. José Fogaça (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF) - Pois não, Senador José Fogaça.  

O Sr. José Fogaça (PMDB-RS) - Senador, fico muito satisfeito de ouvir as suas palavras, e aprendo muito com o pronunciamento de V. Exª, já que V. Exª é uma espécie de intelectual orgânico do setor de energia elétrica, ou seja, uma liderança que emerge dessa área para uma representação nacional. Pondero junto a V. Exª que, de fato, seria uma melhor saída a Bolsa de Valores, se tivéssemos, no Brasil, um verdadeiro mercado de capitais, um verdadeiro, efetivo, democrático, aberto e com ampla participação da população, como ocorre nos Estados Unidos, onde velhinhas do Iowa se reúnem todas as tardes de sábado para estudarem, junto com um especialista, orientador, ou não, quais as ações que vão comprar na Bolsa de Nova Iorque. E o fazem, muitas vezes, com grande lucratividade, com grande ganho para aquela comunidade. No Brasil, não temos essa prática de participação social, de participação ampla, verdadeiramente popular em nosso mercado de capitais. Trata-se de meia dúzia de investidores, restritos, limitados, que tornam inviável fazer aquilo que a Inglaterra fez com as suas ações de energia elétrica: colocá-las à venda, para uma verdadeira aplicação de shared bônus, que é a venda pulverizada das ações. Os estudos comprovaram que, caso se fizesse isso com uma empresa de grande porte - e V. Exª está dando o exemplo de Furnas -, esse exemplo nunca foi aplicado. Mas outros exemplos abordados e projetados mostraram que caso o Brasil abrisse as ações de algumas grandes empresas na área de Telecomunicações ou de Energia Elétrica, na Bolsa de Valores, pela baixa procura, pela inexistência de um mercado aberto, mas inteiramente concentrado, aconteceriam duas coisas: ou se daria uma queda brutal do valor das ações e, portanto, uma queda do preço de venda dessas empresas, o que significaria, portanto, desavir-se com o interesse público, ou seja, quanto maior o volume e quanto maior o preço, melhor para o Governo, melhor para o bem público. Haveria uma queda, uma caída desse preço e, portanto, uma perda no sentido do interesse público. Por outro lado, caso grandes consórcios se reunissem para comprar essas ações, teríamos, possivelmente, um controle setorial aqui e ali, sem a organicidade que haveria na forma, digamos assim, corretamente organizada de alocação desses recursos que uma repartição, uma divisão anterior, feita sob a orientação do Governo, poderia presidir e determinar. Estou fazendo essas observações porque também as ouvi de outros experts, como V. Exª, e aduzo isso ao seu pronunciamento como uma forma de tentar comparar ambos os pensamentos e, na minha modesta condição, tirar disso algum proveito. Obrigado pela atenção de V. Exª.

 

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF) - Muito obrigado Senador José Fogaça.  

Peço ao Presidente que tenha uma pequena tolerância comigo, como teve com os outros oradores, para que eu possa concluir.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - O problema é o tempo de sessão, Senador.  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF) - Mas não vou abusar dessa tolerância, vou apenas concluir o raciocínio.  

O Senador Fogaça traz um dado fundamental. Não vamos imaginar que se uma empresa do porte de Furnas for totalmente colocada à venda, num sistema de pulverização de ações na Bolsa, o mercado brasileiro comportaria essa compra de ações sem que seu preço caísse. Efetivamente, S. Exª tem razão. Mais do que isso, como o Brasil passou por um grande esforço de privatização num espaço curto de tempo, se todas essas empresas, se todos esses grupos, setores de telecomunicações e outros, fossem colocados no mesmo modelo, a queda do valor nominal das ações seria muito grande e inviabilizaria o esforço do Governo de captação de recursos. Estar-se-ia, portanto, desvalorizando o próprio esforço do Governo de captar recursos no setor privado.  

A dúvida que exponho é a de que, já que as outras privatizações não tiveram esse modelo e, portanto, não sobrecarregaram o mercado, por que essa tentativa não poderia ser feita com Furnas, pela condição estratégica que tem a energia elétrica no modelo de desenvolvimento, não de uma só vez? Poderíamos, nessa hipótese, colocar apenas 20% de Furnas como ações negociáveis em Bolsa num primeiro ano, a mesma porcentagem num segundo e num terceiro ano, e desenvolver determinadas ações - e o BNDES, aí, tem uma participação importante em motivação de mercado - para que grandes grupos pudessem acorrer a essa venda de ações.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Senador José Roberto Arruda, peço-lhe licença para prorrogar a sessão por 5 minutos para que V. Exª encerre o seu discurso e para que eu possa, ainda, dar oportunidade ao Senador Luiz Estevão de se manifestar.  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF) - Muito bem, vou encerrar rapidamente.  

Essa é uma linha de raciocínio que acho que tem que ser perseguida. Se os estudos demonstrarem que isso não seria possível, eu levantaria ainda uma outra questão: será que devemos dividir Furnas, ou será que devemos buscar um modelo em que, ainda que tenhamos que negociá-la em leilão, no sistema tradicional, possamos negociá-la por inteiro, de tal sorte que esse valor agregado, acumulado em quarenta e três anos, não se perca na sua divisão? A discussão dessas questões parece-me fundamental.  

Termino dizendo que, além de Furnas, deve-nos preocupar a Eletronorte. A Eletronorte não é uma empresa de energia elétrica como acham alguns. Ela é, e deve ser, uma agência de desenvolvimento da Região Norte do País e, por isso, é missão do Estado buscar a diminuição dos desequilíbrios regionais e usar a Eletronorte e o seu potencial instalado para diminuir as desigualdades regionais.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1999 - Página 15184