Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DOS 37 ANOS DA AUTONOMIA POLITICA DO ESTADO DO ACRE.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCURSO DOS 37 ANOS DA AUTONOMIA POLITICA DO ESTADO DO ACRE.
Aparteantes
Lúcio Alcântara, Mozarildo Cavalcanti, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/1999 - Página 15297
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ELEVAÇÃO DE CATEGORIA, AUTONOMIA, ESTADO DO ACRE (AC).
  • COMENTARIO, HISTORIA, IMPORTANCIA, AUTONOMIA, ESTADO DO ACRE (AC).

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado do Acre está vivendo um dia especial. Comemoram-se hoje os 37 anos de sua autonomia política em relação ao Estado, ou seja, o momento em que o Acre saiu da condição de território para se tornar estado da Federação.  

Trata-se de um momento importante que vem à memória de todo o povo acreano, porque refere-se a uma fase extremamente bonita da nossa história. Foi uma época em que se fazia uma grande política no Estado do Acre e aquele rincão do Brasil era tratado com profundo amor, respeito e sentimento de grandeza. Foi um momento em que se afirmava a personalidade pública - já nacional - de José Guiomard Santos, uma figura que marcou todas as gerações políticas do Acre, tanto pela presença decisiva numa negociação com o Governo João Goulart quando do estabelecimento da autonomia do povo acreano na condição de Estado, como marcou também pela relação que tinha com os movimentos sociais. Guiomard Santos trazia, na característica de governar, a idéia de subsidiar o setor produtivo. Entendia que o setor vivo, apesar de um desgaste profundo da economia do Acre, era o da borracha e, portanto, precisava criar um subsídio para a transição ser permitida ao setor produtivo do Estado.  

Criou um programa de apoio aos ribeirinhos, que era um programa forte de assistência tanto do ponto de vista da saúde e da educação como do apoio à produção e à comercialização da produção dos seringueiros que viviam na região, procurando elevar o nome do povo acreano, de maneira digna, para toda a Federação.  

O Estado do Acre tem uma característica muito própria que nos lembra a relação irmã que tem com o povo nordestino. No século passado, era chamada, pelo Peru e pela Bolívia, de terra ainda não descoberta, pois não havia uma definição de a quem pertencia, o que de fato havia de autonomia perante o território acreano hoje.  

Com a seca de 1877, que marcou o povo nordestino, houve um grande fluxo migratório para a nossa Região Amazônica e para o Estado do Acre, já que nossos rios são a nascente de toda a bacia Amazônica também. Estamos situados exatamente na cabeceira dos rios, onde há a melhor caça, a melhor pesca e a melhor terra, segundo o próprio Governador Jorge Viana, que pôde verificá-lo em suas andanças. A área das cabeceiras dos rios talvez seja a mais bonita da Amazônia brasileira.  

E ali chegaram os irmãos nordestinos, os irmãos cearenses, fugidos da seca de 1877, e estabeleceram, como marco, o grande propósito de exploração de um ouro negro que tínhamos - a borracha -, que serviria para um modelo produtivo mercantil capitalista que se colocava à época e que serviria também como elemento essencial da indústria de formação, tanto do povo americano como da comunidade européia.  

Aí se estabeleceu a importância, o crescimento e a nossa formação sócio-político-cultural. Houve, também, uma época de conflito permanente e intenso com os povos indígenas da região, que ocupavam a melhor terra que estava na cabeceira dos rios. Alguns índios foram dizimados, mas houve uma integração, talvez característica da bondade do povo nordestino.  

Ali se afirmou um movimento cultural, social e econômico, que, para nós, é um elemento fundamental, que durou até a chegada da Segunda Guerra Mundial, quando já se afirmava uma crise da borracha brasileira pela perda de valor econômico que se testemunhava.  

Estávamos no início da década de 60, época do meu nascimento, da geração política que faz parte da direção do povo acreano hoje. A década de 60 foi um período de latência absoluta, tanto pela força de um movimento político que se afirmava dentro do Governo Federal, com o golpe militar de 1964, como por uma crise de identidade econômica e social que o povo acreano passava, porque na raiz do povo nordestino, na luta que nos livrou, através da chamada revolução acreana, não havia mais como fazer com que o Estado do Acre fosse parte viva do território nacional, com a borracha seduzindo e atraindo para um caminho de fortalecimento e formação das nossas cidades e da nossa população no seu sentido amplo.  

Os anos 60 significaram exatamente a crise absoluta de um modelo que se esgotava - o modelo do extrativismo - e se avizinhava um novo momento de expansão e formação da economia e da sociedade do povo acreano. Foi quando aconteceu o chamado fluxo migratório exagerado e exuberante dos anos 70, que era fruto de uma crise bem estabelecida, social, dentro da região centro-sul do Brasil, onde se viu a idéia da integração amazônica, do processo de expansão econômico, da chamada diástole econômica, quando houve a preocupação com um melhor aproveitamento da Região Amazônica, onde se afirmavam como autores os grandes projetos agropecuários para aquela região.  

E o Estado do Acre passou a receber um enorme fluxo migratório, viveu momentos de elevada temperatura de conflitos sociais, pois o fazendeiro chegava e se deparava com o povo acreano, que, na sua simplicidade de herança nordestina, na sua influência das culturas indígenas locais, já tinha adquirido hábitos culturais de amor à natureza, ao meio ambiente, de convívio em harmonia com a natureza e de criação da sua formação mística. Apresentava-se, ali, a presença de um novo elemento do desenvolvimento que se afirmava no Acre, que era exatamente o fazendeiro, que via no ambiente amazônico um ambiente hostil a ser superado e substituído por um projeto econômico viável, que era a palavra de ordem que se afirmava perante a opinião daquele canto do Brasil.  

E assim não se teve como adiar um conflito violento de ordem política e social: a relação seringueiro, a relação dos pequenos colonos que formavam o chamado modelo de domesticação do extrativismo tradicional, com a presença do fazendeiro. Foram as expulsões de milhares de seringueiros de suas terras, de seus seringais, as expulsões de milhares de colonos e a formação de um Estado que caminhou num aumento intenso de ocupação da área urbana de suas cidades e no processo de favelização marcante, que trouxe uma grave crise socioeconômica e de cidadania para o povo acreano.  

Era um modelo que se afirmava e que o Governo entendia como necessário àquele momento e nós, acreanos, estávamos ainda a aprender com o novo modelo de expansão e de formação da nossa sociedade.  

A prova definitiva e a conclusão de análise que se chega é exatamente a partir da década de 90, onde se viu que o modelo apresentado pela elite brasileira, para a Região Amazônica, era um modelo equivocado, um modelo que via no ambiente natural e na biodiversidade da Floresta Amazônica um grande inimigo que deveria ser superado. Afirmar-se-ia, ali, um projeto pecuário ou, no máximo, de agricultura nos moldes tradicionais do centro-sul, desconsiderando as peculiaridades da nossa biodiversidade, das nossas populações tradicionais.  

Os anos 90 apresentaram um novo modelo de percepção e de relação das populações tradicionais com as populações das cidades e com a juventude que fazia política dentro de uma visão que acompanhava a própria consciência ecológica internacional, a consciência da sobrevivência da espécie humana a partir de uma relação racional, inteligente e de respeito ao meio ambiente.  

Eu e o Governador Jorge Viana somos exatamente o fruto dessa relação e temos uma saudade enorme dos anos 60, quando se afirmou o movimento pela autonomia do povo acreano. Aqueles que lutaram e fizeram o movimento autonomista do Estado, como Omar Sabino de Paula, Iricélia Cabanela Zanini, estão, hoje, dando um abraço na minha geração, em uma solenidade em frente ao Palácio Rio Branco, com o Governador Jorge Viana, num encontro de gerações que vêm de um amor enorme pela origem, presenteado-nos pelo povo nordestino, e que nos traz ao encontro de uma visão de desenvolvimento sustentável que está à altura de um final de milênio.  

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Permite V. Exª um aparte?  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Antes de continuar, com imenso prazer, concedo o aparte ao nobre Senador Nabor Júnior e, posteriormente, ao nobre Senador Lúcio Alcântara.  

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Senador Tião Viana, embora já tenha requerido à Mesa inscrição para, na prorrogação do período do expediente, também fazer o registro desta data - o 37º aniversário da elevação do Território do Acre a Estado - tão importante para nós, acreanos, quero inserir um pequeno aparte no discurso de V. Exª, para ressaltar que, realmente, essa conquista foi decisiva para o povo acreano, em sua caminhada para fugir àquela condição, de quase "colônia" do Brasil, dentro do próprio território nacional. E, com essa ascensão, assumir-se como Estado independente, integrante pleno da Federação brasileira. Muitas conquistas foram alcançadas nesses 37 anos. Enfrentamos, também, tremendas dificuldades, até muitas crises de caráter social e econômico; mas é inegável que nosso Estado conquistou inúmeras coisas importantes. Dentre elas, destaco a criação da Universidade Federal do Acre, que decorreu diretamente do novo status, pois, V. Exª sabe, anteriormente à elevação do Acre a Estado, quando éramos meramente um Território Federal, não havia condições de manter uma universidade. Só as pessoas dotadas de expressivo poder pecuniário podiam mandar os filhos estudar fora. Como conseqüência, vivíamos importando técnicos do Rio de Janeiro, do Pará, de São Paulo, do Ceará, para suprir as necessidades do mercado de trabalho, na área pública e na área privada. Hoje, registramos com orgulho que a Universidade do Acre já formou milhares e milhares de técnicos, forjando lideranças de alto nível, muitas das quais estão exercendo as suas atividades públicas e políticas no Estado - na Assembléia, na Justiça, no Ministério Público e nas atividades afins. Essa é a que considero a maior conquista do Acre-Estado: a fundação e o funcionamento da Universidade Federal do Acre. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento que está fazendo neste instante.

 

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Muito obrigado, nobre Senador Nabor Júnior. Mais adiante, vou me referir a sua pessoa e a outros membros de uma geração que respeitamos muito.  

Concedo um aparte ao Senador Lúcio Alcântara.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Senador Tião Viana, quero apenas registrar aqui a minha adesão ao pronunciamento de V. Exª, porque, no início do seu discurso, fez justiça aos nordestinos. E tenho a impressão de que a maior quota desses nordestinos pertenciam ao Ceará, batidos pela seca, pela dificuldade de vida para lá foram. Lembro-me que, há algum tempo, o Senador Nabor Júnior insurgia-se contra uma expressão registrada no Dicionário Aurélio, " ir ao Acre", como sinal de condenação, morte, enfim, como algo trágico. E S. Exª, então, reclamava contra essa expressão por acreditar que era discriminatória. Ontem ou anteontem, li um artigo no Jornal do Brasil falando sobre ir ao Acre, mas no sentido positivo, da operacionalidade, da criatividade, da lisura com que o Estado está sendo administrado. No ano passado, tive a oportunidade ir lá em missão partidária. Encontrei, inclusive, o meu querido amigo - fomos colegas na Câmara dos Deputados - Deputado Uildy Viana, pai de V. Exª e do Governador Jorge Viana. Então, pude aquilatar, realmente, que ali pulsa uma sociedade desejosa de progredir, de conseguir as condições indispensáveis ao desenvolvimento. A história do Acre é um dos episódios da história brasileira que é verdadeiramente épico; Plácido de Castro, enfim,...  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Galvez.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Galvez. Sendo uma epopéia, ela tem justamente grandes momentos e grandes tragédias. Aqueles corpos sepultados em função das condições inóspitas em que trabalhavam, inclusive na construção da Madeira-Mamoré e assim por diante, foi um preço muito alto que se pagou para a integração do Acre na economia brasileira. Sei que ainda falta aquela estrada que os Senadores do Acre não se cansam de cobrar, mas ela vai chegar para integrar o Acre, de maneira a permitir um acesso ao Pacífico. Lembro-me que, quando o Senador Nabor Júnior era Governador do Acre, por mais de uma vez, uma rede nacional de televisão o mostrava aflito em seu gabinete com a falta de energia elétrica, a falta de óleo combustível para manter em funcionamento a rede de força e de iluminação elétrica do Estado. Aquele era um sinal muito claro da pouca atenção que se dava ao Estado. V. Exª me cativou, também, por ter feito essa integração de gerações; ninguém conquista nada sozinho; essas conquistas se acumulam pela força, pelo entusiasmo, pela dedicação de muitos idealistas - alguns deles depois ficam anônimos, não são nem citados pela história. Mas a história é feita desse esforço coletivo e da presença de lideranças capazes de conduzir vitoriosamente o processo.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a V. Exª.  

Sr. Presidente, quero dizer que a minha geração política, a geração do Governador Jorge Viana, considera hoje um dia especial para o nosso Estado, porque é a afirmação de um gesto de governo, de um gesto de uma geração política que olha com o mais profundo respeito, com o mais claro amor o seu Estado, pela sua população, pelos seus meio milhão de habitantes que ocupam aquele canto da Amazônia brasileira e o faz com uma visão que busca ser a altura da própria dimensão humana. Para nós, é fundamental olhar para a geração do Senador Nabor Júnior, de Uildy Viana, meu pai, de Joaquim Cruz, de Raimundo Melo, de Edson Cadato e tantos outros que formaram a história recente política do Estado e que atravessaram os momentos difíceis da luta do Estado e dizer que a nossa geração está pronta para dar a continuidade a um projeto que está à altura da dimensão humana, à altura da dignidade com que o povo brasileiro exige na política de hoje.  

Saímos do período em que José América de Almeida afirmava que, enquanto o dinheiro da seringa esticava, o bolso do seringueiro encolhia. E hoje estamos vivendo o momento da geração que usa o desenvolvimento sustentável, que trata a população amazônica de modo a mostrar que podemos ser o diamante verde do próximo milênio se usarmos de inteligência e um modelo de desenvolvimento que esteja à altura da idéia moderna de relação com as sociedades, com as populações tradicionais, com o processo de formação econômico e social.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) - Senador Tião Viana, quero me solidarizar com o povo do Acre por intermédio de V. Exª, no momento em que registra os trinta e sete anos de existência do seu Estado. Roraima, que ainda está começando seu nono ano de existência como Estado, sabe o quanto foi importante essa transformação de território em Estado, porque levou-se a esses rincões da Amazônia, cidadania - bem como aos moradores de Roraima, do Amapá e de Rondônia -, criação das universidades, evolução política e uma nova mentalidade. Como roraimense, como amazônida, quero parabenizar V. Exª e, por extensão, todo o povo acreano por esse seu trigésimo novo aniversário.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC) - Agradeço ao Senador Mozarildo Cavalcante que tem, na área de Roraima, uma belíssima área da Amazônia brasileira, que, se Deus quiser, vai estar à altura da grandeza deste País, que não deverá olhar para ela da forma como está olhando hoje, mas de uma maneira distinta, de uma maneira inteligente e capaz de gerar a riqueza que o Brasil merece, a partir do povo da Amazônia brasileira.  

Sr. Presidente, concluo dizendo dessa alegria enorme, do encontro das gerações que se afirma nessa data do aniversário dos trinta e sete anos do povo acreano. O horizonte que temos diante de cada pessoa do Acre se traduz em nenhuma criança passar fome, nenhum velhinho ser desrespeitado na porta de um hospital e o povo crescer no aspecto do desenvolvimento humano e socioeconômico.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/1999 - Página 15297