Discurso no Senado Federal

PERSPECTIVAS CRITICAS DA ESCASSEZ DA QUALIDADE DA AGUA POTAVEL NO PAIS E NO MUNDO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PERSPECTIVAS CRITICAS DA ESCASSEZ DA QUALIDADE DA AGUA POTAVEL NO PAIS E NO MUNDO.
Aparteantes
Djalma Bessa, Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/1999 - Página 15440
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • NECESSIDADE, AUMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, PROBLEMA, AGUA, BRASIL, CRITICA, FALTA, PLANEJAMENTO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, AMEAÇA, ABASTECIMENTO, ZONA URBANA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • APREENSÃO, PREVISÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONFLITO, DISPUTA, AGUA, MUNDO.
  • DEFESA, APLICAÇÃO, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu discurso, quero dizer o motivo por que estou sorrindo: perguntei ao Senador Juvêncio da Fonseca quem era o sujeito passivo desse incesto. É um negócio sério.  

Sr. Presidente, apesar da ampla difusão dos temas ecológicos nos meios de comunicação, estamos ainda muito distantes, em nosso País, de uma autêntica consciência a respeito de algumas questões ambientais da maior relevância. Um dos problemas para o qual a opinião pública mal começou a despertar é o da água.  

Não me refiro, certamente, ao problema da seca no semi-árido nordestino, já há séculos identificado e combatido, ainda que com resultados bem aquém dos necessários. É possível que haja ou venha a haver algum agravamento das secas no Nordeste por conta de mudanças climáticas globais causadas pela ação humana. A explicação ou previsão, contudo, é polêmica e persiste o fato de que se trata de um fenômeno natural muito anterior à era dos meus antepassados, a era cabralina.  

Uma situação nova associada à seca no Nordeste é o penoso racionamento de água a que foram submetidas algumas das grandes cidades da região. E aqui, Sr. Presidente, lembro que as Bancadas dos Estados de Pernambuco e de Alagoas têm destacado o que está havendo em suas capitais, inclusive V. Exª, que preside esta sessão.  

A disponibilidade de água nas residências dessas capitais, sobretudo no Recife, chegou a se reduzir a um dia de abastecimento para quatro dias sem água, estado de calamidade que exige medidas de emergência, assim como soluções duradouras por parte do Poder Público.  

Além da questão crucial da acentuada escassez de chuva nas cabeceiras dos rios que abastecem a cidade, podemos identificar outros fatores que contribuíram para se chegar a tal situação: o crescimento excessivo e desordenado das cidades, o investimento reduzido em obras de infra-estrutura, a poluição dos rios e o desperdício no uso da água.  

A falta de planejamento e racionalidade no uso dos recursos hídricos não é, por certo, uma característica isolada da cidade do Recife, mas, sim, uma constante em todo o território nacional, que começa a ameaçar o abastecimento adequado de várias cidades.  

É necessário repetir inúmeras vezes...  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Bernardo Cabral, desculpe-me, mas a Mesa tem o dever de interrompê-lo para prorrogar a Hora do Expediente pelo tempo necessário para que V. Exª conclua o seu discurso.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, eu não aguardava e nem esperava outra atitude que não fosse essa de V. Exª, que sabe que só venho a esta tribuna para tratar de assuntos da maior relevância. E, como é do conhecimento de V. Exª, esse é um assunto importantíssimo. Agradeço a V. Exª a prorrogação da Hora do Expediente.  

Volto ao que dizia, Sr. Presidente.  

É necessário repetir inúmeras vezes as previsões da Organização das Nações Unidas de que a disponibilidade de água potável vai constituir um dos mais graves problemas do século que se avizinha.  

O quadro sombrio indica que, em 25 anos, aproximadamente um terço da população mundial enfrentará graves problemas de desabastecimento de água, caso não haja profundas mudanças nas políticas de utilização dos recursos hídricos.  

Há uns três anos, desta mesma tribuna, eu chamava a atenção para o problema do Oriente Médio, onde já não se luta por um pedaço de território — ninguém quer avançar no território do outro —, mas pelo filete de água que atravessa e separa os dois países. Isso está sendo comprovado. Trouxe também, Sr. Presidente, ao conhecimento deste Plenário, reportagem recente que tratava do agravamento dessa situação, ocasião em que fui aparteado pelo Senador Ramez Tebet.  

Sr. Presidente, o Vice-Secretário da ONU, Hans van Ginkel não hesita em afirmar que "conflitos por causa de água, guerras civis e internacionais ameaçam tornar-se um fator-chave do panorama mundial do século XXI". Prevê-se, ainda, que haverá um grande aumento na quantidade de mortes por doenças decorrentes da má qualidade da água, que já são da ordem de 5,3 milhões de óbitos a cada ano, acompanhando, evidentemente, o aumento do número de pessoas que contraem tais doenças, atingindo presentemente — pasmem os Srs. Senadores — 3,35 bilhões de casos por ano.  

Voltando às cidades brasileiras, problemas de grande proporção, relacionados à qualidade da água que abastece a população, vêm sendo detectados.  

Estudo da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo avalia que mananciais responsáveis pelo abastecimento de 50% da água da capital — estou-me referindo a São Paulo; não se trata de um Estado pobre do Norte ou do Nordeste — encontram-se contaminados por depósitos de lixo irregulares, sobretudo em onze municípios que se estendem ao longo da Rodovia Fernão Dias.  

A poluição do rio Guandu, responsável pelo abastecimento de água para o Grande Rio — refiro-me agora a um outro grande Estado — encontra-se em um patamar extremamente elevado, compreendendo a contaminação por dejetos humanos, lixo hospitalar e produtos tóxicos. Ainda que passe por um tratamento químico, o nível de controle da qualidade da água é crítico, representando um risco — pasmem novamente, Srs. Senadores — para quase 80% da população do Estado. Isso equivale a 10,5 milhões de seres humanos que consomem esse tipo de água.  

A sobreutilização das águas dos rios, com efeitos ecológicos danosos, vem se tornando cada vez mais comum e mais intensa: a cidade de Botucatu, no interior do Estado de São Paulo, chegou a bombear 98% das águas do rio Pardo para abastecimento, no ano passado. Também a utilização desordenada e predatória das águas subterrâneas constitui um sério problema.  

Devemos reconhecer, felizmente, que o Poder Público não se encontra inerte diante da questão, embora permaneça a urgência de se tomarem medidas mais amplas e eficazes.  

A Lei nº 9.433/97, que instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos, oferecendo valiosas coordenadas para a utilização sustentável da água, com vistas a garantir o bem-estar da população em meio saudável e equilibrado, precisa ter seqüência.  

Lembro-me de que, quando relatei esse projeto, vindo da Câmara, que acabou - ainda bem - se transformando na Lei nº 9.433, houve, lá na Câmara, por parte do Deputado Aroldo Cedraz, e comigo aqui, um movimento muito grande, que acabou sensibilizando as Lideranças de todos os partidos, para que pudéssemos aprová-lo.  

Um instrumento particularmente importante, ratificado e fortalecido pela citada lei, é a Outorga de Direitos de Uso da Água, que deve regular a utilização das águas subterrâneas e superficiais, tanto para a retirada do precioso líquido como para o lançamento de resíduos. Uma das bases do gerenciamento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, incluindo a competência de concessão da outorga para o uso, são os Comitês de Bacias, formados com ampla participação da sociedade civil. Cada Estado, por sua vez, deve promover mudanças na legislação e a regulamentação necessária para estabelecer os Sistemas Estaduais de Recursos Hídricos, articulando ações e atividades permanentes de fiscalização e de educação ambiental, em conjunto com os Municípios.  

Também os agricultores e as empresas em geral devem encontrar formas de utilização da água mais econômicas e menos nocivas ao meio ambiente. Em suma, os vários segmentos da sociedade devem assumir sua responsabilidade nessa luta de interesse amplo e irrestrito.  

Eu sei, Srs. Senadores - e isto já é uma velha e rançosa caminhada no mundo político -, que se nesta tarde eu estivesse nesta tribuna, quem sabe abordando o problema da Polícia Federal com o seu novo titular, e do ambiente político que se forma, talvez fosse muito melhor fazer um discurso de improviso - até porque quem não é jejuno nisso sabe ocupar uma tribuna -, do que ler um discurso para a posteridade. Mas é bom que se registre, de uma vez por todas, que este Senado Federal teve a responsabilidade de chamar a atenção do Poder Público para um assunto gravíssimo, que é o problema da água. O petróleo está escasseando, mas ninguém bebe petróleo. A água vai ser, sem dúvida nenhuma, o ouro do século XXI. Se por isso lhes tomo o tempo, é pelo menos com a responsabilidade de quem quer exercitar o mandato, sabendo que para cá veio não apenas para as chamadas "tricas ou futricas", que rendem noticiário, mas que não me deixariam em paz com a minha consciência.  

Sabemos que o Brasil é um país privilegiado em recursos hídricos, contando com a maior disponibilidade de água doce de todo o globo. Esses recursos - e aí vem V. Exª, porque aborda o problema - concentram-se justamente na Região Amazônica, que detém 70% das águas brasileiras. Enganam-se enormemente, no entanto, os que imaginam que os Estados amazônicos não devam preocupar-se com a conservação desse inestimável patrimônio aquático, justamente por causa de sua abundância.  

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço V. Exª, eminente Senador Djalma Bessa, com a alegria de sempre, sabendo quem V. Exª é, uma autoridade nessa matéria.  

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Senador Bernardo Cabral, não é a primeira vez que V. Exª trata desse assunto nesta Casa. E não é apenas um exímio jurista no exercício das funções legislativas, mas é também um representante do povo, e dos mais cuidadosos, dos mais atentos no exercício de outra função do Legislativo, que é a função representativa. Quero me privilegiar, participando do discurso de V. Exª, para acentuar a sua atenção, a sua dedicação e - por que não dizer - a sua sabedoria. Ao apreciar o problema da água, V. Exª começa por demonstrar que se trata do mais precioso dos bens existentes sobre a terra, porque é essencial, imprescindível, necessário. Sem a água, não há vida, nem vegetal nem animal. Portanto, constitui-se hoje, realmente, numa preocupação mundial. Por outro lado, verifica-se que não é um bem ilimitado, que pode ser usado com fartura, porque começa por não ser devidamente distribuído. E V. Exª faz referência à Amazônia, que tem 70% das águas brasileiras, enquanto o restante do País tem apenas 30%. Portanto, primeiramente existe a limitação do bem precioso e necessário. Em segundo lugar, a distribuição, que não é adequada. E há um terceiro item, abordado por V. Exª, que é o da poluição. São três itens que devem ser analisados detidamente, logicamente com o bom senso, o equilíbrio e a competência de V. Exª. V. Exª referiu-se à escassez de água no Recife. São Paulo, além desse problema de poluição, tem sofrido o mesmo problema. Sou do Nordeste, e sofremos o problema de pouca água. O Amazonas também não sofre do problema de água em excesso, pois sabe V. Exª que, em determinadas épocas, várias localidades do Estado não podem ser abastecidas porque a embarcação não passa. Mas é um manancial fabuloso, se não o maior do mundo, e ainda não tem a poluição que tantas dificuldades acarreta em outros países. V. Exª, como sempre muito competente, está a merecer o meu aplauso pelo pronunciamento realmente necessário e que precisa ser repetido várias vezes para alertar a população, o mundo, o Brasil, o Estado de V. Exª - o Amazonas -, o meu Estado - a Bahia -, para a necessidade de adoção de medidas que preservem a água, evitando-se não só a poluição, mas também a exploração às vezes excessiva, tal como o uso exagerado dos poços tubulares. Há um limite para tudo isso, que requer, portanto, um estudo minucioso e adequado. Louvo V. Exª por destacar esse tema imprescindível à vida humana.

 

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Djalma Bessa, preciso registrar o aparte de V. Exª no meu discurso, para que, no futuro, quando meus três netos me derem o prazer da leitura - pelo menos eles eu espero que o façam -, constatem que estou sendo aparteado por um Colega parlamentar de 30 anos. V. Exª foi Deputado Federal por várias Legislaturas. Numa delas, fui pelo meio ceifado pela cassação e perdi dez anos de direitos políticos. V. Exª é um grande advogado e um bom professor de Direito. De modo que, se pálido foi o discurso - e talvez creio que sim -, V. Exª já lhe deu o colorido. Por isso, agradeço a V. Exª pela sua contribuição, que, esteja certo, já está incorporada.  

Sr. Presidente, antes de ouvir o aparte do Senador Gilberto Mestrinho, gostaria de dar um outro dado, que recebi do Dr. Ramiro Maia Neto, gerente de recursos hídricos da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Trata-se de um estudo sobre as perspectivas de ocorrência de enchentes na cidade de Manaus no presente ano. E por que quero apresentar esse dado? Porque o Senador Gilberto Mestrinho, além de Governador por três vezes, também foi Prefeito de Manaus, e pode por isso mesmo avaliar o que aqui vem.  

Sr. Presidente, farei tudo para terminar sem perder o privilégio de ouvir o Senador Gilberto Mestrinho, com a aquiescência de V. Exª.  

Afastando as previsões mais pessimistas, o pesquisador alerta, no entanto, para a necessidade de implantação do Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Amazonas, como determina o art. 174 da Constituição do nosso Estado, juntamente com a imediata priorização de ações voltadas para melhorar as condições de saneamento básico e para revitalizar os igarapés que cortam a cidade ou suas áreas adjacentes.  

A população residente em palafitas e outras áreas críticas em caso de enchentes é maior do que toda a população manauense em 1953, de nossa triste memória, quando ocorreu a maior cheia do século na cidade. Além dos extremos malefícios que seriam causados por uma cheia de grandes proporções - e nós estivemos à beira de uma -, o Dr. Ramiro Maia ressalta os problemas rotineiros a que estão submetidas as populações ribeirinhas e moradoras das palafitas, decorrentes da poluição dos igarapés. A poluição por esgotos domésticos causa doenças como hepatites, diarréias, verminoses, cólera, infeccções intestinais, alergias, leptospirose e febre tifóide. A contaminação por metais pesados, associada ao lixo metálico e aos despejos industriais, podem provocar distúrbios neurológicos e gástricos. Como mostra um artigo do jornal A Crítica , de 6 de abril do corrente, as crianças constituem provavelmente o grupo mais atingido por problemas de saúde nas áreas de palafita.  

Uma equipe de quatro pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade do Amazonas vem estudando, desde 1994, o nível de poluição dos igarapés das bacias do Tarumã e do Puraquequara, as maiores de Manaus. Por situarem-se, em sua maior parte, fora do perímetro urbano, essas bacias apresentam menor poluição que aquelas propriamente urbanas, cujos igarapés praticamente constituem esgotos a céu aberto, nos quais só se encontram peixes adaptados a viver na lama.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço, com prazer, o Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª vem, durante todo o seu mandato nesta Casa, abordando com muita proficiência a questão da água, que é uma preocupação mundial. E nós, da Amazônia, detemos um percentual muito grande da água doce disponível – somos até considerados animais anfíbios, porque vivemos na água e em terra firme, de acordo com o nível das enchentes. O problema da água é muito sério, porque não atinge só as nossas populações. Ainda hoje, li em um relatório divulgado por um órgão científico, segundo o qual na Europa desenvolvida, ou seja, nos países que constituem a Comunidade Econômica Européia, uma em cada sete pessoas não dispõe de água potável. Se analisarmos a população européia, chegaremos à conclusão de que cerca de quarenta e poucos milhões de pessoas não dispõem de água potável. Isso mostra que o problema tende a agravar-se com o tempo. Mas no nosso caso, está havendo uma distorção muito grande na discussão da questão ecológica. Para muitos, Ecologia é floresta Amazônica. Há preocupação com as árvores, com os animais, constantes proibições, e ninguém cuida das águas. Ninguém olha que despejamos no oceano Atlântico, só o rio Amazonas, seis milhões de metros cúbicos por segundo de água potável, que temos enchentes muito grandes, como a de agora - não foi igual à de 1953 -, e que, mesmo assim, não se estudou ainda como podemos nos prevenir, por exemplo, do degelo dos Andes, que causam essas enchentes na Amazônia. Água faz bem, água é vida, mas água faz mal também. Sabemos que na época da enchente temos períodos terríveis, as populações perdem tudo: produção, suas casas, seus bens, e temos o período das secas, quando sofremos com as endemias, as doenças. É quando se renova o surto da malária, quando vem a hepatite, quando vêm todas aquelas pragas que assolam a nossa região. Então, acho que o Governo brasileiro deveria preocupar-se em olhar efetivamente o problema da água como assunto principal, e não como assunto periférico. Fala-se na água na Amazônia, fala-se da água no Nordeste. No entanto, fui Deputado em 1963 e já havia a mesma discussão: debatia-se a deficiência de água no Nordeste, a carência, a seca. E o problema continua até hoje. Iniciou-se agora um processo de dessalinização da água, para aproveitar as águas dos poços. A água veio salobra, criando um problema novo na agricultura: a salinização da terra. O discurso de V. Exª é cabível, é importante, faz pensar sobre a visão ecológica que se deve dar efetivamente ao problema da água. Muito obrigado e parabéns a V. Exª.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Gilberto Mestrinho, sou eu quem agradeço. V. Exª me lembra que o pessoal de fora já está imaginando colocar nas Bolsas de Valores um papel chamado hidrocomodities. Num cálculo de dinheiro, no começo do século XXI, a idéia é atingir com esse papel US$21 bilhões. Veja a riqueza da nossa Região. O Governo precisa atentar para esses mananciais.  

De modo que, ao incorporar o aparte de V. Exª ao meu discurso, o faço com os mesmos encômios que fiz merecidamente ao Senador Djalma Bessa.  

Vou concluir, Sr. Presidente, e, ao fazê-lo, quero agradecer a V. Exª. Peço apenas que determine que as quatro folhas finais sejam devidamente acopladas ao discurso. Não tive tempo de concluir, porque não quero impedir o começo da Ordem do Dia. Sou grato à Presidência pela generosidade. E faça boa viagem, Sr. Presidente.  

SEGUE RESTANTE DO DISCURSO DO SR. SENADOR BERNARDO CABRAL:  

Os níveis de contaminação por amônia e por coliformes fecais e totais, no entanto, estão subindo rapidamente nas bacias pesquisadas, ameaçando a saúde das pessoas que utilizam suas águas.  

Outra ameaça das mais sérias refere-se à possibilidade de crescimento da poluição do rio Negro, para onde afluem os igarapés com todos os dejetos que são neles despejados.  

A geoquímica ambiental Socorro Rocha, uma das responsáveis pela mencionada pesquisa, alerta que a poluição do rio Negro poderá implicar na escassez dos peixes, prejudicando o provimento da alimentação básica da população. O grande volume das águas do rio Negro não assegura que sua capacidade de auto-depuração possa manter-se indefinidamente. A pesquisadora lembra que a recuperação de um rio poluído é um processo dos mais lentos e onerosos, citando o projeto de recuperação do Tietê, em São Paulo, que foi orçado em mais de US$ 2 bilhões. Isso sem esquecer o que aconteceu na Europa, sobretudo com o rio Tâmisa, em Londres.  

Para afastar tais males para a população manauense, incluindo o risco de contaminação da água para abastecimento, os pesquisadores elencam uma série de medidas a serem implementadas prontamente:  

massificação da educação ambiental, principalmente nas escolas;

construção de uma rede de esgoto, priorizando os conjuntos habitacionais próximos às bacias;

construções de estações de tratamento de esgotos no sistema anaeróbico, para recuperação gradativa dos igarapés;

proibição de se jogar lixo ou qualquer tipo de resíduo nas águas das bacias;

monitoramento sistemático dos níveis de poluição.

Por tudo isso, é que me junto àqueles que entendem que uma cidade tão bem servida de águas como a nossa querida Manaus não pode descuidar-se da conservação das mesmas. A população de baixa renda é, sem dúvida, a primeira a ser afetada pela deterioração da qualidade da água; a tendência, no entanto, é de uma gradual ampliação e generalização dos problemas. O imenso mundo fluvial da Amazônia, de incomensurável riqueza biológica, deve ser preservado agora, antes que seja necessário promover a recuperação de ambientes degradados, com altos custos não apenas financeiros mas também humanos. Esse raciocínio deve ser estendido para a totalidade do território nacional, para inúmeras cidades, inclusive, onde o problema da escassez de água de boa qualidade já começa a se fazer sentir. Precisamos, enfim, zelar por esse maravilhoso patrimônio natural, que impressionou os primeiros portugueses que aqui chegaram. Se as águas brasileiras são muitas - e até infinitas pareciam ao escriba Pero Vaz de Caminha - a conservação da sua qualidade depende cada vez mais de uma determinação consciente e atuante por parte da sociedade.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/1999 - Página 15440