Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR ADEMIR ANDRADE.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • COMENTARIOS AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR ADEMIR ANDRADE.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1999 - Página 15258
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, REABERTURA, PROCESSO, ATENTADO, BOMBA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, ADEMIR ANDRADE, SENADOR, IMPUTAÇÃO, CULPA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROCESSO, REELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, VICENTE CHELOTTI, EX-DIRETOR, POLICIA FEDERAL, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, AUSENCIA, ANDAMENTO, PROCESSO PENAL, INDICIAMENTO, AUTORIDADE.
  • COMENTARIO, DEBATE, INDICAÇÃO, DIRETOR GERAL, POLICIA FEDERAL, SUSPEIÇÃO, RESPONSABILIDADE, TORTURA.
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IUGOSLAVIA, REFERENCIA, CONFLITO, GRUPO ETNICO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, agora estou um pouco perdido. Foram tantos os assuntos tratados aqui que não sei como começar. Ainda, para azar meu, está V. Exª na Presidência. Fora outro, eu teria mais tranqüilidade para desenvolver meu raciocínio, porque teria o tempo necessário.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - V. Exª não tem, nesta Casa, ninguém que aprecie mais ouvi-lo do que eu.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.  

Vim aqui com o pronunciamento pronto, que não vou ler. Vou deixá-lo para outra ocasião, para fazer uma felicitação ao Governo. Eu trouxe o pronunciamento escrito, da maior importância, mas não vou fazê-lo agora porque não seria lógico fazê-lo em meio a outros assuntos. Virei a esta tribuna novamente felicitar o Governo por reabrir o processo do Rio Centro. Dou nota dez ao Presidente, às Forças Armadas, ao Brasil e ao jornal O Globo . Na verdade, estamos diante de uma atitude corajosa, digna, real. Sobre essa matéria, voltarei à tribuna para falar de minúcias importantes.  

Sobre o assunto aqui tratado pelo meu amigo Senador Ademir Andrade, faço questão de salientar que não podemos, simplesmente, a toda hora, afirmar que a culpa é do Presidente.  

No episódio da reeleição, a culpa foi do Presidente. O Senhor Fernando Henrique Cardoso realmente não poderia mandar a reeleição a esta Casa. Sua Excelência fazia parte do Governo Itamar e, no Governo Itamar, foi discutida a reeleição em momento próprio, qual seja, a revisão da Carta Constitucional. Naquele momento, o Governo tomou uma posição contrária, como foi contrário na Constituinte.  

Eu era Governador de Estado e podia tentar fazer com que minha Bancada votasse pela reeleição: estaria votando em causa própria. Fui contra a reeleição. Fomos contra a reeleição, e a matéria não passou na Constituinte.  

Na revisão, era Presidente o Sr. Itamar Franco. Assim como apoiou e conseguiu fazer seu candidato, Fernando Henrique Cardoso, Presidente, poderia ter sido candidato à reeleição e ter ganho. Fernando Henrique, Ministro da Fazenda, foi contra a reeleição. De repente, a reeleição apareceu aqui não sei como. Votou-se a reeleição por pressão estranha do Presidente da República.  

Mas aí vem o Senador Ademir Andrade, e é o caso mais sério que ele menciona, e ele não está discutindo, colocando em jogo a reeleição. Ele está discutindo por que o Presidente, o governador, o prefeito podem ser candidatos sem deixar o cargo. Há reeleição. E por que um ministro, um secretário de Estado, um secretário de prefeitura tem que deixar o cargo para ser candidato?  

Senador Ademir Andrade, a culpa não é do Presidente, não é do PMDB, do PSDB, do PFL; a culpa é do Congresso, que não quer secretários estaduais como candidatos, porque um secretário é um candidato muito forte, e ficando na secretária, é mais forte ainda. Aí ele está tirando a vaga de um deputado. Não quer o ministro como candidato a deputado, a senador, no cargo porque ele, como ministro, é um candidato muito forte. E não quer um secretário de prefeitura, principalmente das grandes prefeituras, Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, porque é um candidato muito forte se permanecer no cargo.  

Foi o Congresso que votou contra. Isso que ele chama de absurdo foi o Congresso que votou. O Fernando Henrique não tem nada com isso; fomos nós que fizemos isso. Também votei contra. Agora, pelo fato de ter votado contra não quer dizer que não sou co-responsável se faço parte deste Congresso. Seria muito fácil dizer que sou o que sou, o que não sou eu é contra o Congresso. Então o Congresso é isto e aquilo. Não! O Congresso somos nós todos quando acertamos e nós todos quando erramos. Vamos ser sinceros. O Congresso não deixou ficar no cargo candidatos a parlamentar, ou seja, secretários, ministros ou secretários de prefeituras.  

Penso que isto está certo: o ministro no cargo não deve ser candidato, secretário estadual ou municipal não deve ser candidato permanecendo no cargo, mas penso também que o Presidente da República e governador não poderiam continuar no cargo. E sobre isso ninguém falou. Porque, na hora, fui contra a reeleição, você foi contra a reeleição e, se tivesse de haver reeleição, eu entendia que o Presidente deveria afastar-se. Não passou. Agora, por que se permitiu que o Presidente permanecesse? Por que se mandou que os secretários saíssem? Porque os Deputados e Senadores não quiseram, porque os Deputados e Senadores não são candidatos...É muito pouco ser candidato a Presidente da República e a Deputado... ou a Governador. São apenas 26. Agora, para Deputado, são 513 e para Senador são 81. Então os Deputados e Senadores votaram em causa própria. É isso o que o meu amigo Ademir tem de reconhecer, tem de entender. Não teve nada a ver.  

O erro original, digamos assim, foi do Presidente Fernando Henrique, que cometeu o grande erro da sua vida, na vaidade de se candidatar à reeleição. Está vendo aí os resultados: se ele não fosse candidato à reeleição, o último ano do seu Governo teria sido um Governo mais afirmativo e ele não teria o desgaste que teve para bancar a reeleição, teria feito as reformas necessárias, política e tributária, e hoje seria um grande estadista. Quis ficar e hoje está pagando o preço.  

Esse foi um assunto. O segundo foi tratado nesta sessão pelo Senador Jefferson Péres. Ora, Sr. Presidente, esse assunto é sério demais. A entrevista do Sr. Delegado Chelotti confesso que me surpreendeu, fiquei chocado. Conheço S. Exª, admiro S. Exª, quando ele foi chefe de polícia, desde a época do Ministro Jobim, tenho-o no mais alto conceito. Ele causou uma confusão na polícia que não consigo entender. Na verdade, na verdade, o que aconteceu ali merece uma resposta.  

Primeiro, o Sr. Vicente Chelotti não podia ter dado aquela entrevista ao Jornal do Brasil . É estranho que uma pessoa, com a responsabilidade dele, dê aquela entrevista. O fato de eu considerar estranho e entender que ele não deveria ter dado aquela entrevista não significa que eu não deva analisar o que ele disse. O que ele falou é muito sério! É muito sério quando ele diz que, à época que estava na chefia da Polícia Federal, processos que envolviam determinadas pessoas, ministros ou autoridades não podiam ir adiante. É muito sério! As pressões que ele diz ter sofrido na condução da chefia da Polícia são muito sérias, Sr. Presidente!  

Não foi a Oposição, não foi ninguém que criou o problema. Ninguém foi pedir ao Sr. Vicente Chelotti que desse aquela entrevista, mas ela é da maior seriedade e merece resposta.  

Em segundo lugar, Sr. Presidente, estou com o Governador Mário Covas. Não há como não se investigar o que está sendo dito a respeito desse novo Chefe de Polícia. O Governador Mário Covas tem razão - é isso o que o caracteriza, por isso sou sempre seu admirador. Ele pode estar na linha do Governo ou da Oposição, mas tem uma série de princípios da qual não abre mão.  

Perdoem-me, mas o Sr. Chefe da Casa Militar, que tem um órgão a sua disposição, não saber... Eu quero saber se o Presidente da República Fernando Henrique sabia ou não que havia esse fato envolvendo esse cidadão. Duvido que sabia. Entre outras coisas, o Presidente Fernando Henrique é uma pessoa competente. Para bobo Sua Excelência não serve. Não ia colocar, numa hora tão confusa como esta, na chefia da Polícia, um cidadão com uma biografia - digamos - discutível. E, se Sua Excelência não sabia do fato, alguém é responsável. O Presidente da República não é obrigado a saber da biografia das pessoas que lhe são apresentadas para diversos cargos. Querer imaginar que o Presidente da República tem obrigação de saber disso é ridículo! Qualquer um de nós que estivesse sentado naquela cadeira também não saberia. Por isso há uma equipe montada. E a chefia da Casa Militar montou um outro instrumento exatamente para orientar o Presidente da República nesse sentido. E não se diga que foi precipitação! O Ministro da Justiça levou ao Presidente da República um nome que, interinamente, foi conduzido à Polícia Federal e, ao que me consta, ia bem. Não conheço esse cidadão, que era chefe de Polícia. Nunca falei com ele. Não conheço sua biografia. Não sei nada sobre ele. Só sei que foi indicado um cidadão e que as coisas estavam indo muito bem.  

O nome ficou na mesa do Presidente por cinqüenta dias. Cinqüenta dias! E alguém deve ter levado o nome desse indicado ao Presidente da República. E alguém deve ter tomado conhecimento da vida desse cidadão. Esse alguém que levou o nome ao Presidente da República ou deve ter-se dirigido a Sua Excelência, dizendo: "Sr. Presidente, entrego-lhe o nome do senhor fulano de tal", que lhe deve ter indagado: "Quem é este cidadão? Quem é este alguém para quem me vou virar? É para o meu chefe da Casa Militar? Diga-me: Quem é esse cidadão?" A resposta deve ter sido: "É um homem de bem, um homem sério. Não tenho nada contra ele".  

Sabia o Sr. Fernando Henrique das acusações que pesam contra Sua Excelência? Duvido que sabia. Duvido que sabia! E, se não sabia, alguém era responsável. Alguém colocou o Presidente da República nesse constrangimento e não tinha o direito de colocar! Essa é a questão. O resto não tem importância. Fui Governador do Estado, o chefe de polícia estadual escolhemos eu e meu secretário de justiça, ninguém mais ficou sabendo, nem mesmo do Governo. Imaginem o chefe da Polícia Federal! Quem decide é evidente que é o Presidente. Erraram Ministros e Lideranças, inclusive Presidentes de Poderes que deram palpites onde não deveriam ter dado. Ali não é um problema de partido. Quem decide é o Presidente e, publicamente, Sua Excelência só pode ouvir uma pessoa, que é o Ministro da Justiça, porque Sua Excelência escolherá um cargo subordinado ao Ministro da Justiça. O que acontece? O Ministro da Justiça leva um nome ao Presidente, interinamente assume esse nome. As coisas vão muito bem. Cinqüenta, sessenta dias depois, aparece esse Chelotti: não pode ser PMDB, tem que ser fulano, não pode ser esse, não pode ser aquele, isso já é passado, mas, de repente, aparece um nome que está indicado. O Presidente indicou está indicado. O Presidente do PMDB diz: "O Presidente indicou, está indicado. Não se fala mais."

 

Então aparece um ex-padre e dá uma declaração de que ele era torturador, participou de torturas. Não sei o que é, sei que é muito sério. Volto a dizer, concordo com Mário Covas: tem que ser investigado, deve sair uma nota oficial dizendo o que é verdade, o que é mentira, o que houve e o que não houve. Esse assunto é delicado demais e se o senhor Presidente da República colocar uma pedra em cima e deixar para lá, cometerá um equívoco, porque é algo que não vai parar.  

Como disse o nobre Senador carioca aqui desta tribuna, ninguém pode colocar em dúvida direitos humanos neste Governo, principalmente contra o Sr. Fernando Henrique Cardoso. É evidente que sim. Não passa pela cabeça de ninguém — tem razão o Senador Artur da Távola — que Fernando Henrique Cardoso seja um Presidente da República que mancharia sua biografia numa tese como essa. Tanto que estou dizendo: duvido que o Senhor Fernando Henrique soubesse que havia uma vírgula com relação a participação em tortura no homem que ele indicou. Erro grave, muito grave é do seu assessor, que deixou o Presidente ser exposto a uma situação destas, de o Governador do maior Estado, seu maior amigo e aliado, Mário Covas, dizer: "Tem que ser apurado". Esse é o problema.  

O Sr. Chelotti deu uma entrevista de uma página inteira ao Jornal do Brasil . Errou? Na minha opinião, errou; não deveria ter falado. Mas o que ele diz é muito sério. Não é como diz o Senador Artur da Távola, respondendo ao ilustre Senador do Pará: "V. Exª é solidário com o que disse o Chelotti?". Ninguém é solidário. Mas isso não significa que o que disse o Delegado Chelotti não seja muito sério. É muito sério. E o Delegado é um homem muito competente, muito responsável, um homem sobre o qual não pesa absolutamente nada em relação a sua dignidade e a sua seriedade — isso eu acompanhei pessoalmente. Entretanto, vindo ele com uma declaração como essa, pesada, grave, ela tem que ter resposta.  

Ele está dizendo que a Polícia Federal não vai obedecer a esse Chefe de Polícia. Pelo amor de Deus, se o Sr. Chelotti já está dizendo que não vão obedecer, estamos assistindo a quê? E não vão obedecer porque seria um homem que estaria ligado à tortura. Isso tem que ter resposta.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Pois não, Senador.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Senador Pedro Simon, na época da Revolução, houve torturas e mortes. Muita gente foi absolvida. Será que se questiona se esse delegado torturou por vontade própria ou se por ordem de alguém? E será que esse alguém foi punido? Ou agora vão buscar as mortes todas que houve desde o episódio do Rio Centro, naquela época em que diziam as pessoas que faziam aquilo pela Pátria? Será que é o momento de fazer essa revisão do passado, inclusive passando por esse Delegado de Polícia, ora acusado de torturas ora de ser torturador?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - A pergunta de V. Exª é muito importante. Fui daqueles, Sr. Presidente, que nesta tribuna, junto com Teotônio Vilela, um dos primeiros a defender a Lei da Anistia. E andamos pelo Brasil afora defendendo a anistia. Penso que a anistia é para valer. E o Brasil foi dos países do mundo - graças a Deus - que passou por muita violência, mas saiu com muita serenidade e com muita dignidade, sem ódios e sem rancores, pelo menos que levassem a explosões, como aconteceram em outros países. Mas daí, meu querido Senador, a indicar alguém que tem participação na tortura como Chefe de Polícia há uma diferença muito grande. Buscar na vida desse Delegado o que fez e o que não fez não é questão a ser discutida. Agora me perdoe V. Exª de repente vem um cidadão desses, é indicado para a Chefia de Polícia e se diz que ele foi torturador. Aí é diferente, aí se tem que analisar, porque o Chefe de Polícia tem de ter um passado que lhe dê respeito. Essa é a questão. Não é uma lei da vendetta, não é o negócio de não esquecer. Tanto que ele estava esquecido. Foi de má vontade o cidadão que foi se lembrar do nome dele pela metade, que não se lembrou do nome dele completamente.  

Sr. Presidente, ainda gostaria de tratar de outro tema. Na sexta-feira, meio abruptamente, passei pelo Senado e, estando na sala do café, acabei pedindo emprestado a um dos nossos colegas que servem cafezinho uma gravata e um paletó, para que eu pudesse entrar em plenário e fazer um aparte ao pronunciamento do meu amigo, Senador Jefferson Péres. Foi sobre esse assunto que eu tinha me compromissado de voltar a falar desta tribuna: o problema da Iugoslávia e da OTAN. E se há uma pessoa a quem admiro, por quem tenho carinho e respeito total é o Senador Jefferson Péres, pelo seu caráter, pela sua dignidade, pela sua postura. É um homem que tem uma linha reta, e a reta dele é reta mesmo, não tem desvios, o que admiro muito. Pode bater contra quem for, mas o que acha que deve ser S. Exª defende com a maior dignidade e com a maior seriedade.  

Entendo a posição do Senador Jefferson Péres. Pelo amor de Deus, o que estava acontecendo na Iugoslávia, num final de milênio, é algo impossível! O mais grave é que estamos vendo pela televisão o que está acontecendo ali. Agora, as imagens chegam a nossa casa. No tempo de Hitler e do nazismo, ouvíamos falar delas. É diferente agora, sob esse ângulo, com o mundo realmente globalizado, estamos assistindo pela televisão às bombas explodirem. Estamos vendo ao vivo as coisas acontecerem.  

O que está ocorrendo ali é um absurdo, é inconcebível. É claro que a questão naquela região não é de agora. Ela vem pelo século inteiro. No entanto, independentemente da análise que se faça de sua personalidade, temos de reconhecer que houve um homem que foi realmente um gênio de competência, o Marechal Tito. Ele conseguiu, durante um longo período, manter essa gente toda no equilíbrio e no entendimento. E olha que o Marechal Tito rompeu com o comunismo de Stalin, o qual passou um tempo enorme tentando derrubá-lo, e não aderiu ao mundo ocidental. Ele não era nem da OTAN nem do Pacto de Varsóvia. Ficou uma pessoa praticamente sozinha no mundo: ele, a Iugoslávia dele e essa gente toda. Ele conseguiu viver e morrer sobrevivendo a tudo. Nunca a Rússia teve condições de colocar um soldado e atirar na fronteira nem os Aliados do outro lado, do Pacto da OTAN, porque Tito soube manter a unidade. A ferro e a fogo essa gente esteve junta, mas esteve junta.  

A morte do Marechal Tito, a implosão da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, o término da Guerra Fria, a supremacia total e absoluta dos Estados Unidos, que agora são os juízes - Deus colocou os Estados Unidos como o braço para dizer o que está certo e o que está errado, para dizer o que se faz e o que se não faz -, fizeram aparecer essas questões.  

A questão dos Bálcãs é séria. Trata-se ali de nações com línguas, raças, histórias, biografias que vêm de tempos remotos, mas com falta de território para todos. São praticamente cinco nações e quatro territórios. Sr. Presidente, não se tem encontrado solução para isso ao longo do tempo, mas não concordo com a solução apresentada pela OTAN, de mandar bombardear, como realmente fizeram. Há muitas pessoas dizendo que os americanos estão fazendo experiências. Uma delas foi realizada no Iraque: os mísseis dirigidos a alvo certo. A decisão americana de bombardear o Iraque também foi um absurdo. Isso não quer dizer que sejamos a favor do ditador iraquiano. Podemos ter mil opiniões contra o ditador do Iraque, mas daí a se bombardear uma nação, como fez o americano, há uma diferença muito grande.  

Agora na Iugoslávia os alvos foram mais concretos, mais positivos. É claro que ainda erraram, pois milhares de civis morreram, fábricas, pontes e tudo o mais caíram por engano. Entretanto, os americanos apareceram.  

Muitos queriam continuar essa guerra porque, se não for nessa, será na próxima. Na próxima guerra que os americanos inventarem, eles terão uma tecnologia ainda mais perfeita a executar. As bombas apagarão todos os dados dos computadores, e toda a energia elétrica será cortada. Esse será o efeito das bombas e da tecnologia que estão elaborando. Queriam tê-las experimentado na Iugoslávia, mas, por uma questão técnica e psicológica, resolveram deixar para uma outra oportunidade.  

Ora, Sr. Presidente, a OTAN não tem mais razão de existir. Que é a OTAN? É o pacto de defesa do Atlântico Norte contra o Pacto de Varsóvia. Os comunistas da União Soviética se reuniram no Pacto de Varsóvia, e a Europa ocidental e os americanos, no pacto do Atlântico Norte. Mas isso terminou. Não há mais Pacto de Varsóvia, não há mais União Soviética, não há mais nada do outro lado. Qual é a razão da existência da OTAN?  

Hoje, o que existe é a União Européia. A Europa tem um parlamento europeu, quase uma confederação de países — aliás, é espetacular a presença e o trabalho da União Européia. A confederação européia hoje é uma realidade, caminhando para uma moeda única, para quase um Estado confederado, com uma unidade extraordinária.  

E os americanos utilizam a OTAN para bombardear a Iugoslávia! Por que a OTAN? Por que desmoralizar, como desmoralizaram, a Organização das Nações Unidas? Já existe a ONU, já existe o Conselho de Segurança da ONU, por que usar a OTAN? Por que desmoralizar a ONU? E por que os Estados Unidos decidiram isso?  

Então, a tese hoje, Sr. Presidente, é a de que não há mais essa idéia. Terminou a chamada garantia de que um País tem autonomia total e absoluta. Hoje, não. Hoje somos globalizados, temos que caminhar nesse sentido. É com isso que me assusto. Se amanhã ou depois, resolverem dizer que estamos depredando, tratando malevolamente a Amazônia, poderão decidir que o Brasil não tem condições de comandá-la, que ela é grande demais para o Brasil dirigir; que é oxigênio, água doce demais para o mundo inteiro e para estarmos a depredá-la permanentemente. Quem disse que não? A questão da hegemonia é muito séria, e o que me assusta é o precedente.  

Alguém quer imaginar que o americano larga a bomba, porque não gosta do Hussein ou porque não gosta da Iugoslávia ou porque está em uma guerra humanitária? Não consigo acreditar nisso. Se, no Brasil, no Chile, na Argentina, no Uruguai, pelo mundo afora, estão largando bombas, se está havendo luta ou não, o americano não tem nenhuma preocupação com isso, a não ser quando há interesse político em jogo.

 

Os americanos ficaram do lado de um governo fantasticamente corrupto como o de Cuba. No momento em que rompeu com aquele governo, que não mais lhe interessava, auxiliou Fidel Castro a derrubá-lo na revolução. Depois, brigou com Fidel Castro. Esse governo americano não me parece que tenha lutado para implantar a democracia e a liberdade na humanidade.  

Por isso, assusto-me com o que aconteceu na Iugoslávia. Queira Deus que os absurdos que lá estavam sendo cometidos se encerrem. Queira Deus que os crimes brutais para fazer desaparecer, praticamente, uma raça se encerrem. Mas bombardear pura e simplesmente... Não consigo imaginar, Sr. Presidente.  

Estamos reunidos aqui e, de repente, decidimos: "Vamos bombardear tal cidade". E bombardeamos?. Bombardearam hospital, caiu bomba em asilo, Sr. Presidente. Até Kissinger, que foi um dos grandes homens americanos no passado, criticou duramente seu país, dizendo que, a não sei quantos mil quilômetros de altura, largar bombas sem nenhuma responsabilidade é um absurdo. É isso que eu quis dizer ao meu amigo, Senador Jefferson, quando tratei dessa matéria em um aparte que fiz a S. Exª na sexta-feira. Volto a repetir: penso que a OTAN festejou tristemente seus 50 anos.  

Todo mundo sabe que a Inglaterra não tem voz própria; ao longo do tempo, ela não tem tido condições de dizer "não" aos Estados Unidos. Ela diz "sim", "sim" e "sim". O próprio Tony Blair, que é uma das pessoas mais bem-vistas pelo mundo, pelo que representa de modernidade, é obrigado a aceitar sem dizer nada. Afora isso, Sr. Presidente, sabemos que, na Europa, países como a França aceitaram, mas à força. No fundo, a população daqueles países não estava entendendo por que estava acontecendo aquilo na Europa; depois de terminarem os massacres da Segunda Grande Guerra, no final do milênio, está vendo um país sendo bombardeado dentro da própria Europa, sem declaração de guerra ou coisa que o valha.  

Eu tenho medo dessa globalização, aliás, sempre tive. Tenho medo dessa questão de colocarmos nas mãos de alguns o direito de decidir o nosso destino. Estamos vendo e sentindo, a cada dia que passa, que essa chamada globalização nos leva a um terreno muito perigoso de interrogações, de dúvidas e de incertezas.  

No setor dos alimentos, Sr. Presidente, estamos verificando que a guerra tecnológica é imprevisível quanto ao que pode levar. E quais são os resultados disso?  

Quando eu lecionava Economia Política, há pouco tempo, na Faculdade de Direito, Sr. Presidente, divergia de Malthus, das suas teses de que o mundo havia de morrer de fome, porque a população aumentava geometricamente, e a produção de alimentos aumentava aritmeticamente. A população crescia, subindo de elevador, e a produção de alimentos subia pelas escadas. Isso não existe mais. Nós sabemos que este perigo de o mundo morrer por falta de produção de alimentos não existe mais, porque a tecnologia avançou de uma maneira tão fantástica, que se pode produzir muito.  

O que acontece no mundo, Sr. Presidente, é que, na verdade, quem produz e distribui é que está fazendo com que ¼ da humanidade esteja passando fome. Esse ¼ da humanidade está passando fome, não porque falta alimento, não porque não tem condições de produzir alimento. É porque não interessa ao neoliberalismo do mundo essa questão. Essa gente, para o neoliberalismo do mundo, não existe. Imaginar, como imaginam alguns nossos neoliberais, que o capitalismo vai crescer, desenvolver-se e, um dia, vai preocupar-se em distribuir, no sentido de que ninguém passe fome, isso é piada, Sr. Presidente. Isso é piada.  

Esta é a realidade social atual: ¼ da humanidade passando fome em vários países e o que sucedeu na Iugoslávia — bombardearam um país, para depois tentar reconstruí-lo. Para onde vamos?  

Sr. Presidente, penso que a ONU pode ser uma entidade muito longe do que almejamos. Como professor de sociologia na universidade, eu sempre colocava em dúvida a ONU, por causa do seu Conselho de Segurança. Será que a ONU precisa de um Conselho de Segurança? Há o veto. Seis países dizem o que se faz ou não, e o resto tem que obedecer? Não é a Assembléia Geral da ONU, por votação, que deve decidir?  

Hoje, entendo que, se não houvesse o Conselho de Segurança, a ONU não existiria há muito tempo. No entanto, agora, mesmo com o Conselho de Segurança, os países não querem mais aceitar; não recorrem à ONU, por causa do aconteceu no Iraque: em meio à votação do Conselho da ONU, quando a Rússia e a França votaram contra, os americanos mandaram bombardear. À revelia da decisão do Conselho, foi feito o bombardeio. (O Presidente faz soar a campainha.) Já encerro, Sr. Presidente.  

Agora, na Iugoslávia, com medo de que o Conselho da ONU pudesse fazer a mesma coisa, eles foram direto para a OTAN. Moribunda nos seus 50 anos, não tendo mais razão de existir, a OTAN de repente ressuscitou, para permitir que o bombardeio fosse feito. Isso me assusta, Sr. Presidente, me preocupa. E se a tecnologia avançar, como estão dizendo, daqui a um par de anos não vai ter nenhuma morte. Vão mandar os teleguiados, e, de repente, num país determinado, não tem luz, não tem mais computador, faz-se a anarquia generalizada.  

Essas são as questões que temos que debater na globalização, Sr. Presidente, porque isso foi um início muito ruim que vi lá na Iugoslávia.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1999 - Página 15258