Discurso no Senado Federal

SIGNIFICADO DE NELSON MANDELA NA TRANSIÇÃO DO REGIME DE SEGREGAÇÃO RACIAL PARA A DEMOCRACIA NA AFRICA DO SUL. POSSE DO NOVO PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL, THABO MBEKI, OCORRIDA ONTEM.

Autor
Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • SIGNIFICADO DE NELSON MANDELA NA TRANSIÇÃO DO REGIME DE SEGREGAÇÃO RACIAL PARA A DEMOCRACIA NA AFRICA DO SUL. POSSE DO NOVO PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL, THABO MBEKI, OCORRIDA ONTEM.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1999 - Página 15532
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, POSSE, THABO MBEKI, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, NELSON MANDELA, EX PRESIDENTE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, VIOLENCIA, GUERRA, LUTA, OBTENÇÃO, PAZ, DEMOCRACIA, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.

O SR. MOREIRA MENDES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o meu tema hoje vai fugir um pouco da rotina dos grandes temas nacionais ou regionais.  

Gostaria de registrar aqui a posse, ontem, de Thabo Mbeki à Presidência da África do Sul. Eleito no dia 2, a vitória de Mbeki é a vitória da dignidade humana, conduzida por um dos maiores nomes do século, por sua luta em favor da democracia do país, toldada pela mais sangrenta segregação racial que este mesmo século conheceu: Nelson Mandela é o seu nome.  

É oportuno lembrar esse feito como registro de como a transição de regimes autoritários para a democracia pode ser feito sem derramamento de sangue ou sem a usurpação do poder. Mandela contradiz Shakespeare, que, ao apontar "o pior tirano como o que um dia foi escravo", denunciava que a mais cruel forma de usura é exercida pelos que mais sofreram para conquistar o poder.  

Qualquer comparação entre a África do Sul e a história recente do Brasil não é mera coincidência. Difere, no entanto, de como os dois países devolveram a cidadania aos seus povos. Aqui, os anos de arbítrio chegaram ao fim após vinte anos - graças a Deus -, com muito menos sangue a lamentar, graças a uma anistia que acomodou no mesmo barco torturadores e terroristas ao porto da democracia, sete anos a mais do que o tempo em que Mandela ficou preso acusado de crimes contra o apartheid, o brutal sistema de segregação baseado na raça dos cidadãos. Aqui as comparações acabam. Ao conquistar a liberdade para seus irmãos, Mandela cortou o derramamento de sangue que manchava o seu país desde o início da sua história. Mandela volta para casa com a consciência tranqüila dos que cumpriram com honra o dever traçado pela História. Mais do que fazer o seu sucessor, de resto esperado pelo mundo todo, Mandela deixa atrás de si um passado que lhe valeu a admiração de todo o mundo, entre as quais a conquista do Prêmio Nobel da Paz, que ele, modestamente, transfere aos povos que lutam pela paz e que resistem contra o racismo em seus países, particularmente, à Noruega por sua posição contra o apartheid sul-africano, enquanto grande parte do mundo mantinha-se indiferente.  

As comparações são inevitáveis, Srªs e Srs. Senadores, a começar pelo que a África conquistou com o trabalho de Nelson Mandela. Aqui nos contentaríamos em conquistar a tranqüilidade social, voltarmos a nos preocupar menos com a popularidade do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso e, principalmente, em encontrarmos uma saída para as conturbações que geraram essa mesma impopularidade.  

Graças ao trabalho de apaziguamento de um país dilacerado pelo antigo regime de segregação social, Mandela levou o seu partido, o Congresso Nacional Sul Africano e seu candidato, o Vice-Presidente Thabo Mbeki, a uma vitória agora mal comparada à obtida na reeleição de Fernando Henrique. Aqui, a paz social se traduzia pela conquista do Plano Real, da queda da inflação, de mais comida na mesa. Logo, pouco importava se o sucessor de Fernando Henrique fosse ele mesmo.  

Acho que outros países, em idênticas agruras sociais, também gostariam de ter um Mandela em casa. Para que, no rastro das conquistas democráticas que eles venham a obter, não tenham que tropeçar em pedras como a que encontramos pela passagem de, por exemplo, um Fernando Collor em nosso País. Banho de urna, no Brasil, parece que virou praga. Quanto mais retumbante for a vitória dos autoproclamados salvadores da pátria, mais decepções o País tem pela frente. Continuarmos tão órfãos como antes do sonho, até quando a próxima mentira nos for acenada. Para continuar caindo e levantando.  

Como na África do Sul, com ou sem Mandela, o País continua batendo no peito. Segundo dados da revista Veja, os negros (77% da população) continuam vivendo miseravelmente. Aqui, a busca pela melhoria de vida da população atinge a todas as camadas sociais. Ao contrário da minoria branca que, apesar da truculência, deixou uma estrutura econômica que alinhava a África do Sul entre os países menos dependentes dos favores do FMI.  

Finalizando, espero que o presidente sul-africano eleito possa continuar o que o velho e carismático Mandela conquistou até aqui, nessa corrida de revezamento que a África do Sul está encetando rumo ao novo milênio. Torcemos para que amanhã não tenhamos que voltar aqui para lamentar nova decepção.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. MOREIRA MENDES (PFL-RO) - Ouço com prazer V. Exª.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Parabenizo V. Exª por este pronunciamento que faz. Eu só acrescentaria, em relação às comparações que V. Exª fez – se é que as entendi, Senador –, um aspecto que acredito ser da mais alta relevância. Na África do Sul, todo o regime de apartação social da supremacia da minoria branca em relação à maioria negra e toda a luta que foi levada a cabo pelo povo sul-africano teve à frente desse processo a liderança de Nelson Mandela, que durante mais de 30 anos lutou para chegar à conquista do que significou para a humanidade uma sinalização de esperança pela via da ação política pacífica – o que faz parte da trajetória daqueles que defendem a paz e que não são favoráveis à violência e nem à guerra. No entanto, o grande mérito de Mandela, além de todo esse processo histórico que ele viveu, do meu ponto de vista, foi o fato de que nem ele e nem os seus se auto-intitularam imprescindíveis para a continuidade do que ali foi conquistado. A realidade do povo sul-africano, em todos os seus aspectos, era bem pior do que a realidade do povo brasileiro. No entanto, lamento que, no Brasil, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o seu núcleo dirigente e o próprio Congresso Nacional tenham-no auto-intitulado imprescindíveis para continuar o processo de estabilização econômica. Foi essa imprescindibilidade que fez com que este País chegasse a esta situação. Para mim, a grande contribuição de um estadista neste País - após termos vivido a experiência da era Collor e a transição para Itamar Franco - seria fazer estrategicamente o fundamental para que pudéssemos ter estabilidade política, econômica e social. Quem fosse levar a cabo essa tarefa não poderia ter em vista a reeleição, caso contrário, iria renunciar às ações fundamentais para ter maior popularidade. Foi o que aconteceu com este País em função da ganância pela reeleição. Tínhamos que fazer um mudança no câmbio e uma desvalorização no real, e tais medidas não foram tomadas porque gerariam desgaste político. Havia uma série de outras medidas necessárias que não foram realizadas em função da reeleição. Creio que, hoje, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e, infelizmente, o povo brasileiro pagam um preço muito alto por não terem compreendido qual era o papel de um governante nesse período de transição, como muito bem compreendeu Mandela. Mandela vai ficar na história como aquele que acabou com o apartheid na África do Sul. Espero, como V. Exª, que o seu sucessor tenha a condição política e a capacidade de continuar esse processo nas bases em que está posto hoje, que não é mais a grandiosa articulação feita do ponto de vista político para se dar fim a um regime de apartação social. Por outro lado, no Brasil, infelizmente, Senador, o que tivemos foi uma subordinação dos interesses estratégicos do País aos interesses da reeleição, que, lamentavelmente, o Congresso Nacional e o Presidente Fernando Henrique Cardoso não foram capazes de compreender a dimensão do governante que assumia após a era Collor, após a sua transição. É por isso que estamos pagando um preço tão alto. Manifesto apenas uma discordância em relação ao que apontou V. Exª, Senador Moreira Mendes: enquanto na África do Sul a maioria branca tem as benesses, segundo V. Exª, no Brasil, a crise atinge a todos. É claro que atinge a todos; contudo, atinge de uma forma muito tênue a camada de incluídos – a situação dos 60 milhões de incluídos nem se compara à daqueles que estão abaixo da linha de miséria. O Brasil, infelizmente, continua sendo um dos países de maior concentração de renda e de maior índice de desemprego, ocupando, no particular, o vergonhoso 4º lugar no mundo. Parabenizo V. Exª por trazer o tema à tribuna esta manhã.  

O SR. MOREIRA MENDES (PFL– RO) - Agradeço o aparte de V. Exª, ainda que concorde apenas em parte com ele. Faço a ressalva de que, uma vez proposta a reeleição, o povo a referendou nas urnas. A vontade do povo constitui, assim, um fato que não se pode mais discutir.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL– SP) - Senador Moreira Mendes, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. MOREIRA MENDES (PFL– RO) - Concedo o aparte ao ilustre Senador Romeu Tuma.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL–SP) - Agradeço a oportunidade e procurarei ser bem rápido para que V. Exª conclua o seu pronunciamento. Contudo, não poderia deixar de cumprimentá-lo. A caminho do Senado, ouvia eu o discurso de V. Exª, quando mencionava a figura de Nelson Mandela. Veio, então, à minha memória a figura de Gandhi, que, através da história, foi o exemplo mor de que a paz também traz vitórias. Mandela, por sua vez, é o exemplo vivo de que a sua capacidade de suportar o sofrimento, a discriminação e a violência, tendo conseguido superar todas as adversidades, deu à África do Sul um programa de paz. Hoje, a luta daquele país é pelos direitos humanos. Ainda ontem, quando o governo americano divulgou relatório sobre alguns países que ferem princípios dos direitos humanos, vimos que, infelizmente, há algumas referências ao Brasil. Daí a importância do discurso de V. Exª, qual seja, a de trazer aos Anais desta Casa o exemplo do sofrimento e da angústia de Nelson Mandela, durante os anos que sofreu na prisão, seguindo-se o exercício de um governo que foi captado pela sociedade como positivo. Este, para nós também, um exemplo que deve ser seguido. Acredito que, por meio da paz, da luta pacífica e fraterna, conseguiremos reverter os altos índices de desemprego de que padece a sociedade brasileira hoje. E V. Exª, acredito, ao inscrever o nome de Mandela nos Anais como exemplo de pessoa humana, impõe-nos também a meditação sobre o problema. Quero cumprimentá-lo, esperando que tenham eco as palavras de V. Exª.

 

O SR. MOREIRA MENDES (PFL– RO) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, com a sua capacidade, veio ao âmago da questão, que é, exatamente, o fato de registrar o exemplo deixado por aquele grande sul-africano às gerações futuras de todo o mundo.  

Continuando, Sr. Presidente, e para finalizar, espero que o Presidente eleito possa continuar o que o velho e carismático Mandela conseguiu até aqui, nesta corrida de revezamento que a África do Sul está encetando rumo ao novo milênio.  

Torcemos para que, amanhã, não tenhamos de voltar aqui para alimentar mais uma decepção. Afinal, lá, no Continente Negro, estão parte das nossas raízes afetivas, culturais e históricas.  

Quero encerrar dizendo que feliz do governante que, após cumprir a sua missão para com o seu povo, pode retornar a sua aldeia feliz, sorrindo, cantando e dançando, como Mandela.  

Muito obrigado.  

 

Ñ Ó


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1999 - Página 15532