Discurso no Senado Federal

CARENCIA DE PROFISSIONAIS DA SAUDE NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • CARENCIA DE PROFISSIONAIS DA SAUDE NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1999 - Página 15737
Assunto
Outros > SAUDE. EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, FALTA, ASSISTENCIA, SAUDE, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, INSUFICIENCIA, NUMERO, MEDICO, DENTISTA, ENFERMEIRO, FARMACEUTICO BIOQUIMICO.
  • ANALISE, PROBLEMA, SAUDE PUBLICA, BRASIL, ORIGEM, DESNUTRIÇÃO, FALTA, SANEAMENTO BASICO, TRATAMENTO, AGUA, ESGOTO.
  • ANALISE, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, BRASIL, CATEGORIA PROFISSIONAL, SAUDE, COMENTARIO, DADOS, CONCENTRAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO SUL, REGISTRO, INSUFICIENCIA, REMUNERAÇÃO, EXERCICIO PROFISSIONAL, MEDICINA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, PERIODO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, ANTERIORIDADE, REGISTRO, DIPLOMA, MEDICO, ENFERMEIRO, DENTISTA, FISIOTERAPEUTA, FARMACEUTICO BIOQUIMICO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje trago um assunto que atinge milhares de pessoas, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste: a falta de assistência à saúde. Além da atenção de V. Exªs, peço-lhes que me acompanhem utilizando-se da razão, refletindo sobre o problema que lhes trago: a falta de médicos, dentistas, enfermeiros e bioquímicos nessas Regiões. E, mais que a razão, peço que usem o coração para se sensibilizarem com o que se passa com esses homens, mulheres, crianças e idosos: saber que poderiam ser curados pelo profissional da saúde, que existe no País, mas que, por não estar presente naquele Município, não lhes leva o auxílio reclamado.

Srªs e Srs. Senadores, sei que o problema da saúde não se esgota na assistência médica, odontológica e farmacêutica. Com minha experiência médica e como diretor de hospitais e Secretário de Saúde, estou consciente de que a pessoa chega para um atendimento de saúde por necessidade, às vezes extrema necessidade. E sabemos nós que as origens das doenças em nosso País podem ser localizada, por exemplo, na nutrição - carência da comida essencial para manter as pessoas saudáveis. Essa origem pode estar também na falta de saneamento - ausência de água tratada e fluoretada - ou na inexistência de esgotamento sanitário, um ponto bastante falho em nosso imenso País.

Como Secretário de Saúde, aprendi que são muitas as dificuldades enfrentadas por um dirigente público para dotar seu Estado dos equipamentos necessários a uma boa qualidade de vida.

Mas, por outro lado, estou convicto de que se chega a um ponto em que a assistência à saúde é mais do que necessária. E é nesse ponto que me deterei hoje: na aparente abundância desses profissionais em alguns Estados e regiões e em sua absoluta carência em outras.

Tomemos o caso dos médicos, que é o mais gritante, ou, pelo menos, o mais aparente. Para a Organização Mundial de Saúde, o ideal é que haja 10 médicos para cada 10 mil habitantes; ou um para mil. Ora, neste ponto reside a grande falha da estatística. E aqui abro um parêntese para dizer que tenho o maior respeito pela estatística. Acho que ela nos dá um mínimo de objetividade para gerirmos um mundo cada vez mais caótico. Mas a estatística não pode mascarar, encobrir problemas sérios. Ao fazermos as contas, constatamos que o Brasil, com seus mais de 230 mil médicos, tem um número acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. E, segundo essa lógica, não haveria qualquer problema. Aí é que entra o paradoxo da estatística, é aí que reside a lacuna fundamental, resumida na já célebre “analogia do frango” ou “analogia da pizza”: se, num universo de quatro pessoas, duas delas comem dois frangos, a estatística inclui todos e afirma que cada um comeu meio frango - embora dois deles não tenham comido frango algum --, e que o consumo alimentar daquele grupo, portanto, é de “meio frango per capita”. Perdoem-me o tom jocoso, mas, às vezes, um pouco de humor serve para denunciar certos absurdos que não são vistos pela objetividade dos números.

No caso específico dos médicos, o que temos é uma superabundância em certas regiões e Estados e uma absoluta carência em outros. Enquanto no Rio de Janeiro a proporção é de 31 médicos para cada 10 mil habitantes, no Maranhão há menos de 4 para o mesmo grupo de pessoas; enquanto no Distrito Federal a proporção é de 29 para 10 mil, no Amapá é de menos de 5 para 10 mil, e assim por diante: em Sergipe e Roraima, o índice é menor que 10; na Bahia e no Ceará, não chega a 8; no Piauí, no Pará e Mato Grosso o número gira em torno de 6; no Amazonas, no Acre e no Tocantins, em torno de 5 médicos para cada 10 mil habitantes.

Mas o problema se torna mais grave ainda quando verificamos onde se localizam tais médicos, levando-se em conta sua distribuição na capital e no interior. No Brasil, são 138 mil médicos nas capitais e cerca de 90 mil no interior. Mas isso não diz tudo, pois em Estados como o Amazonas são 1.500 médicos na capital e menos de 100 no interior; em Roraima, são 222 na capital e cerca de 15 no interior; no Pará, são 3.277 na capital e 593 no interior; na Bahia, 7 mil na capital e menos de 3 mil no interior; em Sergipe, 1.400 na capital e pouco mais de 100 no interior. O problema é mais grave no Norte e no Nordeste, pois, em alguns Estados do Sul e do Sudeste, a situação é até de equilíbrio.

Com relação a dentistas, a situação não é diferente. Embora, no conjunto, o País tenha mais dentistas por pessoa do que recomenda a Organização Mundial de Saúde, eles estão mal distribuídos. No Acre e no Amazonas, são 3 dentistas para cada 10 mil habitantes; em Rondônia, esse número não chega a 2; em Alagoas, não chega a 5 o número de odontólogos para cada 10 mil habitantes; na Bahia, há menos de 2; já em Minas Gerais, esse número chega a 10; e, em São Paulo, passa de 13.

A má distribuição de enfermeiros não fica atrás. Embora, neste caso, no Brasil como um todo, haja apenas 4 enfermeiros para cada grupo de 10 mil habitantes, em alguns Estados essa distribuição é mais desigual ainda. Apenas o Distrito Federal tem 10 profissionais para cada 10 mil habitantes; cinco Estados têm entre 5 e 7; outros sete Estados, entre 3 e 4; outros sete, ainda, na faixa de 2; e dois, a média de 1 enfermeiro para cada 10 mil habitantes.

Obviamente, as condições de trabalho, a remuneração, o conforto da moradia, as comodidades urbanas são fatores que contribuem para as escolhas dos profissionais médicos, enfermeiros, odontólogos, por optarem eles por essas regiões onde já há um número adequado de profissionais.

Sou médico, professor de Medicina, fui dirigente da categoria no Conselho Regional de Medicina de Roraima e sei dos percalços da profissão. Como publica uma reportagem da revista Veja do dia 2 de junho, mesmo para os médicos dos centros urbanos, como São Paulo, a vida profissional é dura. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz revela que os médicos brasileiros, embora bem preparados -- dois terços com residência médica e mais da metade com pelo menos uma especialização --, ainda são mal remunerados. A maioria deles tem três empregos e ganha um terço do que gostaria de ganhar.

Mas não estou falando de escolhas individuais. Estou falando de uma política de saúde pública que disponibilize médicos para quem deles necessita. Nisso eu vejo o papel do Estado, que, aliás, é o grande financiador da formação da maioria dos médicos.

Apenas a título de ilustração, quando visitamos os dados a respeito de saúde no Brasil, verificamos o quanto é prejudicial a falta de assistência médica. A segunda maior fonte de mortalidade, depois das doenças do aparelho circulatório, são as “causas mal definidas”. No grupo de óbitos por “causas mal definidas” estão aqueles em que a doença não é informada e também os que não tiveram assistência médica. Como a maioria desses casos está no Nordeste e no Norte, não é difícil fazer uma correlação entre “causas mal definidas” e “falta de médico”.

Na mesma linha de raciocínio, verifica-se que a mortalidade infantil, embora tenha decrescido no item ”doenças infecciosas”, aumentou no que se refere a “doenças perinatais”, aquelas do período anterior e posterior ao parto. Adivinhem qual é a causa?! Deficiência no atendimento médico, ou seja, falta de assistência pré e pós-parto. A morte de crianças cujas mães não passaram por acompanhamento pré-natal e no parto chega a 207 por 1.000 nascidos vivos; em contraste, para as mães que receberam assistência, o índice de mortalidade cai para 20 em 1.000 nascidos vivos. Uma diferença de dez vezes menos incidência de mortalidade quando existe assistência médica.

Ao examinarmos a mortalidade na infância -- de zero a cinco anos --, verificamos que as “causas mal definidas” estão entre as principais razões; novamente, no Nordeste e no Norte, onde há menos médicos, ocorrem mais mortes; e, é obvio, a principal dessas “causas mal definidas” é a falta de assistência médica.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - V. Exª me permite, Senador?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Um momento, Senador Pedro Simon.

Tenho me limitado a exemplificar com a mortalidade entre crianças não por serem as únicas atingidas pela falta de médicos, mas para fazer uma outra ponte, com a expectativa de vida. Ora, quanto maior a esperança de vida, maior a qualidade da saúde. Tanto é assim que o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, das Nações Unidas, tem na esperança de vida um dos três medidores do nível de desenvolvimento - os outros dois são a educação e o poder de compra.

Concedo, com muito prazer, o aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Minhas felicitações ao pronunciamento de V. Exª, que considero da maior importância e do maior significado. Mas peço desculpas a V. Exª por me intrometer nele com meu aparte. Um grande debate a que temos assistido sobre a saúde, e é um exemplo que, de certa forma, nasceu no Rio Grande do Sul, é que para começarmos a tratar da questão da saúde uma das importantes questões que teríamos que abordar é a do chamado “médico de família”. No Rio Grande do Sul, no conjunto hospitalar Cristo Redentor, há o exemplo de um médico fantástico, o Dr. Grosmann, que, há vários anos, vem fazendo um plano piloto em algumas vilas da região. Como médico de família, ele resolve, de uma maneira quase impossível de se acreditar, as questões da saúde naquela localidade. Em primeiro lugar, ele restabelece aquilo que hoje está desaparecendo no Brasil, que é o médico de família. Cada médico atende a um conjunto de famílias numa vila, e, no posto de saúde, fica registrada a história da mãe, do pai, do filho, do irmão, enfim, da família inteira. Ele acompanha a vida de toda a família. E muitas vezes não se precisa do médico, porque há enfermeiras que fazem visitas periódicas. V. Exª, que é técnico e conhece a matéria, sabe mil vezes melhor do que eu que crianças, quando não têm esse tipo de atendimento médico- familiar, quando não contam com um posto de saúde com essa especialidade, acabam morrendo na entrada do hospital, devido a uma diarréia ou coisa parecida. E ali, às vezes, a enfermeira ou a própria mãe da criança prestam o atendimento necessário, não se precisando do médico. Quando eu era Governador do Estado, o Dr. Grosmann me levou a um desses postos de saúde onde o atendimento é feito por médicos de família. Fui ali no dia reservado para que as mães levassem seus filhos. Senador, não acreditei no que vi. Eu disse ao Dr. Grosmann: “Tu estás brincando comigo”. Parecia um concurso de bebês Johnson, tal a beleza, a gordura daquelas crianças, que eram muito bem atendidas. O Dr. Jatene, quando era Ministro da Saúde, num depoimento aqui no Senado, dizia: “O mal do Brasil é pensar em querer resolver tudo construindo hospital. E, geralmente, os hospitais não são feitos onde eles são necessários”. Uma empresa faz a planta de um hospital, mostra-a para o coitado de um prefeito recém-eleito e lhe diz: “Que tal este hospital? É bacana. Queres construí-lo na tua cidade?”. O prefeito diz que não tem dinheiro para fazer tal empreendimento, e a empresa argumenta: “Tu dizes que queres e assinas aqui”. E consegue um empréstimo internacional e uma autorização, constrói-se o hospital, e o prefeito não paga nada; há quatro anos de carência, porque, no futuro, termina-se pagando. E dizia o Ministro Adib Jatene: “Isso não resolve. Na cidade de São Paulo há pessoas que não dispõem de água tratada e das mínimas condições de higiene. Não temos como averiguar essas questões”. Mais de uma vez eu trouxe o Dr. Grosmann para falar com o Ministro, e pretendo convidá-lo para conversar com o Ministro José Serra. V. Exª tem toda razão: há falta de atendimento médico. Penso que deve haver especialização, para que realmente seja dado o atendimento médico com algo de pessoal. Hoje, isso praticamente não existe mais. É aquela história do médico que entende de fígado, de rim, de coração, de olhos, de ouvido; mas, na minha opinião, deve existir um médico que conheça o aparelho geral, o conjunto geral. Meus cumprimentos e minhas felicitações a V. Exª! Perdoe-me por estar aqui, de forma intrusa, alterando o brilhante pronunciamento de V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR) - Ao contrário, o aparte de V. Exª é que abrilhanta o meu pronunciamento. Mas eu gostaria de explicar, Senador Pedro Simon, que o fulcro deste meu pronunciamento não colide com o enfoque dado por V. Exª. Na verdade, o que estou buscando é a pedra fundamental da questão da saúde: a divisão - digamos assim - geoespacial do profissional no País.

Estou mostrando, por exemplo, que, nos nove Estados que compõem a Amazônia legal, existe um grande déficit de médicos, porque existe um déficit de escolas médicas naquela região. Sessenta por cento das escolas médicas, das escolas de formação de enfermeiros e de odontólogos, estão no Sul e no Sudeste. Conseqüentemente, o profissional que ali se forma muito pouco se desloca para essas regiões. Então, estou mostrando um retrato, um raio X, da questão da distribuição espacial do profissional de saúde no País.

Como eu disse no meu pronunciamento, do ponto de vista global, quanto à população do Brasil e à população de médicos, há um excesso de médicos no Brasil. Só que eles estão basicamente no litoral e nas capitais. E como resolver isso?

Ora, se não cuidamos de garantir a vida de nossas crianças e dos que estão para nascer em muitas regiões do País, como dizer que há compromisso com o desenvolvimento humano? Como fazer reduzir os ainda altíssimos índices de mortalidade infantil, quando comparados ao padrão dos países desenvolvidos? No Nordeste do Brasil, há 59 mortos por mil nascidos vivos, e a meta estipulada pela Cúpula Mundial em Favor da Infância é a de que esse número caia para 30.

Em função dessas e de outras considerações relevantes é que apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 233, de 1999, que cria normas para que os profissionais da área de saúde possam ter seus diplomas registrados nas respectivas universidades, no MEC e nos seus conselhos profissionais. Esse projeto exige que o profissional, ao se formar, preste serviço por dois anos em municípios das regiões Norte e Nordeste, onde a relação profissional/habitante seja igual ou inferior a um profissional de saúde para cada mil habitantes. A medida inclui, além dos médicos, os odontólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos e bioquímicos.

A obrigatoriedade é estabelecida a partir do momento em que os profissionais só obterão o reconhecimento do diploma universitário e a inscrição no respectivo conselho profissional após haverem exercido a profissão por dois anos naqueles municípios.

Esse projeto é diferente da prestação do serviço social civil obrigatório, em que se pretende substituir aquele excedente que deveria servir às Forças Armadas e que prestaria, alternativamente, um outro serviço. O que queremos é que qualquer profissional, em qualquer faixa etária, ao se formar, seja obrigado a servir nesses municípios durante dois anos para poder obter o registro do seu diploma. Daí ele poderá se deslocar para qualquer parte do Brasil ou do exterior, mas terá dado a sua parcela de colaboração e uma retribuição à sociedade que custeou, de alguma forma, direta ou indiretamente, os seus estudos.

Só dessa maneira, acredito, poderemos começar a resolver o problema da falta de médicos e de outros profissionais de saúde no Brasil. Em função disso, peço que estudem com carinho esse projeto e dêem a ele a acolhida que a população desses municípios desassistidos espera: a aprovação.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1999 - Página 15737