Discurso no Senado Federal

INTERPRETAÇÃO DAS CRISES POLITICAS E INSTITUCIONAIS OCORRIDAS NA SEMANA, RESSALTANDO A PREOCUPAÇÃO COM O IMPASSE ENTRE O SENADO FEDERAL E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEFESA DO PARLAMENTARISMO E JUSTIFICATIVA DA EXISTENCIA DE MEDIDAS PROVISORIAS NO ATUAL REGIME PRESIDENCIALISTA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • INTERPRETAÇÃO DAS CRISES POLITICAS E INSTITUCIONAIS OCORRIDAS NA SEMANA, RESSALTANDO A PREOCUPAÇÃO COM O IMPASSE ENTRE O SENADO FEDERAL E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEFESA DO PARLAMENTARISMO E JUSTIFICATIVA DA EXISTENCIA DE MEDIDAS PROVISORIAS NO ATUAL REGIME PRESIDENCIALISTA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1999 - Página 15758
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, COMENTARIO, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • CRITICA, EXECUTIVO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INTERPRETAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • ANALISE, CORRELAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PARLAMENTARISMO.
  • CRITICA, JUDICIARIO, DEMORA, JULGAMENTO, MERITO, LIMINAR, PREJUIZO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, TRIBUTOS.
  • SOLICITAÇÃO, URGENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, MERITO, LIMINAR, QUEBRA DE SIGILO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS, REPUDIO, PROTEÇÃO, EX PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • REITERAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, UNIFICAÇÃO, INQUERITO POLICIAL, INQUERITO JUDICIAL, NECESSIDADE, COMBATE, IMPUNIDADE.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida de que, nos meus quarenta anos de vida pública, não tinha assistido a um momento tão estranho, tão difícil de interpretar como este que vivemos agora.  

De um lado, os desentendimentos entre o Presidente da Câmara e o Presidente do Senado - que diga-se de passagem, com muita categoria, os dois terminaram superando. É claro que era melhor que não tivesse acontecido, mas houve uma compreensão recíproca, e creio que esse fato está superado. No regime parlamentar, é até compreensível, lá pelas tantas, um certo destempero, um certo atrito entre Parlamentares. É claro que aqui o problema envolveu os dois Presidentes, mas creio que passou e, na minha opinião, sinceramente, não deixou mágoas.  

No entanto, o que me preocupa é o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Houve um momento entre o Supremo Tribunal Federal e a Presidência da República que chamou a atenção e foi difícil - algumas manifestações da Presidência da República, na minha opinião pouco felizes, envolvendo decisões da Justiça com relação ao uso de liminares, com relação a dúvidas e angústias do Executivo, com relação a certos tributos que, via liminar concedida pelo Judiciário, os empresários terminavam não pagando. E não havia decisão dessas liminares. Mas ali, de certa forma, o assunto também foi superado.  

Aliás, nesse sentido, creio que há duas questões que vamos ter de analisar. De um lado, as medidas provisórias, com que praticamente o Poder Executivo vem governando o Brasil. Sobre todas as matérias importantes, e não apenas sobre aquelas absolutamente necessárias, o Governo vem legislando por medida provisória. Sobre o que deveria ser tratado em projeto de lei complementar, projeto de tributos, seja lá o que for, passando por cima de toda a Constituição, o Governo vem legislando por medida provisória.  

Com todo o respeito que tenho ao Supremo - quem sou eu, um rábula, professor de faculdade, é verdade, mas quem sou eu? -, juro, Sr. Presidente, que li cem vezes a Constituição Federal. Nas cem vezes em que a li, nas cem vezes em que fui buscar lá, na votação da Constituinte, como se votaram as medidas provisórias, juro que não vi nada que desse ao Supremo Tribunal Federal o direito de interpretar que a medida provisória poderia ser repetida quantas vezes o Presidente da República quisesse.  

Na minha opinião, segundo o texto da Constituição Federal, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias; se no prazo de trinta dias for aprovada... Veja bem: aprovada. Caso não seja aprovada, morreu. O Supremo Tribunal interpretou que a medida provisória poderá ser reeditada várias vezes, e é o que está acontecendo hoje. Então, fica com o Supremo Tribunal Federal, com todo o respeito, a grande responsabilidade pelo fato de o Brasil estar sendo governado por medida provisória.  

Hoje vim correndo para apartear o brilhante pronunciamento do Relator da Constituinte e grande jurista desta Casa, Senador Bernardo Cabral, o que para mim é uma grande honra, uma grande emoção. S. Exª está aqui para dizer que a medida provisória era para existir no regime parlamentarista. Criado o regime parlamentarista, criar-se-ia a medida provisória. A pressão no Congresso Nacional foi tão grande na hora da votação final que, surpreendendo a todos, caiu o Parlamentarismo. Mas já havia sido votada a medida provisória.  

Na minha opinião, Senador Bernardo Cabral, era caso até de se discutir se não havia caído a medida provisória. Se ela era uma conseqüência do Parlamentarismo, se ela estava dentro do Parlamentarismo, caindo ele, cairia a medida provisória. Mas não quero discutir.  

Volto a dizer: a medida provisória do Senador Bernardo Cabral, a medida provisória da Constituinte existiria no regime parlamentarista. Edita-se a medida provisória e corre-se o risco de ter sua vigência por apenas só trinta dias; se não for aprovada, a medida provisória morre. Mas o Governo corrigiu o risco, Senador Cabral, de que se fosse rejeitada, seria como um voto de desconfiança. Se fosse assim, o Governo pensaria dez vezes, como pensa o Governo da Itália. Por que na Itália não há medida provisória todo dia? Porque, se cair uma medida provisória, cai o Gabinete.  

Não sou jurista, mas não entendo a decisão do Supremo Tribunal Federal, o grande responsável pelo fato de o Brasil estar sendo governado por medida provisória. E tem mais: a medida provisória é dez vezes pior do que o decreto-lei da ditadura. Se eu pudesse voltar, voltaria ao decreto-lei da ditadura. É verdade que o decreto-lei da ditadura, caso não aprovado, era convertido em lei; e estava aprovado. É verdade! Mas também é verdade que, convertido em lei, era lei e não podia ser alterado como a medida provisória. Algumas medidas provisórias já estão na 40ª edição. A cada edição, muda o Governo como bem entende, altera o Governo como bem entende, modifica o Governo como bem entende, fazendo praticamente outra lei.  

Com todo respeito aos meus amigos do Supremo Tribunal Federal, penso que eles deveriam refletir na responsabilidade que têm, porque foram eles que criaram essa decisão; não fomos nós, do Congresso Nacional. E o Brasil vem sendo levado adiante, em termos de Judiciário, com a política das liminares. Eu era Líder do Governo Itamar e me lembro de quando, lá pelas tantas, todos os empresários resolveram não pagar determinado imposto. E entravam com liminares. A Saúde teve um problema dramático, porque metade da sua verba vinha desse imposto. E o Supremo não decidia. As liminares foram indo, foram indo e foram indo.  

Claro que a liminar é um direito, Sr. Presidente, pelo amor de Deus! Mas manter uma liminar e não entrar no mérito não me parece lógico.  

Nunca, na história do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, uma liminar foi tão importante quanto essa do meu querido amigo, extraordinário, digno, competente, honrado, decente Ministro Pertence. E o Supremo Tribunal Federal me perdoe, mas, com todo respeito, tem que decidir porque, se ficar decidido que o Congresso Nacional, que a CPI não tem os direitos de investigação, vou propor a suspensão dos trabalhos da CPI e mandar tudo para o Supremo Tribunal Federal.  

Está-se dando um golpe de morte na CPI. É engraçado, meu querido Ministro Sepúlveda Pertence... No Japão, o Presidente do Banco Central anterior está na cadeia por roubo; o anterior a ele não está na cadeia porque se matou, com vergonha de ir para a cadeia. Quando foram buscá-lo para prendê-lo, ele se matou.  

No Brasil, criou-se toda essa celeuma porque alguns promotores, colegas de origem do Dr. Pertence, tiveram a ousadia — e olha, Sr. Presidente, não entendo mais nada — de ir à Polícia Federal. Conseguiram uma coisa difícil: os delegados da Polícia Federal concordaram e foram. Pegaram um escrivão da Polícia Federal; foram à juíza, que autorizou, e, com essa autorização, promotores, delegados da Polícia Federal e um escrivão foram à casa do Sr. Chico Lopes. Fizeram uma investigação e encontraram uma declaração do seu sócio, dizendo que tem mais de um milhão e meio de dólares depositados no Exterior, em nome do Sr. Bragança, mas de propriedade do Presidente do Banco Central à época. Encontraram ali que o fiador do prédio onde funciona a empresa é o Sr. Chico Lopes. Encontraram também que, mensalmente, a empresa manda, com bilhete endereçado ao Professor Chico Lopes, o seu balanço. Todos os documentos foram lacrados e entregues nas mãos da juíza.  

Agora vem o meu querido Ministro Pertence e diz que isso não vale; e libera os investigados e nos proíbe de ir adiante... Não vou mais votar na CPI, pedir a abertura de sigilo de conta de ninguém, se o Sr. Chico Lopes, que foi Presidente do Banco Central, tiver mantido o seu sigilo bancário. Se não podemos quebrar o sigilo dele, não podemos quebrar de mais ninguém.  

Olha, Sr. Presidente, está aqui o Senador Bernardo Cabral, que foi Presidente da CPI dos Precatórios. Claro que o Senador Bernardo Cabral - jurista, Presidente da OAB nacional, homem que sofreu dos dois lados a cassação, a violência, o arbítrio - deu a volta por cima: foi Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Relator da Constituinte. S. Exª entende e conhece esse assunto. Como Presidente da CPI dos Precatórios, S. Exª, com sua sapiência, agiu com muito mais categoria do que outros que não têm a sua competência. Pode ser que nós, na CPI, tenhamos cometido um equívoco aqui e ali, mas, Sr. Presidente, a CPI mais difícil foi a presidida pelo Senador Bernardo Cabral, porque nela eram tratadas questões de Estado, brigas de Estado com Estado, onde estavam envolvidos até interesses eleitorais. Mas, mesmo assim, naquela CPI, o que valia era o espírito público. E, tanto na CPI do Sistema Financeiro, como na do Judiciário, estamos tomando as decisões por unanimidade, com bom senso e com equilíbrio.  

Nunca me esqueço, meu bravo amigo e extraordinário jurista, Ministro Pertence, que, na CPI do Impeachment, ouvimos como testemunha - ele não tinha nenhum envolvimento; para nos orientar, nós o convidamos para depor - o Sr. Antônio Ermírio de Moraes. Ele veio depor aqui. Lá pelas tantas, o Senador Eduardo Suplicy lhe perguntou: "Dr. Antônio Ermírio de Moraes, o que o senhor acha da abertura do sigilo bancário? O senhor é favorável à abertura do seu sigilo?".  

Não me esqueço da resposta do Dr. Antônio Ermírio de Moraes, do qual, diga-se de pagassem, sou fã incondicional. Levei seu nome ao então Presidente da República Itamar Franco, que o convidou para ser Ministro das Minas e Energia. Mas ele teve um gesto de grandeza extraordinário e disse: "Não posso aceitar. Trabalho com produtos diretamente ligados a esse Ministério. Se eu assumisse o Ministério, iriam imaginar que, lá pelas tantas, eu estaria tomando decisões que interessariam às firmas que presido". Ele teve a grandeza de não aceitar aquele convite.  

O Sr. Antônio Ermírio de Moraes respondeu ao Senador Eduardo Suplicy: "Meu amigo Suplicy, vou-lhe contar uma história. Não tenho nenhum problema com relação a isso, porque, desde que inventaram o xerox e desde que criaram o PT, não existe mais absolutamente sigilo. O PT está infiltrado em tudo que é banco, em tudo que é setor. Sei e tu sabes que vocês do PT conseguem, no momento em que quiserem, o meu sigilo e o de todo o mundo!".

 

Então, meu ilustre jurista Pertence, dizer que é a CPI que está fazendo isso e que o fato de isso aparecer coloca em jogo a honorabilidade das pessoas...  

Acredito, meu bravo Pertence, que foi atingido o Sr. Chico Lopes. Isso é verdade. Mas ele foi atingido, porque não deu explicações. Por que ele não falou na Comissão? Ele poderia depor como testemunha.  

Estou sendo processado. Um advogado do interior de São Paulo está me processando na OAB, dizendo que não agi como devia ao fazer as minhas perguntas e que atingi a honra dos advogados. Então, vou atingi-la novamente aqui. Sou advogado criminalista, fiz uma infinidade de júri e, como advogado, penso - com o maior respeito - que os advogados orientaram mal o Dr. Chico Lopes. Eu lhe disse: "O senhor está sendo ouvido como testemunha, está sendo chamado a depor como testemunha. É claro que o senhor pode se negar a depor. Mas, no momento em que se nega a depor, o senhor está reconhecendo que o senhor é indiciado. O senhor está se colocando na posição de indiciado". E ele não me respondeu. Ele não explicou o que era aquele R$1,5 milhão. Ele não disse se era herança do seu pai ou que fosse. Ele não respondeu.  

A partir daí é que a opinião pública passou a ter uma má imagem do Sr. Chico Lopes. Isso não ocorreu pelo fato de o termos chamado a depor. E não fomos nós que nos dirigimos à casa dele, mas sim o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Juíza que deu essa ordem. Agora, por que o Sr. Chico Lopes não ficou bem e seus advogaram não gostaram disso deve-se proibir tudo, trancar a CPI? Na verdade, essa decisão trancou a CPI. Não sei com que cara os membros da CPI vão invocar a quebra do sigilo bancário do João ou do Manoel ou vão investigar isto ou aquilo, se o Sr. Chico Lopes, o Presidente do Banco Central, tem a seu favor nada mais, nada menos que o Sr. Sepúlveda Pertence, uma das pessoas mais íntegras e corretas que existem.  

Srªs e Srs. Senadores, penso que essa questão é por demais delicada.  

Qual é o artigo da Constituição que trata da CPI?  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Pedro Simon, é o art. 58, § 3º, da Constituição.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Muito obrigado.  

O § 3º do art. 58 da Constituição diz:  

"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,..."  

A CPI pode fazer o que é feito pelas autoridades judiciais.  

Repito o que é dito no § 3º do art. 58:  

"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais..."  

E são os poderes de investigação de todas as autoridades judiciais. Não são poderes somente do Juiz e do Tribunal, mas sim do próprio Supremo. Nós também temos os mesmos poderes de investigação da autoridade judicial. Isso está expresso no artigo 58 da Constituição.  

Depois, o nobre Senador Bernardo Cabral poderia me dar uma explicação, porque o § 3º continua dizendo o seguinte:  

"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,..."  

Quer dizer que, além dos poderes das autoridades judiciais, além de tudo aquilo, podemos colocar no Regimento Interno algo que é próprio do Congresso, atividades próprias do Congresso, que são diferentes das de uma autoridade judicial. Isso está na Constituição.  

Vamos deixar claro aqui o que são poderes de investigação: isso significa investigar, verificar o que está acontecendo, prevenir. Disse o nosso querido Pertence que não podemos... É claro que, se a CPI trancou as verbas, o ordenado, o vencimento do Juiz Nicolau - parece que isso aconteceu -, isso foi um absurdo, um erro. Se a CPI fez isso, esse foi um equívoco. Mas daí a não poder trancar a movimentação... Mas não tentar trancar o US$1,5 milhão que ele tem no exterior... Isso é próprio da autoridade judicial! Isso é privativo da autoridade judicial.  

Depois de 120 dias, as conclusões da CPI serão encaminhadas ao Ministério Público, para que se promova a responsabilidade civil ou criminosa do infrator. Uma CPI não pode denunciar.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Nem julgar.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Uma CPI não pode denunciar, muito menos julgar. Encaminhamos os trabalhos da CPI para o Procurador, que os recebe. Se quiser arquivá-los, ele o fará. Se quiser denunciar, ele o fará, e isso vai para o Tribunal.  

Não me lembro de nenhuma CPI, Senador Cabral, que tenha denunciado alguém. Podemos cassar, como cassamos o Presidente da República. O Supremo Tribunal Federal absolveu, dizendo que não havia crime algum, que não praticou nada. Absolveu, está absolvido. Cassamos dez parlamentares, ao que sei ficou na gaveta da Procuradoria, mas nós só cassamos, não podemos denunciar.  

Então, não sei qual a celeuma que estão fazendo, Sr. Presidente. O que acontece neste País, que é o País da impunidade, é que só ladrão de galinha vai para a cadeia, e que, de repente, quando os procuradores têm a coragem de, com mandado judicial, mandarem a Polícia Federal entrar na casa de um Presidente do Banco Central, dá toda essa celeuma. Mas não acontece nada quando entram na casa de milhões de coitados, infelizes, que estão no Brasil a fora. Com eles não acontece nada, porque não têm como chegar ao Supremo, nem a lugar nenhum. Não sei, Sr. Presidente, este é o País da impunidade.  

Tenho dito para o Senador Cabral que o Congresso Nacional é responsável, porque, se as leis não são alteradas, a culpa é nossa. Se não copiamos dos Estados Unidos, dos países da Europa, a culpa é nossa. Se não terminarmos com o processo policial e fazermos como existe nos Estados Unidos e na Europa, onde o processo já inicia com o procurador coordenando - já é o primeiro depoimento, o depoimento que vale.  

Volto a dizer aqui, meu querido amigo Pertence, o que aconteceu agora - repito pela terceira vez, mas é importante que eu repita pela terceira vez - um auxiliar de enfermagem confessou que matou cerca de cem doentes em estado terminal, confessou, contou os detalhes, deu os nomes das funerárias, informou que ganhava R$100,00 de cada uma, e se era alguém que tinha sido ferido em acidente e tinha seguro de vida ele ganhava R$1000,00 - confessou tudo. A polícia fez o inquérito e mandou para a Justiça. Na Justiça, o que está acontecendo: - Não confessei coisa alguma. Não matei ninguém. A polícia me colocou o revólver na cabeça, bateu em mim, me ameaçou, me coagiu e fui obrigado a confessar.  

O que acontece, Sr. Presidente? A prova policial não vale nada! Nada!  

Se fosse como nos Estados Unidos - e o projeto que, modéstia à parte, eu apresentei - ali no primeiro momento já estaria o procurador - como é na Itália. Ali, na hora, já estaria o procurador, ouvia, e o juiz, assistindo, dava o despacho: - Pode colocar na cadeia. E ele já não saía mais da cadeia, Sr. Presidente.  

Essas coisas têm que mudar. Mas não sinto no tribunal... Claro que o tribunal está a par, mas parece que ele está no Olimpo esperando que mudemos. Não sinto uma ação, não sinto uma preocupação, não sinto um interesse do tribunal no sentido de que as coisas se modifiquem. Parece que é assim: - Vocês façam. Enquanto vocês não fizerem, as coisas são assim.  

Este é um País da impunidade, e o que parece que não agrada ao tribunal, Sr. Presidente, é que só se fala em impunidade, só se bota a nu os escândalos neste País quando tem uma CPI. A sociedade está vendo isso. Talvez o fato novo seja a TV Senado . Porque antes falávamos aqui de portas fechadas, a imprensa botava o que queria e o que não queria não botava, e para surpresa de muita gente é impressionante o que a TV Senado é assistida. O Senador Cabral e o Senador Requião eram apontados, olhados na rua como se fossem artistas de novela da Globo na época da CPI dos Precatórios, tal a audiência que tinha aquela CPI. E é o que está acontecendo com esta.  

Então a sociedade se põe da seguinte maneira: - Por que uma CPI pode apurar? Por que pode conhecer? Por que pode andar? Por que pode desenvolver? Por que pode mostrar os fatos? E depois não acontece nada.  

Sei que as coisas são lerdas na justiça, porque são lerdas, mas na Itália a operação mãos-limpas agiu. Lá os ministros de tribunais e os procuradores se reuniram com a polícia, debateram e fizeram para valer, mais de cem Deputados foram para a cadeia, mais de cem grandes empresários, a começar pelo presidente da FIAT, o maior de todos, foram parar na cadeia. E milhões de dólares, que tinham sido roubados, voltaram ao patrimônio público, E não foi uma operação do Congresso. Lá é o contrário daqui, o Congresso até não queria, porque envolvia parlamentar. Mas lá aconteceu. Como acontece nos Estados Unidos.  

Não é essa história de um artigo que está sendo publicado, Sr. Presidente, querendo dizer o seguinte: - Não dá, não dá, o brasileiro é corrupto por natureza, é da índole do brasileiro ser corrupto. Vão para o diabo que os carreguem. Não é verdade. Não é verdade. Não dá para abraçar essa tese. Não, o americano é o americano, é um cara sério; o europeu é um homem digno; o brasileiro é corrupto, o que vamos fazer, é um povinho e não sei o quê. Não é verdade. É que nos grandes países o cara cumpre a lei porque sabe que se não cumpri-la, ele paga o preço, Sr. Presidente, ele paga o preço, ele pode ser filho do presidente ou filho de senador, se ele cometeu um delito, se ele andou com o carro e estava bêbado, ele perde a carteira e não pode mais guiar. Aqui no Brasil se dá um jeitinho. Rico não vai para a cadeia. Com gente importante não acontece nada. E numa hora como essa, num momento como esse, vem o meu querido amigo Pertence e diz: - Não, o Sr. Chico Lopes... não mexa nele. E eu não vou mexer em mais ninguém, Sr. Presidente. Eu, na CPI, enquanto não se decidir isso, se não se mexe no Chico Lopes, não se deve mexer em mais ninguém. E a minha tese é pegar o dossiê, mandar para o Supremo, e eles façam o que quiserem. Se eles querem matar de morte a CPI, eles que fiquem com a responsabilidade. Como está, não pode acontecer, Sr. Presidente.

 

E não pode também, se o nosso querido presidente do Senado, o senhor querido Antonio Carlos, que tem grandes qualidades, competência, seriedade, mas não tem na serenidade um dos seus atrativos - sabemos disso - não faz parte das qualidades do Sr. Antonio Carlos a serenidade, mas não é por causa de uma palavra a mais, de uma palavra a menos, de um equívoco ou não equívoco do Sr. Antonio Carlos que de repente o Supremo Tribunal vai nos olhar, o Congresso Nacional, de uma maneira diferente. Estamos esperando, primeiro, não uso o termo do Sr. Antonio Carlos, não! Não estamos exigindo, estamos fazendo um apelo dramático ao Supremo. Ele deve decidir o mérito da liminar. A CPI tem - entramos em recesso em julho - mais 30 dias de trabalho; fomos fulminados de morte - paramos! - então o Supremo deve decidir o mérito da liminar. E se decidir o mérito da liminar, e o Dr. Pertence tem razão, é uma decisão do Supremo que temos que acatar, não poderemos fazer nada, temos que acatar. E proponho que se extinga a CPI, que se diga: - Não tem mais, o Supremo Tribunal disse que não tem CPI. E vamos discutir o artigo da Constituição, que eles estão interpretando não sei de que maneira, e o que podemos fazer para devidamente acatar a decisão dele.  

Acho que a hora é muito grave, mas cabe ao Supremo, pela competência, pela serenidade dos seus membros, pela seriedade dos seus integrantes, tomar uma decisão. Se quisermos, de repente, usar um adjetivo com relação ao Supremo, adjetivo com relação ao Supremo eu só uso no positivo: excepcional, grandeza, pureza, integridade, etc. e tal. Agora, no negativo, seria uma injustiça. Além do mais, estaríamos atingindo uma instituição que temos obrigação de acatar. Se não acatarmos o Supremo, se não olharmos com amor o Supremo, se não defendermos o Supremo, nós pagaremos a conta e seremos os responsáveis por isso. Quanto a isso, não há dúvida alguma.  

É muito importante que o Supremo entenda que essa decisão é necessária, não porque o Sr. Antonio Carlos pediu ou porque eu estou nesta tribuna - talvez eu até esteja atrapalhando. E se vier o julgamento da liminar, o Supremo tomou uma decisão. Será uma decisão importante, e todos ficaremos com a consciência tranqüila.  

Sou o único que participou de todas as CPIs: do impeachment, dos Anões do Orçamento, dos Precatórios, do Judiciário, do Sistema Financeiro. De repente, estou errado em todas e não sabia. Eu, com 70 anos, 40 anos de vida pública, estou totalmente errado. Se o Supremo decidir que é assim, eu "coloco a viola no saco", saio fora e digo: perdão povo brasileiro, eu estava errado, estávamos fazendo uma coisa que não era nossa. Vamos arquivar a CPI e ver o que faremos. Vamos todos olhar para o Supremo, que vai encontrar a fórmula de combater a impunidade neste País.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

~


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1999 - Página 15758