Discurso no Senado Federal

REPUDIO AO TEOR DA ENTREVISTA DO MINISTRO LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, CONCEDIDA AO JORNAL DA CIENCIA, DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA, AFIRMANDO A INUTILIDADE DE INVESTIR EM PESQUISA NO NORDESTE.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • REPUDIO AO TEOR DA ENTREVISTA DO MINISTRO LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, CONCEDIDA AO JORNAL DA CIENCIA, DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA, AFIRMANDO A INUTILIDADE DE INVESTIR EM PESQUISA NO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1999 - Página 15602
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), REFERENCIA, CONCESSÃO, ENTREVISTA, SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA (SBPC), ALEGAÇÕES, AUSENCIA, VIABILIDADE, INVESTIMENTO, CIENCIAS, TECNOLOGIA, REGIÃO NORDESTE, MOTIVO, INCAPACIDADE, PRODUÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, POLITICA, OBJETIVO, AUMENTO, INVESTIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, REGIÃO NORDESTE, POSSUIDOR, CAPACIDADE, PRODUÇÃO.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 28 de maio, o Ministro da Ciência e Tecnologia e presidente do CNPq, Luiz Carlos Bresser Pereira, concedeu longa entrevista publicada pelo Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Nela, o Ministro afirma que investir em pesquisa no Nordeste é "jogar dinheiro fora". Que se pode até investir em educação, condições sanitárias e extensão tecnológica. Não em ciência. Não em pesquisa.  

A reação veio rápida. A comunidade científica nordestina repudia a fala do Ministro e não só pela desqualificação ética que ela promove. É a indignação de quem, sem recursos e em condições de trabalho muito longe do ideal, mantêm pesquisas e o ensino superior da região com alguma qualidade e, em alguns casos, como o da Universidade Federal de Pernambuco, verdadeiros centros de excelência. É na UFPE que se desenvolve a mais alta tecnologia em software do Brasil, além de contar com uma das mais competentes equipes de físicos do País e um programa de pós-graduação em Engenharia Nuclear com a nota máxima concedida pela CAPES, órgão do ME responsável pela avaliação das pesquisas realizadas aqui. A esse programa de primeiríssima qualidade juntam-se outros também avaliados com nota "A": Cirurgia, Fitossanidade, História, Letras, Pediatria, Nutrição, Psicologia, Química e Serviço Social.  

Além da UFPE, a UFC, a UFRN e a UFBA mantêm cursos de pós-graduação com excelentes avaliações de órgãos subordinados do governo – e, portanto, devem ser do conhecimento do Ministro. Na UFBA, Administração, Arquitetura e Urbanismo, Imunologia, Música, Medicina, Patologia Humana e Saúde Coletiva; na UFC, Direito, Educação, Farmacologia e Matemática; na UFRN, Patologia Oral. Isso tudo com pouquíssimos recursos alocados pelo Governo federal. Ainda assim, a região apresentou um crescimento de 20% no número de programas de Doutorado em 1996/1997 e é responsável por 15% da produção nacional em Ciência e Tecnologia. Nada desprezível, como se vê.  

O que a fala do Ministro faz é pôr a nu um preconceito propagado no senso comum do Brasil "desenvolvido" de que o Nordeste "subdesenvolvido" é um peso morto. Sem disfarces, o Ministro assume a franca posição - e é, indisfarçavelmente, a posição do Governo federal - de que se deve investir onde há retorno garantido. Não é à toa que as diferenças regionais sejam, hoje, mais agudas do que eram há 10 anos. Nunca foram tão grandes, num governo que, se dizendo social-democrata, concentra nas regiões ricas e privilegiadas os recursos disponíveis em todas as áreas, e particularmente na de Ciência e Tecnologia.  

Chega a ser cômica a forma como o Ministro coloca, em sua entrevista, que investir em educação e extensão tecnológica é uma "solução interessante para regiões pobres". Fala como os formuladores de políticas dos países ricos ao comentarem a situação do Brasil: deve ficar sempre na retaguarda, sem produzir tecnologias novas, incapaz que é de fazer ciência e de, graças a sua incapacidade intrínseca - de pobre, de subdesenvolvido -, progredir. O argumento do Ministro é a repetição monótona e surrada daqueles que, estando por cima, não querem ver os que estão "por baixo" criarem pernas e saírem andando sozinhos.  

Na verdade, o fato de hoje a produção tecnológica e científica estar concentrada na Região Sudeste é somente o resultado de uma política de alocação de recursos eminentemente concentradora, que só tem olhos para o eixo Rio-São Paulo. Não é a falta de bons cérebros no Norte e Nordeste. Faça-se uma levantamento em todos os centros de excelência do País, e vai-se encontrar um bom percentual de pesquisadores e cientistas nortistas e nordestinos emigrados, aos quais não restou alternativa de trabalho senão naquele eixo aquinhoado pelas nossas elites. É essa equação viciada e intolerável que precisa ser corrigida. O Sr. Ministro precisa disso saber e tomar consciência. Caso contrário, torna-se legítima a pressão para que deixe o cargo. Aliás, talvez isso já estivesse em tempo.  

A sociedade da informação e do conhecimento nos coloca vários imperativos e, em minha avaliação, o principal deles é uma política agressiva e coerente no campo da Educação, da Ciência e da Tecnologia para sermos, verdadeiramente, contemporâneos do futuro. Pensar o Brasil integrado, portanto, até por determinação constitucional, deve envolver obrigatoriamente todas as regiões brasileiras, sem discriminação e com decisões políticas que busquem o desenvolvimento mais harmônico. E nesse sentido, mesmo que cada região possua características próprias, não se pode condená-la a uma vocação apenas, tão ao gosto das elites. A modernidade permite que, do ponto de vista da Ciência e da Tecnologia, seja possível dar grandes saltos em direção ao futuro.  

Devemos apreciar experiências como a da Coréia do Sul, que durante a crise asiática aumentou os investimentos em C&T. O Brasil faz o contrário. É necessário investirmos mais e promovermos políticas alocatórias que identifiquem as melhores oportunidades e atendam às demandas de desenvolvimento já instaladas – sobretudo nas áreas estratégicas -, mas sem exclusivismos e pensando sempre que outros centros também têm capacidade para incrementar a pesquisa com padrão de qualidade, e até com vantagens evidentes. Vejamos alguns elementos para avaliação: pesquisa aeroespacial unicamente no Sudeste, mas Alcântara fica no Nordeste; a biodiversidade maior do planeta é a amazônica; entretanto, lá as pesquisas minguam por falta de recursos que, mesmo escassos, concentram-se em centros localizados fora da região. No geral, pouco importa que no Nordeste, por exemplo, os centros de excelência existam, pois eles quase nunca são lembrados. Esse desnível que apontamos não é, como querem alguns com complexo de superioridade, uma questão intrínseca à inteligência e às possibilidades existentes nas regiões. É o resultado das escolhas feitas pelas elites e de suas políticas discriminatórias no campo da Ciência e Tecnologia.  

Uma política agressiva de investimentos massivos no Norte e Nordeste, em Ciência e Tecnologia, é, com certeza, uma das principais alavancas para superarmos as desigualdades regionais e a pobreza, e a miséria em que vivem tantos brasileiros.  

E o Ministro deveria ter essa consciência, já que, paradoxalmente, numa defesa da atuação do Estado onde o mercado é "imperfeito e incompleto", afirma que é preciso agir fortemente para corrigir e orientar a aplicação de recursos em certos setores - inclusive o da C&T-, porque especificamente nesse campo os agentes privados de mercado têm pouca participação. Dar continuidade à política que se vem fazendo há anos, privilegiadora de determinados centros, é de uma miopia e uma tibieza incríveis. Até porque os centros de excelência no Centro-Sul não nasceram excelentes. Foram ficando, com os recursos públicos ali aplicados.  

O que a comunidade científica nordestina quer, e aqui restrinjo, porque sendo da região com ela me identifico, não é um pedido de retratação, é uma mudança de política. Repele a indelicadeza, para dizer o mínimo, como foi tratada.  

Precisamos definir novos rumos e o passo inicial é livrarmo-nos, todos, dos preconceitos e pré-concepções - coisa, aliás, que os cientistas e pesquisadores têm como dever de ofício e que nós, homens públicos, e principalmente o Sr. Ministro da Ciência e da Tecnologia, devemos também aprender para melhor exercermos nosso papel.  

 

þ-


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1999 - Página 15602