Discurso no Senado Federal

ALERTA AO PODER PUBLICO QUANTO A INDUSTRIA DE INVASÕES PROMOVIDAS PELO MOVIMENTO SEM-TERRA, VISANDO A DESESTABILIZAÇÃO DO GOVERNO E NÃO A REFORMA AGRARIA. SOLIDARIEDADE AOS PRODUTORES RURAIS VITIMADOS POR TAL PRATICA.

Autor
Lúdio Coelho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Lúdio Martins Coelho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ALERTA AO PODER PUBLICO QUANTO A INDUSTRIA DE INVASÕES PROMOVIDAS PELO MOVIMENTO SEM-TERRA, VISANDO A DESESTABILIZAÇÃO DO GOVERNO E NÃO A REFORMA AGRARIA. SOLIDARIEDADE AOS PRODUTORES RURAIS VITIMADOS POR TAL PRATICA.
Aparteantes
Leomar Quintanilha, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1999 - Página 15872
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, MOBILIZAÇÃO, LIDER, SEM-TERRA, TREINAMENTO, SUBVERSÃO, IDEOLOGIA, SOCIALISMO.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), INVASÃO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, AUTORIA, SEM-TERRA, INDIO, OMISSÃO, GOVERNO ESTADUAL.
  • REGISTRO, EMPOBRECIMENTO, PRODUTOR RURAL, POSTERIORIDADE, PLANO, REAL.

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agradeço ao Senador Bernardo Cabral por ter-me salvo pelo gongo.  

Vou aproveitar esta importante sessão do Senado Federal para me referir a notícias publicadas, em primeira página, no Estado de S. Paulo de ontem.  

"MST prepara estratégia para ‘tomar o poder’  

Militantes são excluídos em chácara de padres capuchinhos, no interior do Mato Grosso do Sul, para estimular a luta de classes e treinar grupos para desestabilizar o governo.  

A luta pura e simples pela terra faz parte do passado. Integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc) decidiram estimular manifestações, acelerar a luta de classes e desenvolver uma estratégia para a tomada do poder. Esses planos foram discutidos entre os 93 participantes do Curso de Capacitação de Militâncias do Cone Sul, em maio, numa chácara dirigida por frades capuchinhos, em Sidrolândia (MS), a 70 Km de Campo Grande, conforme documentos obtidos pelo Estado. O curso formou 44 brasileiros, 21 paraguaios, 17 argentinos, 6 bolivianos e 5 chilenos. Os grupos de esquerda, com apoio do PT, CUT e membros da Igreja, proclamam seu entusiasmo para bloquear estradas e invadir propriedades privadas e do governo. Para o MST, ‘é possível implantar o socialismo’."  

O Estado de S.Paulo de ontem repete as notícias.  

Está em meu poder um manual de instruções, que, há cerca de dois meses, acompanhado do Senador Ramez Tebet, levei ao conhecimento do Sr. Ministro da Justiça. Também entreguei uma cópia a S. Exª o Ministro da Defesa, Elcio Alvares, e outra ao Ministro Pimenta da Veiga, dando conhecimento do que se está passando em meu Estado, Mato Grosso do Sul.  

Está havendo em meu Estado constantes invasões. Há cerca de dois anos, alertamos Sua Excelência, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sobre essa situação.  

O Movimento dos Sem-Terra, hoje, em meu Estado, pouco tem a ver com trabalhadores rurais. A maioria são pessoas de outra profissão; muitos são desempregados — o desemprego é enorme —, que vão juntando-se em acampamentos, em barracas de lona preta, com absoluta falta de conforto, principalmente para as famílias, para as senhoras. É uma situação de extrema dificuldade.  

Alertamos o Poder Público no Estado e aqui. Existem casos fantásticos. Há um mês, invadiram uma propriedade das mais produtivas do Estado, no Município de Ivinhema, do Sr. Jasso Jacinto, onde estão acampados, apesar da medida liminar que determinou a desocupação. As medidas não são cumpridas.  

Passaram-se mais uns dias, e os índios invadiram outra fazenda do Sr. Jasso, um homem de 81 anos, que trabalha conosco há mais de 50 anos. As autoridades têm grande dificuldade de conviver com o problema dos indígenas, ninguém toma posição nenhuma.  

No ano passado, outro incidente aconteceu em uma propriedade em Mato Grosso, no Pantanal, entre os rios São Lourenço e Piquiri. Fui para lá em 1948, época em que quase ninguém aqui havia nascido, e fiz, com outros companheiros, uma estrada de 200 quilômetros, do brejo até o asfalto, na ponte de Pedra. Ficamos lá até agora, estamos vivendo bastante. Essa estrada passa dentro de uma propriedade dos índios, com quem mantínhamos um relacionamento muito bom. No entanto, o tempo foi passando, fomos ficando mais velhos, e os índios tiveram dificuldades com a geração mais nova. Não quis ir lá, porque já estava cansado de arrumar as coisas. No ano passado, houve um incidente, e os índios fecharam essa estrada que começamos a abrir em 1948 e que ocupamos por cerca de 50 anos, na subida da serra.  

Juntamo-nos novamente e já gastamos mais de R$120 mil, porque não conseguimos nenhum apoio do Poder Público, em Rondonópolis ou Mato Grosso, para reabri-la. Procuramos a Justiça para tratar do assunto dos índios, mas o caso não evolui. O Estado de S. Paulo publica matéria extensa sobre o assunto. E hoje há outra reportagem enorme. Tenho a impressão de que os poderes maiores da Nação já foram acionados. Inclusive, falamos com o Presidente Antonio Carlos Magalhães, a quem entregamos um documento, para ver se encontramos uma solução. Atualmente, não existe em meu Estado ninguém contrário à reforma agrária. O que não aceitamos é o desrespeito. As famílias que possuem terras invadidas ficam em uma situação muito difícil, pois não têm a quem apelar. Vão à Justiça, que determina a desocupação, mas o Governo do Estado não cumpre as liminares. Apelam para todos os escalões, sem qualquer definição.  

Temos nos reunido e pensado sobre o que devemos fazer. Se a reforma agrária fosse considerada fator importante para a produção imediata de alimentos, seria uma saída ótima. Aliás, estamos passando por grandes dificuldades. O campo deu uma contribuição da maior valia à Nação brasileira, conseguindo estabilizar os custos dos alimentos básicos durante todo o Plano Real à custa de um empobrecimento muito grande. E os pequenos proprietários, os pequenos produtores do campo, estão deixando o campo. Existem milhares de propriedades à venda.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Senador Lúdio Coelho, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS) - Tem a palavra o nobre Senador.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador Lúdio Coelho, agradeço a oportunidade que V. Exª me dá de participar da discussão deste tema, uma vez que o meu Estado padece, também, dos males de que padece o Estado do Mato Grosso do Sul e, creio, muitos outros Estados, onde a invasão às propriedades rurais está virando uma indústria, num flagrante desrespeito à legislação vigente, principalmente à Constituição, com desrespeito aos proprietários e usuários das áreas. O pior, Senador, é que os assentamentos que estavam sendo feitos - parece-me que houve uma interrupção nesse processo - pautavam-se na idéia de que terra invadida era objeto de desapropriação para assentar inúmeras pessoas que não tinham a mínima aptidão com o trato agropastoril nem o menor conhecimento das possibilidades de produção no campo. E o que vemos hoje? Acredito que os resultados, em termos de produção, não são muito positivos. O Brasil patina há muitos anos numa produção muito inferior às suas possibilidades, produzindo algo em torno de 80 milhões de toneladas de grãos, o que está muito aquém, repito, de nossas necessidades e possibilidades. Essas famílias assentadas mal conseguem produzir para sua subsistência, quanto mais para ampliar esse rendimento e ter um excedente que possa efetivamente melhorar sua qualidade de vida. Antes, se esse movimento defendia um anseio, que considero legítimo, o de promover uma redivisão da distribuição das terras neste País, agora transformou-se em um outro com diferentes propósitos, não só os de ocupar as terras, mas, note V. Exª, num movimento que já migrou para as áreas urbanas, ocupando dependências públicas e promovendo saques em estabelecimentos comerciais, enfim, num desvirtuamento muito grande de seus propósitos iniciais e num contínuo e permanente desrespeito ao cidadão e às leis vigentes no País. Entendo que algumas das alternativas que deveríamos buscar seriam, primeiro, impedir definitivamente a desapropriação de imóvel invadido - se foi invadido não pode ser, definitivamente, objeto de desapropriação; e, segundo, dá mais resultado criar uma forma de financiar a aquisição da terra do que permitir que essa distribuição, da forma como está sendo feita, tenha resultado positivo. Porque, nesse caso, efetivamente irão para o campo aqueles que têm aptidão, vocação para o campo, aqueles que sabem ou têm interesse em tornar produtiva a terra; aqueles que têm interesse em tirar da terra o sustento para sua família e gerar talvez mais divisas, receitas e empregos para o Município, para o Estado em que essas propriedades estejam instaladas. O fato é que a desordem, a desobediência civil, precisa ser coibida duramente. O produtor fica desestimulado não só com as condições adversas da comercialização do seu produto, dos fatores inerentes à produção, mas também com a intranqüilidade que propiciam esses movimentos. A qualquer instante, sua propriedade pode ser invadida, ocupada por uma, duas, dez ou cem famílias, de forma coercitiva, impedindo que seu trabalho de produção tenha prosseguimento. Portanto, associo-me a V. Exª em suas preocupações, principalmente agora com o alerta aos Poderes públicos em todos os níveis. As prefeituras teriam de se envolver também, porque estão ficando sobrecarregadas. Quando se faz um assentamento, não é discutido quem vai tratar da infra-estrutura do local. Logo os prefeitos são cobrados pelas estradas, rodovias de acesso, instalação de energia elétrica, abastecimento de água tratada, educação, transporte. Enfim, as prefeituras também são punidas por algo que não lhes diz respeito ou sobre algo a respeito do qual os prefeitos não foram consultados. É preciso uma mobilização nacional. Os três Poderes - União, Estados e Municípios - precisam buscar uma forma de resolver e coibir definitivamente a invasão de propriedades rurais neste País.  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS) - Muito obrigado. V. Exª conhece perfeitamente o problema.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Nobre Senador Lúdio Coelho, felicito V. Exª pela preocupação que traz ao plenário do Senado e ao Brasil. V. Exª trata de um assunto que está no dia-a-dia das preocupações de todos e envolve tanto os produtores rurais quanto as famílias que lutam para ter um pedaço de terra, criar seus filhos e ter o mínimo de dignidade. É uma luta secular do Brasil, considerado o país mais injusto do mundo em distribuição de terras. A Amazônia é o grande exemplo disso. V. Exª é uma memória viva da importância do produtor rural, porque, desde 1948, muito antes de eu nascer, tem-se empenhado nisso. O Mato Grosso do Sul pode dar uma enorme contribuição ao nosso País futuramente, se tiver uma política de terra bem conduzida. Nesse aspecto, saliento que há uma interpretação equivocada por parte da imprensa quando afirma que há uma posição ostensiva do PT em relação a uma ocupação não coerente, no que tange ao respeito à propriedade produtiva e ao direito dos trabalhadores sem-terra. A verdade é que há uma grande dívida do Governo Federal, ao longo da nossa história, no sentido de proceder a uma reforma agrária efetiva que atenda tanto aos produtores rurais já instalados neste Brasil como aos pequenos produtores que gostariam de trabalhar e ajudar a enriquecer o País. Há também um equívoco de interpretação considerável, muitas vezes, em relação ao que o Partido dos Trabalhadores tem apresentado neste debate. O PT é claramente contrário à invasão de terra produtiva. Faço questão de reafirmar a V. Exª essa posição. Não acredito que o Partido defenda a ocupação de terra produtiva, que esteja dentro da legalidade. Portanto, gostaria de tecer esta consideração: que V. Exª, de maneira tranqüila, como respeitou a nossa eleição no Mato Grosso do Sul, com enorme respeito pelo vencedor que tivesse compromisso com o seu Estado, tenha a certeza e a tranqüilidade de que o Governador Zeca do PT não será a favor de invasões de terras produtivas a legitimar o enriquecimento do seu Estado. Acredito que há algum equívoco de parte da imprensa, que, sem dúvida alguma, será esclarecido em tempo oportuno. Elogio sua grande preocupação com um assunto ao qual o Governo brasileiro deveria dar mais atenção, contemplando exatamente a idéia de que somos um país rural, haja vista, afinal, o fato de que o setor produtivo rural deste País é responsável por 40% do Produto Interno Bruto.

 

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB–MS) - Agradeço, Excelência.  

V. Exª. afirmou que entendemos perfeitamente o resultado das eleições no Estado do Mato Grosso do Sul. Efetivamente entendemos. Quando a população do meu Estado, um estado ruralista, conservador, elegeu Zeca do PT, ainda no dia da eleição, declarei que iríamos dar cobertura ao governador eleito para que S. Exª. pudesse atender à ordem emanada da população do nosso Estado. A população o elegeu para governar bem o Estado, e assim estamos fazendo aqui e lá no Mato Grosso do Sul. O PSDB, na Assembléia Legislativa, está dando cobertura ao Governador do PT, ainda porque nós sempre fomos um pouco da Esquerda mesmo, Sr. Presidente.  

Conversei, em duas oportunidades, em companhia dos Senadores Ramez Tebet e Juvêncio César da Fonseca, com S. Exª., o Governador do nosso Estado, que também tem encontrado dificuldades em retirar os grandes grupos de pessoas que invadem terras.  

Quem anda por nosso Estado presencia fatos interessantes, dos quais a população da cidade, às vezes, não toma conhecimento. Naqueles acampamentos, nos finais de semana, há uma quantidade considerável de automóveis, pois bastantes pessoas vão passar o fim-de-semana por ali. Ocorre que, depois, voltam para a cidade, já que todos têm outras atividades: uns são donos de botecos, enfim, exercem outras atividades. Contudo, nesse período viram Sem-Terra.  

Se a população brasileira que não possui apartamento resolvesse acampar em frente de um prédio, coitadas das crianças e das senhoras. Se é legítimo o direito de possuir a terra ocupando-a de qualquer maneira, que diremos nós do direito à moradia. Uma mãe de rua e seus filhos não teriam o direito de entrarem em meu apartamento? Afinal de contas, somos apenas minha mulher e eu, restando ainda dois quartos desocupados. Aí eu queria ver como o Poder Público reagiria.  

As estradas são constantemente fechadas, o que traz um transtorno enorme aos ruralistas. No interior, há muitos ônibus que transportam crianças da área rural para as escolas. Conheço diversos municípios cujos prefeitos têm enormes dificuldades com esse problema. Acompanho muitos deles aos Ministérios da Reforma Agrária e da Agricultura.  

Com o Prefeito Renato Tornelli, do Município de Itaquiraí, onde há mais ou menos sete assentamentos e mais duas ou três invasões, fui ao Ministério da Agricultura para ver se conseguíamos alguma solução para esse problema.  

Tenho trabalhado muito nesse sentido, Sr. Presidente, até porque aqueles que invadem terras também me elegeram Senador. Assim, sou Senador do Mato Grosso do Sul e represento todas as camadas da população.  

Portanto, o que desejo é alertar a Nação brasileira para a gravidade desses acontecimentos, que, de repente, podem se tornar algo muito desajeitado. Já há tempo venho conversando sobre isso. Um dia desses, estava conversando com o Jackson, que teve duas de suas fazendas invadidas, lá no Estado, e lhe disse que há momentos em que penso que quem não defende o que é seu não tem direito de possuí-lo. Às vezes, precisamos defender o que é nosso da maneira que for possível; do contrário, como é que faz? Se vamos ao Judiciário, as medidas deste não são atendidas. Como é que fica? Você não pode entrar na sua casa!  

Então, Sr. Presidente, queria dar conhecimento aos companheiros do Senado da gravidade desse assunto, para juntos encontrarmos um caminho, pois a situação no campo brasileiro está tão difícil, Senador, que o melhor comprador de terras é o INCRA. Está quase tudo à venda e, o que é pior, a troco de nada, porque nós não temos nenhuma receita. Tenho, na família, irmão e irmãs, bem como outros parentes, que já venderam suas propriedades por não terem como sobreviver.  

Então, fica feito o meu alerta e a minha manifestação de solidariedade aos companheiros do campo lá no Mato Grosso do Sul.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1999 - Página 15872