Discurso no Senado Federal

IMINENCIA DA DECLARAÇÃO DE MORATORIA PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO JANEIRO. NECESSIDADE DE UM PLANO PARA FLEXIBILIZAÇÃO DAS DIVIDAS PUBLICAS DOS ESTADOS.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • IMINENCIA DA DECLARAÇÃO DE MORATORIA PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO JANEIRO. NECESSIDADE DE UM PLANO PARA FLEXIBILIZAÇÃO DAS DIVIDAS PUBLICAS DOS ESTADOS.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho, Maguito Vilela, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/1999 - Página 16192
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APREENSÃO, MORATORIA, IMPOSSIBILIDADE, PAGAMENTO A PRESTAÇÃO.
  • REGISTRO, PARECER CONTRARIO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PEDIDO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FALTA, PRAZO, VOTAÇÃO, SENADO.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • CRITICA, POLITICA MONETARIA, GOVERNO FEDERAL, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, ESTADOS, SUGESTÃO, ORADOR, PERDÃO, PARTE, DIVIDA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devo trazer a esta Casa a notícia, que considero grave, de que é iminente a declaração de moratória por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro.  

Não trago um recado do Governador, Sr. Presidente. Não falei com o Governador nesses dois últimos dias. S. Exª está de luto familiar, pois perdeu, ontem, o seu sogro, e, por conseguinte, não estou transmitindo nenhuma mensagem de S. Exª, inclusive desconhecendo a sua decisão. Entretanto, estou inferindo essa notícia dos fatos concretos de que tomei conhecimento esses últimos dias.  

O Estado do Rio terá que pagar no primeiro dia do mês de julho R$250 milhões, e até o fim do mês outras quatro prestações dessa natureza. Não há a menor, a mais mínima possibilidade de cumprir essas obrigações!  

O Governo do Estado, desde abril próximo passado, apresentou, ao Governo Federal, ao Banco Central, ao Ministério da Fazenda, o pedido de rolagem da dívida, que foi examinado, examinado, examinado, e só remetido ao Senado há poucos dias, com um parecer contrário do Banco Central; isto é, quase que inviabilizando a votação favorável, a qual teria que ser até quarta-feira, passando pela Comissão de Assuntos Econômicos e pelo Plenário, para que a autorização fosse dada pelo Senado.  

Nessas condições, o que acontece é um impasse, uma verdadeira inviabilidade que, absolutamente, não estava nos planos do Governador. A Nação e todos que acompanharam são testemunhas de que o Governador nunca pretendeu assumir atitude dessa natureza. Ao contrário, S. Exª tudo fez - e vem cumprindo os seus compromissos - para evitar uma decisão chocante dessa natureza.  

O Governador agiu ponderadamente, tem agido com bom senso, tem procurado exercer uma disciplina fiscal nas contas do Estado, que não era, infelizmente, exercida anteriormente. Nos quatro meses, até abril, houve uma melhoria no resultado primário das contas do Estado da ordem de 17%. Até o presente, quer dizer, num prazo de seis meses, certamente essa melhoria atingirá 20%. Em termos de resultado primário há um efetivo empenho, por parte do Governo, em conter despesas, em situar o quadro fiscal dentro de uma diretriz de disciplina que, lamentavelmente, não houve nos anos anteriores.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Pois não, Senador Ney Suassuna.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Roberto Saturnino, o aparte a V. Exª é para dar o meu testemunho. Realmente o Estado do Rio de Janeiro tem feito sacrifícios, tendo em vista haver herdado toda a máquina do Governo Federal, além do problema da unificação. Os governadores anteriores buscaram diminuir essa máquina por intermédio da privatização, mas isso não foi suficiente. Já o Governador Garotinho, realmente, entrou - como dizemos no Nordeste - "com todo o gás", buscando otimizar a estrutura do Estado. Portanto, não é justo que este Estado, que tem feito enormes sacrifícios, não tenha o nosso apoiamento. A Comissão de Assuntos Econômicos tem consciência disso, e V. Exª, como seu membro, sabe que nos desdobraremos para atender o que pede o Estado de V. Exª. Acredito ser impossível o Estado do Rio de Janeiro pagar, no primeiro dia do próximo mês, R$250 milhões, já que não tem caixa para tal. É preciso que haja essa rolagem. V. Exª contará com a ajuda do Senador Ney Suassuna e dos demais membros da Comissão de Assuntos Econômicos. Todos temos consciência desse problema para o qual precisamos encontrar uma solução. Não nos interessa a quebra do segundo Estado da República. Queremos que o Estado do Rio de Janeiro continue com essa reforma e com essa ação séria. Sabemos que o Governador tem feito todo o possível para resolver os problemas imediatos, e os têm resolvido. Precisamos, portanto, dar a nossa parcela de contribuição. Espero que os Srs. Senadores, na Comissão e no Plenário, tenham consciência e que estejamos unidos para a solução desse problema.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. O aparte de V. Exª é altamente promissor. Nunca duvidei do apoio de V. Exª ao Estado do Rio de Janeiro, o que tem se comprovado em inúmeras oportunidades. Mas, à medida que V. Exª nos infunde uma esperança de que possamos aprovar, na Comissão de Assuntos Econômicos e aqui no Plenário, até quarta-feira, esse pedido do Estado do Rio de Janeiro, não obstante as manifestações do Governo Federal, isso realmente nos reanima.  

Trago para conhecimento de V. Exªs uma situação que conheço a partir de dados concretos que tenho, mas que evidentemente podem ser modificados, sabendo que contaremos com a colaboração de sempre por parte de V. Exª.  

O fato é que o Governo Federal agiu dentro de uma estratégia de poder, querendo obrigar o Estado do Rio de Janeiro a assinar o acordo de reescalonamento da dívida, que quase todos os outros Estados assinaram. E o Estado do Rio - por circunstâncias várias que não dependeram do atual Governo, mas também do anterior -, até agora não assinou e resiste em assinar, uma vez que a assinatura deste contrato implicará no comprometimento de quase 20% da receita, ainda que seja em 30 anos e a juros baixos, mas o estoque da dívida é altíssimo. É aí que entra a questão que precisa ser examinada por parte do Governo Federal com mais bom senso, com um pouco mais de clarividência. O Governo Federal usou a estratégia de poder quando prolongou o seu andamento dentro do Banco Central, o remeteu, à última hora, ao Senado, com parecer contrário exatamente para inviabilizar a operação de rolagem e obter a assinatura do Governador, que procura ainda melhorar as condições desse acordo da dívida, do qual não se sabe ainda que termos poderão dele ser objeto. A situação concreta é que dentro de pouco mais de uma semana haverá compromissos vencendo sem que o Estado tenha a mais mínima condição de exercer o resgate.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - V. Exª me permite um aparte, Senador Roberto Saturnino?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Pois não, Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Cumprimento-o pela exposição e também pela preocupação de V. Exª com relação ao tema. Digo a V. Exª que essa situação de profundas dificuldades por que passa o Estado do Rio de Janeiro, também passam todos os Estados brasileiros, sem exceção. Vou mais longe, Senador: passam também todas as prefeitura municipais deste País. Assim, a discussão tem que ser mais profunda e envolver toda a Nação brasileira. Porque se levarmos em consideração que os Estados e as prefeituras municipais estão em profundas dificuldades, deveremos considerar também que os comerciantes, os industriais, os trabalhadores, os agricultores e os pecuaristas, de igual modo, passam por essas dificuldades A situação do País é preocupante. Temos que fazer como V. Exª: levantar e discutir o problema. Governei Goiás nos últimos quatro anos e paguei R$1 bilhão de dívidas, limpinho, R$1 bilhão! Não contraí dívidas, e a dívida do Estado duplicou.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - É isso, Senador!  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Então, há alguma coisa muito errada nesta política econômica, que tem que ser discutida, sob pena de as prefeituras e o Estados se afundarem ainda mais. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento. Senador Roberto Saturnino, além de também estar preocupado, quero participar dessas discussões.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Senador Maguito Vilela, o aparte de V. Exª é altamente esclarecedor, é profundamente esclarecedor, é um testemunho real, concreto de quem governou um Estado e fez um esforço enorme para pagar compromissos, não tendo assumido novos compromissos, e assim mesmo a sua dívida duplicou. Funcionou, nos anos passados, e continua funcionando esta máquina de fazer crescer dívidas, que se situa na política monetária do Governo Federal de elevar as taxas de juros. O Governo Federal tem que assumir a sua parte de responsabilidade no que diz respeito ao crescimento do endividamento dos Estado e Municípios.  

No início dos anos 90, houve uma situação semelhante em âmbito mundial: vários países do mundo estavam ameaçados de ter que decretar moratória por absoluta impossibilidade de fazer face a compromissos gerados, em grande parte, pela decisão unilateral do governo norte-americano de elevar as taxas de juros. Tal acontecimento refletiu-se em todo o mercado internacional.  

Diante da iminência de uma crise de âmbito mundial, o que fez o governo norte-americano? Assumiu, usou o bom senso e reconheceu a sua parcela de responsabilidade nesse processo. Convocou-se o Secretário do Tesouro, Sr. Brady, para coordenar uma renegociação de dívidas de âmbito internacional, na qual foi cortado aproximadamente 30% do principal da dívida de cada um dos países devedores. O percentual foi determinado de acordo com a situação de cada país e a partir da influência da política norte-americana de taxas de juros sobre o processo de endividamento.  

Sem isso, não haveria renegociação da dívida, mesmo que se renegociassem prazos ou baixassem os juros. O estoque da dívida já era tão grande que inviabilizava qualquer outro processo de renegociação que não passasse pelo cancelamento de parte da dívida. O próprio Governo norte-americano assumiu o compromisso de resgate perante o mercado financeiro. O mercado financeiro aceitou e o mundo inteiro também. Foi uma demonstração de responsabilidade por parte do Governo norte-americano. É o que está faltando ao Governo Federal do Brasil: reconhecer a sua parte na formação dessas dívidas gigantescas de Estados e municípios, muito maior do que no caso do Governo americano. Essas dívidas atingiram tal montante que não adianta renegociar prazos longos e juros baixos, porque o comprometimento será sempre muito elevado. Nenhuma administração estadual ou municipal tem condição de comprometer mais de 10% das suas receitas com o pagamento de dívidas. No caso do Estado do Rio de Janeiro, se o Governador tivesse assinado o acordo da dívida, esse comprometimento teria sido muito próximo de 20%. É absolutamente inviável.

 

Uma solução viável é fazer um Plano Brady para os Estados e Municípios brasileiros a partir de iniciativa do Governo Federal. É claro que o Governo Federal terá que negociar isso com o FMI, que é o patrão dos patrões. O Governo Federal tem conseguido demonstrar ao FMI, quando se empenha nisso, que determinadas condições e interesses exigem a quebra de padrões tradicionais para atender situações que constituem realidades concretas, que não podem ser superadas, senão por um processo de flexibilização dessa natureza.  

Está-se realizando hoje, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, um seminário sobre o novo pacto federativo. Um novo pacto federativo, no Brasil, começa com um Plano Brady — um plano de cancelamento de parte do estoque das dívidas dos Estados e dos Municípios provocadas pela política monetária, de responsabilidade do Governo Federal. Política monetária de elevação extraordinária dos juros até situá-los nos patamares mais elevados do mundo, fazendo com que os Estados — nas palavras do Senador Maguito Vilela, ex-Governador de Goiás — pagassem compromissos, não fizessem novos empréstimos e, assim mesmo, tivessem suas dívidas elevadas, duplicadas, triplicadas, quadruplicadas, como foi o caso do Estado do Rio de Janeiro.  

De forma que tem que haver bom senso para a solução do problema, boa vontade política para resolver essa questão e realizar, sinceramente, um novo pacto federativo que compreenda um esquema tributário, colocando Estados e Municípios em condições de, minimamente, prover as necessidades dos seus cidadãos. O ponto de partida tem que ser um Plano Brady nacional, formulado e coordenado pelo Governo Federal; um plano de cancelamento de parte do estoque da dívida de cada uma dessas Unidades da Federação.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Com muito prazer, nobre Senador.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - O discurso de V. Exª é muito oportuno, muito atual, porque esse problema envolve quase todos os Estados da Federação. O sistema de divisão de receitas e a utilização de impostos não-compartilhados reduziu muito a participação dos Estados nos impostos federais, aumentando a dificuldade dos Estados em cumprir seus compromissos. E o Governo Federal tem uma boa experiência nisso. Se verificarmos que a dívida externa do Brasil, em 1990, era de US$115 bilhões; pagou US$49,5 bilhões até 1995, e começou o ano de 1996 devendo US$165 bilhões, essa experiência é válida. Sabe-se que os Estados passam pelo mesmo sacrifício. Dessa forma, não é justo não se encontrar uma fórmula. A idéia talvez fosse criar um Plano Brady ou fazer uma reanálise do tipo de juros calculados para essa dívida, estabelecendo-se uma taxa, como acontece no sistema habitacional e em outros sistemas: uma taxa mínima em que os Estados pudessem...  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco-PSB/RJ) - Um novo cálculo para essa dívida, a partir de taxas razoáveis.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Correto. Muito obrigado, Senador.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco-PSB/RJ) - Esse crescimento das dívidas internacionais resultou em aumento das taxas de juros americanas e não chegou nem à metade da força de espiralação das dívidas dos Estados e Municípios por força das nossas taxas de juros, muito mais elevadas do que aquelas impostas, unilateralmente, pelos Estados Unidos da América. Então, é preciso refazer o cálculo dessa dívida, como diz muito bem o Senador Gilberto Mestrinho, e retirar-se do principal devido ao Governo Federal aquela parcela que resultou de um acréscimo extraordinário ou atípico — para usarmos a expressão da moda — que os Estados não podem pagar. Não se pode impor aos Estados e Municípios responsabilidade por atos nos quais não têm a mínima participação; são apenas vítimas de todo esse processo.  

Razão por que trago à tribuna este importante fato: o Estado do Rio de Janeiro está na iminência de ser obrigado a decretar moratória, por força de circunstâncias que atingem todos os Estados — como bem disseram os Senadores Maguito Vilela e Gilberto Mestrinho. É preciso que haja uma iniciativa do Governo Federal para solucionar o problema, pois os contratos de reescalonamento comprometem de 12% a 18% das receitas dos Estados, que não poderão pagar suas dívidas. Chegará o momento em que todos ficarão inadimplentes.  

Srs. Senadores, esse é um tema da maior urgência e tem de ser tratado pelo Senado, que é a Casa do Parlamento que dispõe sobre a questão do endividamento dos Estados e Municípios. O Senado tem de chamar a sua responsabilidade e chamar à responsabilidade o Governo Federal na tomada dessa iniciativa fundamental.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/1999 - Página 16192