Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A MA DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA FACE A POLITICA ECONOMICA MUNDIAL E SEUS REFLEXOS NA VIDA BRASILEIRA.

Autor
Gilberto Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A MA DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA FACE A POLITICA ECONOMICA MUNDIAL E SEUS REFLEXOS NA VIDA BRASILEIRA.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/1999 - Página 16195
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MUNDO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, AMERICA LATINA, AUMENTO, POBREZA.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, INDUSTRIA NACIONAL, AGRICULTURA, AUMENTO, DESEMPREGO.
  • EXPECTATIVA, RETOMADA, CRESCIMENTO, BRASIL, REFORÇO, INICIATIVA, COMERCIO EXTERIOR, TURISMO.
  • CRITICA, LOBBY, PROIBIÇÃO, CULTIVO, SOJA, ALTERAÇÃO, GENETICA.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho acompanhado com muito interesse os debates realizados nesta Casa por eminentes e brilhantes Senadores, abordando a momentosa questão da política econômica que vem sendo adotada no País, especialmente acerca de seus reflexos sobre a vida brasileira.  

Efetivamente, têm toda procedência as afirmações que expressam profunda preocupação com o desenvolvimento do País e com os caminhos que devemos palmilhar na busca de uma sociedade socialmente justa, confiante num futuro de bem-estar para todos.  

Em princípio, gostaria de ter o aprofundado conhecimento das Ciências Econômicas, privilégio de abalizados colegas desta Casa. No entanto, o longo exercício da vida pública nos leva a incursionar nos domínios do pensamento sistematizado por Adam Smith e na sua profunda preocupação em colocar a economia no contexto da natureza humana, o que inclui o sistema social, moral e jurídico em que atuamos. Daí a necessidade de, ao discutirmos a política econômica de qualquer país, analisarmos não só as causas - externas ou internas - que vêm influenciando os fenômenos do mundo como as conseqüências vivenciadas pela sociedade universal, acarretadas pelo extraordinário avanço do conhecimento humano, transformado em tecnologia, informação, novos conceitos de valores e mudanças, às vezes traumáticas.  

Vivemos num mundo que, gostemos ou não, caminha a passos largos, a cada minuto, para a globalização da economia e da informação, esta última um de seus maiores vetores. Isso nos obriga - para sermos honestos na interpretação - a observar as transformações fundamentais por que vem passando o mundo, o que vem afetando diretamente, em cada parte do universo, as populações, a vida dos países e especialmente o que vem causando o empobrecimento da sociedade.  

No ano de 1997, um terço da população mundial vivia em pobreza absoluta, segundo o Population Institute de Washington, ao mesmo tempo em que avançava a concentração de renda, fenômeno não só universal como também ocorrente no interior dos países. Essa concentração de renda faz com que 358 multimilionários tenham uma riqueza igual à soma de 2,3 bilhões de pessoas, o que cada vez mais causa problemas maiores nesse processo em que todos lutam pela melhoria de suas condições sociais. O avanço tecnológico, a globalização faz com que os fracos fiquem mais fracos e os fortes cada vez mais fortes, os ricos fiquem cada vez mais ricos, os remediados e pobres cada vez menos remediados e mais pobres. Assim, 90 países do mundo estão em absoluto declínio econômico. Aqui na América Latina, no ano de 1997, 24% da população vivia na linha de pobreza.  

Há pouco falávamos, e durante muito tempo, do sucesso do Chile. Desde que o Friedman implantou lá o monetarismo, deu valor à moeda e ignorou os ensinamentos de Smith de que se deve obedecer aos princípios morais e sociais, o Chile foi tido como um padrão a ser seguido. No entanto, Sr. Presidente, ninguém disse que, nesse período todo, aquele país teve 1/3 de sua população abaixo da linha de pobreza. Aquele boom de melhorias e aumento de exportações privilegiou 10% dos ricos do Chile. A grande sociedade, a grande parte do povo ficou no esquecimento. E agora existe a crise, a recessão se aprofunda, o desemprego aumenta. Hoje, só na cidade de Santiago, segundo informes da televisão, 500 mil pessoas - o que para Santiago é muita gente - estão desempregadas.  

Isso acontece em toda a América Latina, afetando naturalmente os demais países, que vivem hoje neste mundo globalizado como vasos comunicantes. Atualmente, se um país tem um problema, este se reflete imediatamente em outro e traz conseqüências danosas a toda a sociedade. Neste mundo nós vivemos, neste mundo nós estamos, um mundo em que, a cada dia, o gap entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos aumenta. E nós somos parceiros de um mundo em que não somos tidos como sócios.  

Aqui no Brasil, infelizmente, tivemos a chamada "década perdida", a década de 1980, em que não se podiam pagar as dívidas. Não foi só o Brasil, não. Com exceção de meia dúzia de países, o mundo inteiro, na década de 1980, não podia pagar suas dívidas. Elas tiveram que ser roladas. Nos dias atuais, Senador Roberto Saturnino, a filosofia adotada é a da rolagem da dívida, que não é paga, porque isso é impossível. Os países de renda média, no ano de 1995, deviam aproximadamente 14 trilhões - dívida impagável, portanto. Esses países não têm como pagá-la, tem que haver rolagem, e vai-se rolando sempre.  

Há pouco tempo, em Time Square , havia um relógio digital mostrando o crescimento da dívida americana. Os Estados Unidos terminaram o ano de 1997 e ingressaram no ano de 1998 devendo cerca de 5 trilhões e 453 bilhões. A dívida cresce 5 bilhões por dia! No entanto, ninguém está apavorado com isso, porque lá há mecanismos. Os capitais do mundo todo, quando existe crise, migram para lá. Essa dívida, então, é rolada. É dívida que representa 85% do PIB. Na Itália, a dívida representa 123% do PIB. E assim vai.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Pois não, nobre Senador.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - O discurso de V. Exª, absolutamente lúcido, traz à Casa a lógica do sistema. É uma lógica do interesse do mercado financeiro internacional, cuja sede principal está em Nova Iorque. A moeda internacional é emitida pelos Estados Unidos da América. Eles, então, podem se endividar, porque têm a faculdade de emitir moeda e não se preocupam com o crescimento da sua dívida. Mas os demais países vivem com as suas economias sujeitas a essa lógica implacável do endividamento, da rolagem do endividamento, de um comprometimento cada vez maior das suas receitas cambiais para fazer face a esses compromissos. E, como V. Exª disse logo anteriormente, isso faz com que aumente, cada vez mais, o hiato entre países ricos e países pobres ou da periferia. Houve um tempo, durante os anos 50, 60 e até meados dos anos 70, em que o Brasil conseguiu reduzir esse hiato, por força de um programa de desenvolvimento, de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social que foi muito exitoso. Agora, havia uma política voltada para os interesses nacionais, que enfrentava a realidade do mercado internacional, mas que olhava precipuamente para os interesses da Nação brasileira. Isso foi abandonado, infelizmente. Hoje, estamos submetidos à lógica do mercado financeiro internacional, que é a lógica do endividamento e do comprometimento cada vez maior. Enquanto não rompermos com essa lógica, não conseguiremos, em hipótese alguma, satisfazer minimamente os reclamos de vida digna do nosso povo, que, afinal de contas, é o grande sacrificado nisso tudo.  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - V. Exª tem razão, nobre Senador, e, como o tempo está passando, vamos chegar ao Brasil, efetivamente, que, no início da década de 90, de maneira abrupta e até certo ponto irresponsável, abriu totalmente as suas fronteiras. Até pelo correio se comprava mais do que nos shoppings da cidade. Houve uma política de abertura total, sem nenhuma contrapartida.  

Todos os países do mundo adotam princípios de defesa da indústria nacional, da agricultura nacional, da atividade econômica interna, e o Brasil, naquele tempo, tinha que se modernizar. Foi uma modernização às avessas, e, com isso, começamos a desmontar o nosso parque industrial. Prejudicamos a nossa agricultura. Vivemos um período de certo deslumbramento, tupiniquins que somos, com os importados. E parecia que estávamos no melhor dos mundos. Então, aquele crescimento que se vinha observando parou, em 1995, premido também pela invasão da nossa atividade pela atividade econômica externa. Com isso, as contas foram se deteriorando.  

Tivemos um avanço extraordinário. Conseguimos controlar a inflação e acabar com ela. E mais do que isso: tivemos recessão, mas não chegamos à estagflação, que é a inflação com recessão, que já foi muito prejudicial ao nosso País. Foi uma vitória, um avanço. Infelizmente, isso foi conseguido, dado o sistema adotado, a política adotada, o único que poderia trazer resultados, pelo controle da taxa de juros. E as taxas de juros não são um ato de vontade, mas conseqüência de várias variáveis que influem no processo para que se tenha juro real na economia.  

Aconteceu isso, mas os danos têm sido grandes, porque perdemos mercado de trabalho; nós desempregamos. Como está acontecendo no mundo inteiro. Esse fenômeno não acontece somente no Brasil; está acontecendo no mundo inteiro. A Espanha bate recorde de desemprego na Europa; a Alemanha há mais de cinco anos vem mantendo uma média de 12% de desemprego; a França, 12% de desemprego.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Gilberto Mestrinho, desculpe-me interrompê-lo. É apenas para prorrogar a Hora do Expediente a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso.  

O GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Concluirei logo, Sr. Presidente.  

Na França e em todos os outros países da Europa tem havido desemprego. A Comunidade Econômica Européia, de 1990 a 1997, não gerou um emprego novo. Isso tudo não poderia nos transformar numa ilha da fantasia; nós também estamos pagando um preço alto, conseqüência do que está acontecendo no mundo, com reflexos terríveis aqui dentro.  

É preciso uma reformulação. A mudança cambial já foi um grande benefício para o País. É certo que ela não trará reflexos imediatos nas exportações, pois esse é um processo demorado. Não basta o valor do dólar ter aumentado. Os preços internacionais estão caindo, o nosso poder de competitividade é pequeno, a agressividade da nossa classe empresarial na busca de mercados também é diminuta. Hoje é preciso sair como caixeiro-viajante, percorrer o mundo procurando vender, e nós não fazemos isso. Temos que mobilizar a classe empresarial, as nossas embaixadas, os nossos consulados para serem agentes vendedores de Brasil: de produtos acabados, de

commodities, de turismo, de atividades que possam trazer benefícios para este País.  

Fiquei satisfeito, há poucos dias, quando vi que o BNDES está alargando as suas linhas, mudando seu comportamento, olhando o Brasil como um todo, e vai financiar não somente o grande, mas também o pequeno e o médio, que são os grandes geradores de trabalho. E é lamentável a mentalidade de que podemos ficar aqui isolados ou de querermos ser modelo para o mundo, porque não seremos modelo para o mundo.  

Agora mesmo, quando o mundo todo está avançando para a produção dos transgênicos - 70% da soja americana é transgênica, o milho é transgênico, o tomate é transgênico, a batata é transgênica, a Argentina produz transgênicos -, nós, que temos um potencial fantástico de dominação do mercado, estamos proibidos de fazê-lo, porque um juiz resolveu que não se pode plantar soja transgênica no Brasil.  

Ora, meus amigos, eu estou com o Ministro inglês Cunninghan, que, apesar de ser Ministro do Governo Blair, declara que se não lhe provarem que os transgênicos fazem mal, ele continuará a defendê-los na Inglaterra.  

O homem faz transgênicos desde antes de Cristo, quando fermentou o vinho com fungos. Desde esse tempo! Inventou depois a cerveja, fez o pão, tudo em processos transgênicos. Eu mesmo, nesta Casa, digo que sou transgênico, pois vivo com o rim de outro. Vivo com o rim de uma filha e, graças a isso, estou vivo aqui.  

É ilusão o que se diz aí, é briga econômica, é luta de grupos que não detêm ainda a tecnologia da transgenese e que querem nos usar, porque somos o País que tem melhores condições de dominar especialmente o mercado da soja. O sistema de transportes americano, que era a grande vantagem que eles tinham sobre nós, está se deteriorando e estamos encontrando sistemas novos de transporte - as hidrovias, que barateiam o custo. Estamos melhorando a nossa produtividade.  

E o transgênico, para os que defendem o meio ambiente, evita o uso de agrotóxicos, reduz a quantidade fantástica de inseticidas, fungicidas e defensivos que fazem mal ao meio ambiente.  

Sr. Presidente, eu gostaria de continuar, mas, infelizmente, o meu tempo está esgotado e a sessão tem que continuar.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/1999 - Página 16195