Discurso no Senado Federal

APOIO A DECISÃO DO JUIZ FEDERAL ANTONIO DE SOUSA PRUDENTE NO ACOLHIMENTO DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, QUE SUSPENDEU A COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA GENERICAMENTO MODIFICADA. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • APOIO A DECISÃO DO JUIZ FEDERAL ANTONIO DE SOUSA PRUDENTE NO ACOLHIMENTO DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, QUE SUSPENDEU A COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA GENERICAMENTO MODIFICADA. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/1999 - Página 16251
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO, JUIZ FEDERAL, PROIBIÇÃO, PLANTIO, SOJA, ALTERAÇÃO, GENETICA, PREVENÇÃO, RISCOS, SAUDE, MEIO AMBIENTE.
  • REGISTRO, SEMINARIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), DEBATE, ALTERAÇÃO, GENETICA, ALIMENTOS, COMENTARIO, POSIÇÃO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA).
  • ANALISE, CONTINUAÇÃO, DEBATE, ALTERAÇÃO, GENETICA, ALIMENTOS, DEFESA, REALIZAÇÃO, TESTE, BRASIL, ANTERIORIDADE, AUTORIZAÇÃO, CULTIVO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Primeiramente, Sr. Presidente, desejo agradecer ao nobre Senador Leomar Quintanilha. Creio que a comunicação que farei, Sr. Presidente, talvez seja semelhante - tentando adivinhar o tema a que o Senador Leomar Quintanilha, por ventura, possa se referir.  

Gostaria de dizer àqueles que estavam advogando a tese de que houve uma precipitação por parte do Ministério da Agricultura e da CTNBio em considerar que as condições, em termos de estudos técnicos, base científica e levantamento ambiental, já estavam adequadas para a liberação da comercialização e do plantio da soja transgênica, que a decisão da Justiça, particularmente do Juiz Federal Antônio de Souza Prudente, da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, proibiu, por meio de medida cautelar, o plantio comercial da soja geneticamente modificada das empresas Monsanto do Brasil e Monsay Ltda, em todo o País. Essa ação civil pública foi impetrada pelo Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC e pelo Greenpeace, uma organização internacional ambiental.  

Foi feito seminário - quero inclusive parabenizar os Senadores Leomar Quintanilha e Osmar Dias, da Comissão de Assuntos Sociais -, e realizamos uma audiência pública sobre os produtos transgênicos. Durante todo o processo de discussão, alguns levantavam questionamentos quanto aos assuntos ligados à saúde, aos problemas ambientais, até mesmo à questão da erosão genética e outros danos que poderiam ser causados pela soja ou qualquer outro produto geneticamente modificados; outros não entraram no mérito – posso citar a atuação do Dr. Aurélio Rios, Procurador do Ministério Público de Brasília –, mas levantaram questionamentos de ordem jurídica, até porque ele atuou na ação civil pública à qual me referi anteriormente.  

Do ponto de vista da decisão judicial, existe a tese, levantada pelo Ministério do Meio Ambiente, de que as prerrogativas legais para a liberação da soja geneticamente modificada não estavam adequadas, de acordo com a Constituição, de acordo com as leis brasileiras. Tanto é que o Ministério do Meio Ambiente, órgão responsável pelo licenciamento da questão ambiental, colocou-se em uma posição de não abrir mão dessa sua prerrogativa. A CTNBio tem competência para dar o parecer técnico, não para fazer o licenciamento, e o licenciamento prevê uma ação conjunta das autoridades competentes, que seriam necessariamente o Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde, o Ministério da Ciência e Tecnologia, a partir do parecer técnico da CTNBio.  

Sr. Presidente, a decisão da Justiça, do meu ponto de vista, foi baseada no princípio da prudência – e até há uma coincidência: o nome do Juiz é exatamente Antônio de Souza Prudente. Considerando o princípio da precaução previsto na Constituição Federal, mais precisamente no seu art. 225, questões que as autoridades brasileiras, pelo menos no seu conjunto, não haviam observado, e em se tratando do licenciamento ambiental, se danos fossem causados, o Ministério do Meio Ambiente, com certeza, seria cobrado, juridicamente, por qualquer ação, por não ter cuidado adequadamente daquilo que era competência sua.  

É por isso que considero que a ação judicial presta um serviço, pelo menos a uma parte do Governo, que responderia juridicamente, a parte que responderia legalmente caso ocorressem danos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a precaução e a prudência não nos custam. Agirmos de forma precipitada poderá nos levar a prejuízos irreparáveis, se considerarmos os riscos da saúde humana. Os testes realizados em animais - a não ser que alguém me prove o contrário - duraram três semanas, tempo que não considero suficiente para que cheguemos a um veredito final, dizendo que não há problemas para a saúde. Os testes foram realizados em ecossistemas nos Estados Unidos ou em países de biodiversidade bastante simplificada. Não é o caso brasileiro. Temos uma biodiversidade complexa, somos um país de megadiversidade. Portanto, os estudos têm de ser feitos levando em conta necessariamente essas características específicas do nosso País, da nossa biodiversidade. Considero que os testes realizados ainda não nos dão a segurança necessária.  

Apresentei um projeto de lei sustando o artigo da regulamentação da lei que diz que a CTNBio teria competência para dispensar o estudo de impacto ambiental. Vejo agora que a minha tese estava correta, porque quem tem autoridade para fazer essa dispensa são os órgãos ambientais ligados ao Sisnama e não a CTNBio. Tanto ela não tem competência técnica que, no entendimento da Justiça, nessa ação cautelar, essa tese foi vitoriosa pelo fato de que, no meu entendimento, houve uma extrapolação por parte daqueles que queriam a todo custo liberar a soja transgênica.  

O art. 225 da Constituição Federal, na qual se baseia a Justiça para tomar a sua decisão, diz o seguinte:  

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder púbico e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.  

(...) 

II - preservar diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;  

(...) 

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;  

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;  

(...) 

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.  

Sr. Presidente, fico na expectativa de que a ação civil pública impetrada pelos órgãos de defesa do consumidor e pelo Greenpeace, que teve essa vitória, sirva pelo menos de alerta àqueles que pensam que podem atropelar as leis para atender a determinados interesses. Que os interesses do Congresso, do setor produtivo e os da Justiça sejam exatamente aqueles de preservar os interesses dos cidadãos brasileiros. Boa parte dos cidadãos brasileiros não se sente segura para a utilização dos produtos geneticamente modificados nem de que não haverá problemas ambientais com a utilização e a produção que acontecerão a partir do momento que a comercialização for liberada.  

Considero vitoriosa a ação do Greenpeace e dos órgãos de defesa do consumidor. A partir de agora, devemos fazer um debate amplo. Inclusive, haverá um seminário sobre essa questão, que se iniciará amanhã, organizado pela Bancada do Bloco de Oposição aqui do Senado e pelos Deputados do Bloco de Oposição na Câmara dos Deputados.  

Espero que essa discussão seja mais um passo na seqüência do que ocorreu no Senado com o seminário proposto pelo Senador Leomar Quintanilha. Há também a iniciativa que tivemos de realizar um seminário interno com a nossa Bancada, para poder-lhe instruir a ação. Trabalharemos para que esse debate não seja uma "cortina de fumaça", em que alguns dizem que quem tem posicionamento contrário ou não quer o debate ou está agindo de forma ideológica. Embora eu tenha uma ideologia, eu não sou partidária da tese de que existe uma neutralidade axiológica, em que as pessoas não têm um ponto de vista determinado a partir de valores. Não advogo essa tese, mas procuro evitar que meus preceitos ideológicos me provoquem uma cegueira.  

O debate, do meu ponto de vista, está sendo posto na devida dimensão. Existem problemas de ordem técnica e existem problemas de ordem jurídica. Houve avanços nas pesquisas? Houve avanços, sim, e devemos registrá-los. No entanto, considero-os insuficientes. Tanto o são que a decisão da Justiça é no sentido de que, para esses produtos serem comercializados, faz-se necessário o licenciamento ambiental, o estudo de impacto ambiental e a rotulagem efetuada no momento em que esses produtos vão para as prateleiras dos supermercados ou para qualquer lugar onde serão comercializados. E mais ainda: aqueles que desobedecerem à lei, a partir da decisão tomada, pagarão multa de dez salários mínimos por desobediência.  

Entendo que o debate deva continuar, mas sem as paixões que muitas vezes nos fazem entrar em acusações nada edificantes, como dizer que aqueles que advogam um pensamento contrário estão querendo voltar à época do vodu. Não considero adequado esse tipo de rotulagem - aproveitando o termo "rotulagem" - pois não quero rotular aqueles que defendem interesses que podem ser nefastos ao meio ambiente e à saúde pública. Quero entender que os que estão defendendo a liberação da soja transgênica têm certeza de que não haverá erosão genética, que o produto não causará danos ao meio ambiente, que os estudos realizados pela multinacional Monsanto são suficientes para o seu convencimento.  

Eu não estou convencida, até porque tenho certa dificuldade em entender que basta alguém advogar em causa própria, como é o caso da multinacional Monsanto, para que possamos ter bases de convencimento para dizermos que estão corretos, mesmo porque não fizemos os testes na realidade brasileira.  

A idéia de uma moratória - repito, Sr. Presidente - não está embasada em pensamento ideológico. Se estivermos convencidos, não há por que haver a moratória. Mas ela se faz necessária para que tenhamos tempo adequado para que o debate possa acontecer e nossas instituições de pesquisa não precisem depois correr atrás do prejuízo.  

Iríamos dar a licença para a produção dos produtos geneticamente modificados - no caso da soja - e depois fazermos o acompanhamento. Ora, se porventura houver danos irreversíveis, de que adianta fazermos a constatação. É a mesma coisa que liberarmos o corte raso na Amazônia e colocarmos estudiosos para verificar se realmente vai causar seca na região, se vai desencadear um processo de empobrecimento irreversível do solo, de erosão e assim por diante. Seria a mesma coisa que fazer isso alguns anos atrás, quando essas teses não estavam devidamente comprovadas. Se tivéssemos feito, hoje boa parte dos danos seriam irreversíveis.

 

Nesse caso, prefiro associar-me à prudência do Dr. Antônio Prudente e optar pela manutenção do debate. Parabenizo, com respeito, todos os colegas que participam dele lealmente. E aqui quero dizer que em algumas discussões são colocados pontos de vista diferentes, mas acredito que precisamos, em benefício das instituições de pesquisa do Brasil, ter melhores bases e bases técnicas, como reivindicam alguns, e não apenas discursivas. Tenho certeza de que o Juiz Prudente não tomaria essa decisão, se não tivesse base.  

A propósito, achei interessante uma das passagens do parecer, em que ele diz o seguinte: "...ressaltar o Princípio da Precaução (no caso para a tomada da sua decisão) em um País, em uma sociedade, que passou a ter lucros com a morte." E, mais à frente, ele diz o seguinte: "A velocidade irresponsável que se pretende imprimir aos avanços da engenharia genética, guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gestar nos albores do novo milênio uma esquisita civilização de aliens hospedeiros com fisionomia peçonhenta."  

Achei interessante essa observação no seu parecer. Se não tivermos cuidado e subordinarmos a ciência ao mercado e subordinarmos nossas decisões aos interesses comerciais e mercadológicos, poderemos arrepender-nos posteriormente. A prudência do Dr. Antônio Prudente, a ação do Dr. Aurélio Rios, a ação das entidades que estão enfrentando o debate, com alguma dificuldade até mesmo para terem os mesmos espaços para posicionar-se, estão de parabéns. Estão de parabéns, porque o debate não está encerrado; ele continuará, e, espero, em bases leais, para que possamos, sem pressa, decidir sobre algo que poderá causar danos à nossa saúde e ao nosso meio ambiente.  

Digo "poderá’, porque também a mim cabe ainda a dúvida. Do contrário, eu afirmaria peremptoriamente. Como não tenho a mesma certeza daqueles que dizem que não causará danos, digo "poderá".  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/1999 - Página 16251