Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES COM AS PROPOSTAS DO GOVERNO AMERICANO, NA ULTIMA ASSEMBLEIA GERAL DA OEA, PARA CRIAÇÃO DE UMA FORÇA DE INTERVENÇÃO NA AMERICA DO SUL, COM O INTUITO DE DEFENDER A DEMOCRACIA NO HEMISFERIO.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • PREOCUPAÇÕES COM AS PROPOSTAS DO GOVERNO AMERICANO, NA ULTIMA ASSEMBLEIA GERAL DA OEA, PARA CRIAÇÃO DE UMA FORÇA DE INTERVENÇÃO NA AMERICA DO SUL, COM O INTUITO DE DEFENDER A DEMOCRACIA NO HEMISFERIO.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1999 - Página 15905
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ENTREVISTA, LUIZ GONZAGA LESSA, OFICIAL GENERAL, REFERENCIA, POSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, FORÇAS ESTRANGEIRAS, REGIÃO AMAZONICA, OBJETIVO, DEFESA, MEIO AMBIENTE.
  • APREENSÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), CRIAÇÃO, FORÇA ESPECIAL, INTERVENÇÃO, AMERICA, OBJETIVO, DEFESA, DEMOCRACIA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONSCIENTIZAÇÃO, ADOÇÃO, POLITICA, DEFESA, SOBERANIA, BRASIL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu estava ouvindo, com a atenção que merece, o discurso sempre oportuno e competente do Senador Gilberto Mestrinho. S. Exª discorria sobre a Amazônia, em cujas questões é realmente doutor, com todos os conhecimentos e credenciais para falar.  

Ao ouvir seu discurso, lembrava-me de ter lido algo na imprensa que me havia preocupado muito, e os funcionários de meu gabinete conseguiram recuperar esses dados. Não pude apartear o Senador Gilberto Mestrinho, mas aproveito para ler da tribuna esta notícia publicada na Folha de S.Paulo no dia 17 de junho:  

O Comandante Militar da Amazônia, [General] Luiz Gonzaga Lessa, disse que a defesa da Amazônia pode ser utilizada como pretexto para intervenção armada no Brasil, por parte de países desenvolvidos. Segundo ele, a intervenção militar motivada pela proteção ao meio ambiente é "tendência da próxima década".  

 

Ao depor na CPI da Atuação da Funai, anteontem na Câmara, o general afirmou que o princípio da não-intervenção começa a ser posto de lado, como conseqüência da globalização.  

 

Ora, Sr. Presidente, essa notícia tem tudo a ver não só com o que nos estava expondo o Senador Gilberto Mestrinho, com seu brilho habitual, mas também com o tema que abordarei nesta tarde sobre outra notícia que me chegou às mãos recentemente. A informação é a seguinte: "Os Estados Unidos propuseram na última Assembléia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) [realizada no início deste mês de junho e encerrada recentemente], na Guatemala, a criação de uma força de intervenção no Hemisfério Ocidental, com o objetivo de defender a democracia na região."  

Defender a democracia, defender o meio ambiente são razões que começam a ser invocadas, sem nenhum constrangimento, para justificar possíveis intervenções armadas. Trata-se da criação de uma força armada de intervenção. A proposta naturalmente enfrentou resistências e sua discussão deverá ocorrer na próxima reunião, no ano que vem.  

Gostaria de ressaltar que essas coisas são apresentadas e propostas sem nenhum constrangimento. Há 10 ou 20 anos, quando assumi pela primeira vez uma cadeira no Senado, essas coisas eram pensadas, tramadas, mas não ditas de forma explícita como agora.  

Outra notícia diz que, no dia 12 de maio, em apresentação ao Conselho Permanente da OEA, em Washington, o embaixador dos Estados Unidos naquele organismo, Sr. Victor Marrero, propôs a criação de um serviço de inteligência regional. A intervenção aberta nas questões, nos problemas e na administração de outros países passou a ser algo que não causa mais nenhuma reação de constrangimento, porque passou a ser algo condizente com esse clima que pretende terminar com a soberania dos estados nacionais para a implantação de um governo supranacional, um governo naturalmente capitaneado pela grande potência mundial ou pelas potências que a ela se unem nesse papel de policiamento internacional. Disse aquele embaixador que o mundo caminha para a superação dos estados nacionais e para a imposição de governos internacionais. Mas o fato é que o comportamento dos países ricos, das grandes potências, não condiz absolutamente com essa informação. A proteção das suas respectivas economias faz-se da forma mais aberta e mais eficaz possível. Ademais, os Estados Unidos, por exemplo, rejeitam a idéia da instituição de um Tribunal Internacional que amanhã possa julgar seus cidadãos. Essa idéia foi proposta em foros internacionais, sendo, porém, rejeitada liminarmente pela grande potência.  

Os Estados Unidos também não respeitaram o dever de consultar o Conselho de Segurança da ONU para iniciar os bombardeios à Iugoslávia. No momento em que se colocam interesses que dizem respeito não só à economia como à afirmação de poder das grandes potências, não se fala mais em organismos internacionais, mas procura-se exatamente circunscrever as ações a determinados organismos regionais, onde se colocam a hegemonia e a preponderância da grande potência.  

Evidentemente, uma força armada para intervenção no continente americano, obviamente comandada pelos Estados Unidos, e um organismo de inteligência internacional seriam também uma sucursal da CIA.  

Aliás, Sr. Presidente, a Carta Capital, há poucas semanas, publicou uma matéria muito interessante relacionada à existência da representação da CIA aqui no Brasil e à ação desenvolta da DEA – Drug Enforcement Agency –, dos Estados Unidos, no combate ao narcotráfico. As autoridades brasileiras e o General Alberto Cardoso, Chefe da Casa Militar, manifestou a sua preocupação quanto à ação da DEA no Brasil. O fato é que a sua presença no Brasil e a desenvoltura das suas ações persistem da mesma forma.  

Os fatos vão-se consumando e cristalizando, e vão-se avançando as propostas da força de intervenção, da criação da agência regional de inteligência, da instituição da moeda única americana – que seria, evidentemente, o dólar americano – e da área de livre comércio em todo continente americano. São propostas que tendem sempre a favorecer a potência hegemônica, que emite a moeda internacional, que tem capacidade militar para impor os seus pontos-de-vista e de levar a melhor em qualquer confronto de natureza militar.  

É preciso que a cidadania brasileira e sua representação no Congresso Nacional conscientizem-se dessas ameaças e reajam à altura, fazendo valer os interesses do País e sua autonomia na decisão dos seus problemas e na solução das questões que dizem respeito a nós, brasileiros, como o caso da preservação do meio ambiente na Amazônia, do combate ao narcotráfico, da defesa da nossa moeda, da nossa indústria e da nossa economia de um modo geral.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Roberto Saturnino, as colocações que faz refletem um clima real que existe em relação à Amazônia. O pior é que isso está acontecendo com a conivência de autoridades brasileiras. No mapa da Amazônia, com as medidas governamentais que vem sendo tomadas há algum tempo, está em curso um processo contínuo de balcanização da Amazônia. Vamos às fronteiras. A fronteira do Brasil com a Venezuela, que contém parte do Amazonas e parte de Roraima, com nove milhões e duzentos mil hectares, maior que Portugal, é chamada área Yanomami. Saindo da Venezuela, começa a fronteira da Colômbia.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Desculpe-me interrompê-lo, mas V. Exª falou em uma área maior que Portugal.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Sim. Uma área maior que Portugal para seis mil índios. Portugal tem dez milhões de habitantes.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Seis mil índios?  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Os Yanomami do lado brasileiro são efetivamente seis mil. Toda fronteira colombiana é a reserva tucana, com oito milhões e seiscentos mil hectares, área maior que Cuba, onde vivem 16 milhões de pessoas. Um pouco abaixo no mapa, observa-se uma área muito grande com uma reserva sendo demarcada e implantada. Trata-se de Jaguari, com oito milhões de hectares e apenas 600 índios, que vivem do lado do Peru e do Brasil. A seguir, há os parques nacionais montados, os chamados corredores ecológicos e uma multiplicidade de áreas reservadas para índios e de proteção ambiental. No Amazonas, o maior Estado da Região Norte, há cerca de 74 mil índios – contando comigo –, praticamente civilizados, que vivem com caboclos. Eles ocupam 30 milhões de hectares, 22% do território do Amazonas. Está formado o clima: território, povo, língua – apesar dos vários dialetos, há uma língua mãe –, só falta o protetorado. Na época da ECO 92, falou-se muito sobre a luta do Brasil e do mundo para demarcar a chamada reserva Yanomami. Parecia ser fundamental para a humanidade a demarcação da reserva. Todos estavam empenhados naquilo. A área foi demarcada não como os índios queriam, mas conforme os falsos protetores dos índios desejavam. Em vez de 150 áreas isoladas, fizeram um total contínuo de cerca de nove milhões. O Governo Collor anulou as portarias feitas no Governo Sarney.  

No ano passado, durante o forte verão, houve um incêndio natural que vitimou as aldeias ianomâmis, e ninguém foi lá para ajudá-los. Eles ficaram doentes, famintos, perderam tudo, e ninguém quis saber. E mais: houve até uma ameaça. O General Patrick Hughes, Chefe do Estado-Maior em outro ano, declarou que, se a questão ambiental na Amazônia prejudicasse o desfrute de vida deles, não descartariam a intervenção armada. É o que V. Ex.ª está dizendo, e estou confirmando. O General Luiz Gonzaga Lessa, há poucos dias, citou aqui que não se trata só dos americanos, mas do antigo G-7, agora, G-8. Na verdade, foi Gorbatchov quem propôs primeiro criar o Exército Verde. Gorbatchov, tendo ficado desempregado, passou a ser ecologista. Para vir ao Rio de Janeiro proferir palestra, cobrou US$100 mil. Margaret Thatcher, François Miterrand, Henry Kissinger e John Major disseram o mesmo, procurando convencer o mundo e a nós que a Amazônia não é nossa, mas patrimônio deles. V. Exª está de parabéns pelas observações que fez. Muito obrigado.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - De parabéns está V. Exª, nobre Senador Gilberto Mestrinho, pelas lições que nos dá a respeito da Amazônia, de seu povo, da sua vida, de sua economia e das ameaças que pesam sobre ela.  

A idéia do protetorado certamente está sendo conversada e planejada. Esses planejamentos são feitos a longo prazo. Eles sabem aguardar o momento oportuno para desfechar as ações. Obviamente, a idéia está sendo cultivada e muito bem programada.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Roberto Saturnino, se V. Exª tiver paciência, posso fornecer-lhe um dado que confirma isso.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Sim, Excelência.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Há uma grande e famosa universidade americana em que existe uma grande quantidade de ianomâmis sendo preparados para a futura nação.

 

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - V. Exª nos traz mais uma informação que aumenta a nossa preocupação.  

Todas essas intervenções, feitas em nome da democracia e da defesa do meio ambiente, da humanidade e de seus interesses, podem ser bem justificadas, e, com o domínio que eles têm da mídia internacional, são passadas para a opinião pública mundial como uma ação de benemerência, quando se sabe que a grande ameaça para a humanidade hoje é esse gigantesco e incontrolado mercado financeiro internacional. Isso é que pode trazer um débâcle, uma situação catastrófica para as economias do mundo inteiro. No entanto, esse mercado financeiro é sempre encarado como algo progressista.  

Devemos ficar conscientes desses riscos que corremos, a fim de nos defendermos e buscarmos alianças na América Latina, na América do Sul, em particular. É claro que essa primeira ofensiva da OEA foi repelida, mas a insistência e o peso da hegemonia norte-americana acabam prevalecendo sobre a resistência dos demais, a menos que, alertas, desenvolvendo também um trabalho político de construção, de alianças com outros países, sejamos capazes de contrapor, inteligentemente e de forma eficaz, as nossas posições e os nossos interesses, que, afinal de contas, correspondem à verdade dos fatos.  

É evidente que os interesses nacionais continuam prevalecendo, apesar da globalização financeira. As restrições à livre circulação dos cidadãos continuam plenas, mais fortes que nunca. É mais difícil entrar nos Estados Unidos sem autorização do que o foi em épocas passadas. Cada vez mais, há restrições à livre circulação de pessoas, fato que mostra que os interesses e as legislações de caráter nacional são mais fortes, ao contrário do que se diz em defesa da chamada internacionalização.  

Era isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que queria trazer como preocupação, na tarde de hoje.  

Agradeço a colaboração do Senador Gilberto Mestrinho.  

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio) - A Senadora Marina Silva, do PT, e o Senador Gilvam Borges falaram por cessão do Senador Bernardo Cabral.  

Concedo a palavra ao Senador Nabor Júnior, por 20 minutos.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -  

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1999 - Página 15905