Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA CPI DO JUDICIARIO PARA O PAIS, DESTACANDO OS RESULTADOS QUE ADVIRÃO PARA O ENCAMINHAMENTO DA REFORMA DAQUELE PODER.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), JUDICIARIO.:
  • IMPORTANCIA DA CPI DO JUDICIARIO PARA O PAIS, DESTACANDO OS RESULTADOS QUE ADVIRÃO PARA O ENCAMINHAMENTO DA REFORMA DAQUELE PODER.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/1999 - Página 17209
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), JUDICIARIO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, FUNCIONAMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), JUDICIARIO, VITORIA, CONFLITO, EPOCA, INSTALAÇÃO, IMPORTANCIA, INVESTIGAÇÃO, CRIME, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), JUDICIARIO, SUBSIDIOS, REFORMA JUDICIARIA, AUMENTO, ACESSO, POPULAÇÃO, JUSTIÇA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi sob clima de intensa polêmica que o Senado Federal instalou, no dia 8 de abril passado, a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar denúncias de irregularidades no Poder Judiciário.

À época, fortíssimas reações foram desencadeadas, das mais diversas origens, contra a instalação dessa CPI. Questionava-se não apenas a sua oportunidade e a possibilidade de que viesse a se mostrar eficaz, no sentido de propiciar resultados práticos ao seu final. Mais do que isso, argüía-se até a constitucionalidade da iniciativa, sob os argumentos de que a proposição não atendia ao requisito constitucional de ter por objeto fato determinado e de que um Poder da República não se podia arvorar em juiz de outro.

Partindo do equivocado pressuposto de que a CPI iria avaliar o Judiciário no exercício de suas privativas atribuições jurisdicionais, de que acabaria por tratar das sentenças exaradas pelos juízes, muitas vozes se levantaram, até mesmo no interior desta Casa, para admoestar quanto à violação do princípio constitucional da independência dos poderes e para advertir contra os riscos de crise institucional.

Deixaram de atentar - esses críticos de primeira hora da CPI - para a perfeita consciência que temos - os Senadores da República - do caráter indevassável do Poder Judiciário quando no exercício da jurisdição, a qual - é bom que se lembre - é absolutamente imodificável, tanto que sequer por lei se pode alterar a coisa julgada.

Apressaram-se outros para alertar para a ameaça à credibilidade da Justiça, que, em sua opinião, estaria embutida no procedimento investigatório a ser conduzido pelo Poder Legislativo. Radicalizando ainda mais esse raciocínio, alguns enxergaram a CPI como “parte de uma insidiosa trama de desmoralização do Judiciário”, objetivando proteger a política econômica do Governo dos “juízes ‘irresponsáveis’ que, se não calados a tempo, poderiam conceder reposições salariais ou impedir o confisco dos proventos dos aposentados, por exemplo”.

Nesse particular, subestimaram os críticos da CPI a histórica independência e altivez dos magistrados brasileiros, que jamais se curvaram ou se curvariam, jamais subordinariam seu sagrado ofício de distribuir justiça a imaginárias ameaças ou pretensas intimidações.

Quanto ao pretextado risco de descrédito para o Judiciário por conta das irregularidades que a CPI haveria de desvelar, deixou-se de considerar que é justamente a capacidade das instituições de passarem por processo de depuração que as fortalece. Assim foi com o Congresso Nacional, por ocasião da CPI do Orçamento. Foi por não tentar esconder as suas mazelas, por entender que as atitudes vergonhosas não comprometem o conjunto da corporação, por serem extirpados de seu convívio os parlamentares infratores e por ter adotado medidas importantes com o objetivo de evitar a repetição de desvios de conduta por parte de seus membros que a Instituição Parlamentar saiu dos episódios ainda mais forte.

O mesmo ocorrerá, com toda a certeza, com o Poder Judiciário, a cada vez que medidas saneadoras depurarem as suas práticas administrativas e seu corpo de magistrados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, orgulho-me de ter sido um dos signatários do requerimento de instalação da CPI do Judiciário. Assinei aquele documento convicto de que os trabalhos da CPI viriam trazer contribuição ao aprimoramento da nossa Justiça e, por decorrência, atenderiam aos interesses maiores do povo brasileiro. Não o fiz, de maneira alguma, movido por qualquer sentimento de desapreço ao Poder Judiciário. Ao contrário, nutro pelo Judiciário do meu País não apenas um profundo respeito, mas também uma grande admiração. Inclusive, faço questão de dizer que é motivo de muito orgulho para mim ter um filho integrando os quadros da magistratura.

Com efeito, tenho absoluta certeza da probidade da esmagadora maioria dos nossos magistrados. No entanto, não podemos encarar o Judiciário como um Poder intocável, insusceptível de ser investigado. Inobstante a justeza e o caráter democrático das garantias especiais constitucionalmente asseguradas àqueles que têm por ofício aplicar a lei aos casos concretos, não podemos olvidar que esse poder é exercido por seres humanos, susceptíveis, portanto, de se desviarem do cumprimento do dever, de apresentarem falhas de caráter e imperfeições morais. Nesses casos, não se pode, evidentemente, praticar qualquer espécie de acobertamento.

Nesses parâmetros, Srs. Senadores, há de ser analisada a constitucionalidade da Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário. Uma coisa é a independência e a soberania desse Poder, absolutamente inatingível no exercício da jurisdição. Outra coisa, muito diferente, seria colocar o Judiciário acima da lei, seria supor que ele pode funcionar à revelia de qualquer forma de controle por parte da sociedade.

É muito importante que a opinião pública compreenda o caráter e a função das comissões parlamentares de inquérito. Conforme reza a Carta Magna, elas são instauradas “para a apuração de fato determinado e por prazo certo”. A CPI não é, portanto, instrumento de acusação ou julgamento de pessoas, muito menos de Poderes da República. Logo, não existe - nem pode existir - CPI contra o Poder Judiciário ou contra o Poder Executivo. De outro lado, bastando que o fato - ou fatos - seja determinado, a CPI pode ser aberta sem exclusão alguma, para exercer suas típicas atividades investigatórias, com poderes próprios das autoridades judiciais, tal como estabelece a nossa Constituição.

Ora, as atividades das CPIs são dirigidas para os comportamentos da administração pública, e essa existe tanto no Executivo quanto no Judiciário. Nessa medida, a CPI do Judiciário, atualmente em funcionamento nesta Casa, em nada se distingue de tantas outras que a precederam. Ela não se debruça sobre o exercício da função jurisdicional por parte dos magistrados, não trata das decisões exaradas pelos juízes. Em perfeita conformidade com o cânone constitucional, ela investiga, isso sim, fatos graves e muito bem determinados, os quais configuram a violação, por parte de alguns juízes, dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, que regem a Administração Pública brasileira. E, pelo que se apurou até agora, já se pode ter uma idéia da profundidade das lesões ao patrimônio público representados por esses fatos.

Inconstitucional seria a CPI se o objeto de suas investigações fossem as decisões judiciais. Mas não é isso o que ocorre. O que está em investigação, de fato, são as irregularidades administrativas ocorridas no seio do Poder Judiciário. E, assim sendo, não há que falar em inconstitucionalidade. A iniciativa é, evidentemente, constitucional, o que, aliás, já parece ter sido bem assimilado pelos diversos segmentos da sociedade. Afinal, todos os órgãos da Administração Pública, inclusive os Poderes da República, são investigáveis, e a competência para promover essas investigações é do Legislativo, por delegação a ele conferida pelo povo brasileiro. Isso é o que se depreende do texto da Constituição Federal, que previu a criação de comissões parlamentares de inquérito sem estabelecer limitação alguma a seus poderes de investigação. Logo, tem o Congresso Nacional a competência de investigar o Executivo, o Judiciário e a si próprio, como, aliás, o fez em mais de uma oportunidade.

Na época da instalação da CPI do Judiciário, alguns representantes da magistratura, contaminados por excessivo espírito corporativo, questionaram: “Por que não uma CPI sobre o Executivo ou sobre o próprio Legislativo?” Esqueceram, porém, esses líderes da categoria, que CPIs do Executivo e do Legislativo já foram realizadas.

Foi uma CPI, conhecida como “CPI do PC”, que conduziu ao impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello e desmanchou a chamada “República de Alagoas”, depois de trazer à luz esquema de corrupção de dimensão inaudita na história republicana, no seio do Executivo.

No caso do Legislativo, tivemos a já mencionada CPI do Orçamento, que fez rolar as cabeças não apenas dos chamados “anões”, mas também outras até então consideradas impolutas, por conta da revelação de esquemas de corrupção para desviar recursos públicos em favor de parlamentares, amigos e protegidos. Em várias outras oportunidades, o Congresso Nacional exerceu sua competência de investigar a si próprio, fora do âmbito das CPIs, promovendo, por exemplo, a cassação de Deputados que receberam pagamento para trocar de partido, assim aumentando o espaço gratuito no rádio e na televisão destinado à nova agremiação a que se filiaram.

É muito importante deixar bem claro que a CPI ora em funcionamento não tem como objetivo diminuir o Poder Judiciário. O que não mais se coaduna com a realidade atualmente vivida pela Nação brasileira é a magistratura independente do povo, da sociedade, do cidadão. Os juízes devem prestar contas de seus atos à comunidade como qualquer agente público.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a instalação da CPI do Judiciário não representou, de forma alguma, uma atitude aventureira por parte desta Casa. Não é de hoje que se tem notícia da existência de corrupção e outras irregularidades no âmbito do Poder Judiciário. Alguns de seus membros sempre fazem questão de frisar que esse Poder seria o menos impuro ou o menos corrupto. Verdadeira ou não a assertiva, isso é de somenos importância. A cidadania clama pela apuração e pela punição dos atos de corrupção, qualquer que seja a sua quantidade.

O primeiro mérito da instalação da CPI foi ter transformado os juízes e o papel do Judiciário na democracia brasileira em alvo de um inédito debate, nunca anteriormente travado com tanta veemência e intensidade perante a opinião pública. Isso é muito salutar, pois serve para conduzir a amplas discussões e a profunda reflexão acerca da estrutura e das mazelas do Poder Judiciário, que apontam para a inevitabilidade e urgência de sua reforma.

No que tange ao aspecto administrativo propriamente dito, à apuração de irregularidades, não é de pouca monta o que vem sendo investigado pela CPI.

O caso que obteve maior repercussão, até o momento, nos meios de comunicação, é o que se refere a irregularidades e superfaturamento na licitação e construção da sede das Juntas de Conciliação e Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. A obra, iniciada em 1993 e que deveria ter sido concluída em 1996, foi abandonada pela empresa responsável, a Incal Incorporações, no ano passado, após consumir R$ 230 milhões. Esse valor representa 98% do cronograma financeiro, mas nem sequer 60% do prédio foi concluído. Existe também suspeita de que tenha havido irregularidade na compra do terreno onde esse fórum trabalhista vinha sendo construído, no centro de São Paulo. O Tribunal de Contas da União relacionou nada menos que 17 irregularidades desde a licitação da obra, sendo fortíssimos os indícios de desvio de dinheiro.

Outra investigação se refere a irregularidades na aquisição de imóveis, apropriação indébita de recursos públicos e compras sem licitação feitas no Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba. Segundo denúncias de um funcionário, esse TRT realizou 565 contratações irregulares, a maior parte delas de parentes de juízes. As denúncias motivaram intervenção do Tribunal Superior do Trabalho no órgão paraibano, mas a medida não teria surtido efeito. O Subprocurador-Geral da República na Paraíba investigava essas denúncias, bem como outras relativas ao desvio de dinheiro público naquele órgão, mas não obteve êxito e acabou por se afastar da investigação depois de receber ameaças de morte. Informações obtidas pela CPI dão conta de que o TRT paraibano teria pago 710 mil reais por um terreno cujo valor não excederia 420 mil reais.

Também estão sendo investigadas pela CPI adoções irregulares em Jundiaí, São Paulo, contratação sem licitação de empresa para realização de concursos públicos, negociação de votos no TRT do Rio de Janeiro e ainda o caso de um menor que teve dilapidada a herança deixada por seu pai, enquanto era administrada pela Justiça do Distrito Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se pode perceber, a CPI do Judiciário já demonstrou, à saciedade, que sua instalação não foi vã; que existem, de fato, numerosas atuações claramente agressivas à cidadania no seio daquele Poder, as quais estavam a merecer uma investigação isenta e criteriosa.

Mais que a apuração das irregularidas recém-mencionadas, contudo, a própria atmosfera criada pelo funcionamento da CPI já vem produzindo outros resultados práticos em benefício da sociedade. Notícias atribuem à existência da CPI, por exemplo, a decisão da Justiça de Brasília de haver implantado, no mês passado, plantão de 24 horas para atender às demandas da população, com a presença inclusive de juízes.

Mais importante do que tudo isso, a instalação da CPI serviu para agilizar a tramitação do projeto de reforma do Judiciário na Câmara dos Deputados, e haverá de colaborar também para que nessa reforma se garanta a supremacia do efetivo interesse público sobre os interesses da magistratura.

Evidentemente, a tão reclamada modernização do Judiciário só se tornará realidade quando se constituir em reivindicação consciente do conjunto da sociedade brasileira, informada pela correta compreensão dos motivos que dificultam o acesso à Justiça. Os profissionais do Direito sustentam, desde há muito, que a estrutura judiciária brasileira é anacrônica e por isso incapaz de atender ao pressuposto básico de chegar a todos, não importando o nível socioeconômico ou a localização geográfica. Mas foi somente a instalação da CPI que se mostrou capaz de retirar dos gabinetes fechados o debate dessa questão, e seus trabalhos produzirão, com certeza, muitos elementos úteis às discussões da reforma, apontando sempre para a modernização da Justiça, para que se torne ágil, eficaz e igualitária, como reclama a Nação.

E foi com isso em mente, Srªs e Srs. Senadores, que assinei o requerimento para instalação da CPI do Judiciário. Assinei-o convicto de que o resultado mais importante da CPI não seria a apuração de casos isolados de corrupção aqui ou acolá, mas, sim, a consecução de uma Justiça mais célere e mais próxima do cidadão.

Como já tive oportunidade de afirmar, respeito e admiro o Poder Judiciário do Brasil. Tenho bem claro que esse o Poder representa o ponto de equilíbrio em qualquer democracia. Portanto, jamais apoiaria qualquer iniciativa tendente a colocar em cheque a instituição, tendente a desmoralizá-la. Sempre tive a convicção - atualmente confirmada pela evolução dos fatos - de que não seria esse o papel da CPI do Judiciário. Sabia eu que a CPI viria fortalecer o movimento em direção à tão necessária renovação do Poder Judiciário. Por isso, apoiei sua instalação. E hoje me orgulho ao verificar os resultados, principalmente no que se refere ao incremento do debate em torno da reforma desse Poder, apontando - reafirmo - para uma Justiça ágil, eficaz, igualitária e capaz de bem atender a todos os cidadãos brasileiros, independentemente de seu local de moradia ou de sua condição econômico-social.

O povo brasileiro tem direito ao pleno acesso à Justiça, e o Congresso Nacional, com o apoio da magistratura e das demais forças sociais, haverá de desenhar o novo Poder Judiciário, plenamente acessível a qualquer cidadão.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/1999 - Página 17209