Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O NARCOTRAFICO, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, NO PROXIMO SABADO, DO DIA INTERNACIONAL CONTRA O ABUSO DE DROGAS E O TRAFICO ILICITO.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O NARCOTRAFICO, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, NO PROXIMO SABADO, DO DIA INTERNACIONAL CONTRA O ABUSO DE DROGAS E O TRAFICO ILICITO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1999 - Página 17146
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, ABUSO, DROGA, TRAFICO, OPORTUNIDADE, ANALISE, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS, FALTA, TRABALHO, PREVENÇÃO, CONSUMO.
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TRAFICO, DROGA, CAMARA DOS DEPUTADOS, DIVULGAÇÃO, DADOS, AUMENTO, NUMERO, TRAFICANTE, ESTADOS, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, UTILIZAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, INFORMAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, PROBLEMA, DROGA, DANOS, SAUDE, VICIADO EM DROGAS.

O SR. JOÃO ALBERTO DE SOUZA (PMDB-MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorre no próximo sábado, dia 26 de junho, o Dia Internacional contra o Abuso de Drogas e o Tráfico Ilícito.  

Diante da magnitude do problema que a questão da droga e do tráfico ilícito levanta, não posso furtar-me de também tecer algumas considerações que julgo de fundamental importância para o nosso País, em particular tendo em vista os seus jovens.  

Tenho acompanhado o trabalho que vem sendo desenvolvido pela CPI do Narcotráfico, da Câmara dos Deputados, as notícias e os comentários que têm sido trazidos a público pela imprensa sobre a droga e suas conseqüências.  

Apesar de algumas controvérsias, é fora de dúvida que se trata de um problema de extrema complexidade, seja pela extensão que já adquiriu hoje no Brasil, seja pela facilidade com que se propaga, seja pelas conseqüências que desencadeia na saúde dos usuários.  

Os dados que a imprensa tem divulgado e os colhidos pela CPI do Narcotráfico revelam que hoje, em nosso País, aproximadamente 100 mil pessoas vivem do tráfico de drogas. Segundo a imprensa, a esse número, devem ser acrescentadas outras cifras, que deixo de citar aqui, mas que, somadas, materializam "verdadeiros exércitos que se movimentam à vontade, ora sob o rótulo de economia informal, ora sob a capa de contravenções várias quando não de banditismo" - (Editorial do Jornal do Brasil , de 20 de maio de 1999).  

Somente na Região Sudeste, haveria 1.200 pistas clandestinas de pouso, usadas por narcotraficantes. Os traficantes estariam também, de uma forma ou de outra, utilizando vários dos 714 aeroportos oficiais. O Sudeste, segundo a CPI, é a porta de entrada das drogas consumidas no País, enquanto que a Amazônia é parte do caminho percorrido pelos transportadores internacionais.  

Em termos de violação do espaço aéreo por aviões dos cartéis de narcotraficantes, dão-se 2 mil e 300 violações do espaço brasileiro por ano pelos aviões que carregam droga. Isso corresponde a pouco mais de 6 violações por dia. E o que é pior: as autoridades brasileiras não têm meios para evitar que isso aconteça. Não têm meios, nem há integração entre as várias esferas governamentais para, pelo menos, trabalhar com um pouco mais de eficiência.  

De acordo com o Deputado Moroni Torgan, Relator da CPI das Drogas, existem no Brasil grandes quadrilhas que abastecem o mercado nacional, embora as lideranças dessas quadrilhas permaneçam desconhecidas da polícia. "O Brasil - diz o relator - tem sido visto apenas como corredor. Mas a verdade é que o mercado brasileiro de droga é muito grande".  

É importante ressaltar, também, que o problema se tem agravado nos últimos tempos porque a cocaína está praticamente empatada com a maconha na preferência do mercado nacional. O consumo de cocaína cresceu tanto que hoje se pode dizer que, em termos de consumo, ocupa o mesmo nível da maconha. Segundo dados fornecidos pela Polícia Federal, 60 por cento dos 10 mil presos nos últimos cinco anos são acusados de porte ou tráfico de cocaína.  

No Rio de Janeiro, uma pesquisa conduzida pela Secretaria da Justiça do Estado detectou que dos 2 mil e 115 internos do sistema penitenciário, 24% dos homens e 22% das mulheres que cumprem pena já usaram cocaína no interior dos presídios. Em se tratando de maconha, o percentual chega a 35% entre os homens e 26% entre as mulheres.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pode-se discorrer longamente manuseando dados e cifras sobre essa questão. Assunto e fatos concretos não faltam.  

Prefiro, no entanto, ater-me ao problema do custo dessa realidade em relação às forças e aos recursos da Nação e ao posicionamento que devem assumir o Estado e a sociedade no campo da prevenção.  

Independentemente da visão liberalizante de alguns e sem as preocupações moralizantes de outros, não se pode desconhecer que as drogas, licitas e a ilícitas, podem provocar estragos de profundas dimensões nos que dela fazem uso. São estragos de natureza física, psicológica, social e econômica. Muito mais graves quando se trata dos consumidores jovens.  

A realidade em que vivemos, a brasileira e a do mundo, é uma realidade propícia a perturbações de toda ordem e a chamamentos os mais imprevistos. Nesse contexto, quero comentar apenas dois aspectos que caracterizam os horizontes modernos da vida: a diminuição das perspectivas de trabalho para a juventude e o apelo ao consumismo. Eis duas realidades duras e paradoxais desta fase da história da humanidade, pois ao mesmo tempo em que a ciência e a tecnologia se desenvolveram e se desenvolvem com extrema velocidade, multiplicando bens de consumo e meios de bem-estar, as oportunidades de trabalho restringem-se, o capital concentra-se e a exclusão social cresce, impossibilitando para a maioria dos seres humanos o usufruto desses mesmos bens e serviços.  

Apelo ao consumo e falta de oportunidade de trabalho são ingredientes propícios para a assunção de opções de vida desagregadoras, seja em nível da vida pessoal, seja no nível da convivência em comunidade.  

Não é de estranhar que, em um panorama desses, a droga se tenha tornado inimigo a toda hora presente na atual civilização. É presença em toda hora e em qualquer lugar. É desafio e é medo. É gesto de revolta e é manifestação de procura de sentido. É relação de ódio de amor. É explicitação do contraste pelo qual muitos fazem uso do próprio corpo para materializar um protesto. Um protesto que se ergue como agressão, contra regras, contra convenções, contra a falta de sentido de muitas coisas, muitas fúteis, porém muitas também necessárias, mas inatingíveis.  

Contra essa agressão, os jovens são convocados a reagir em defesa própria desde a mais tenra infância, numa idade na qual, por natureza, dificilmente têm forças e clarividência para definições existenciais definitivas.  

Os adultos, por outro lado, sejam os pais, no lar, sejam os mestres, na escola, sejam os homens de estado no âmbito da administração pública ficam na surpresa e à mercê de improvisações e de gestos de boa vontade. Todos amortecidos, tragicamente impotentes pela complexidade, uma complexidade contra a qual não encontram estratégias de combate.  

Proibir simplesmente? Não tem eficácia. Não é mais possível, porque a droga exerce fascínio, e a propaganda além de sub-reptícia é poderosa e onipresente. Os jovens, seduzidos, solicitados no seu ambiente e nos ambientes, onde ela circula livremente, sequiosos de experiências novas, gregários e em um mundo que esgota com violência toda a sua delicada sensibilidade, erguem-se com respostas e argumentos irretorquíveis contra quem pretende recusar-lhes o que acreditam ser seu direito: levar até ao fim a própria experiência pessoal.  

Por outro lado, os meios de comunicação social, esses formidáveis meios de que dispõe a sociedade, sob concessão pública, agem sem compromisso com programas mais sólidos e sérios em termos de informação e formação. Não há pejo para músicas e letras apelativas, é normal a precoce erotização das crianças, dá assistência a exploração da violência em programas e em noticiários, alegram as tardes inteiras de "variedades" de gosto duvidoso; o espaço, no entanto, para a informação exaustiva, para a análise crítica, para o debate competente é exíguo e as questões de maior profundidade devem ser tratadas às pressas, enclausuradas em sínteses que não despertam, nem possibilitam maior atenção.  

Quando se trata de informar sobre drogas, é preciso apelar para a boa vontade, para o gratuito, para o favor.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, estão disponíveis informações rigorosamente concretas e suficientemente amplas sobre drogas, fundadas em dados objetivos proporcionados pela ciência. A medicina, a farmacologia, a psicologia e a biologia conjugam-se quanto às informações que esclarecem sobre o uso, os efeitos e as conseqüências diretas dos tóxicos. Cabe às instituições responsáveis a obrigação de mostrarem claramente o preço que pode ser pago por experiências que, inicialmente, parecem apenas um inocente jogo.  

Ao informar, não é preciso carregar a exposição, não há necessidade de criar um clima de medo ou terror. É preciso, sim, abordagem clara e objetiva, sem titubeies, quanto à potencialidade dos tóxicos, nenhum deles anódino, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.  

Nesse campo, isto é, no área dos meios de informação, nosso País desperdiça instrumentos e oportunidades. Em recente seminário promovido pela Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, debateu-se O papel da mídia na sociedade brasileira. Do seminário, participaram jornalistas e importantes expoentes brasileiros desse setor.  

O Sr. Noêmio Spínola, analisando comparativamente as mídias dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Rússia, afirmou que "Hoje em dia, com tecnologias cada vez mais avançadas como a lnternet, não vai mais ser possível determinar de cima para baixo o que vai ser notícia. Há cada vez mais opções e o que vai determinar a escolha do veículo é o grau de instrução do leitor".  

Em relação ao rádio, meio ainda muito utilizado no Brasil, Marco Antônio Monteiro, da CBN, manifestou-se no sentido de que "Este país não sabe que produto está sendo entregue à população que só tem acesso ao rádio. É possível fazer um rádio popular de qualidade - acrescentou - mas esse poder não está sendo utilizado para o debate dos grandes temas nacionais".  

Eis, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois depoimentos de profissionais que corroboram o que afirmo no sentido de que o Brasil se permite o luxo de desperdiçar instrumentos e oportunidades de excelente potencialidade para a instrução e esclarecimento sobre questões de importância como o problema da droga.  

Melhorar a utilização desses instrumentos, fortificar instituições, visando à eficiência, e aperfeiçoar os recursos humanos em termos de informação clara e objetiva são imperativos inadiáveis. É uma questão de dignidade das pessoas e de sobrevivência da identidade nacional, pois a soberania alicerça-se em perspectivas de vida, em horizontes para o futuro, em sólidos referenciais onde espelhar comportamentos.

 

Ao abrir a semana de estudos e debates sobre as drogas, Senhor Presidente da República declarou ser necessário atacar os que enriquecem com o dinheiro da droga. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, uma informação realista e persistente é imprescindível.  

Sem informação segura, o caminho para o estado de infelicidade de milhares de jovens abre-se com inexorabilidade, pela sensação de abandono, pela falta de trabalho, pelo chamamento para um consumo inatingível, pela falta de perspectivas, pelo desconhecimento das conseqüências das opções feitas, enfim, por caminhos sem segurança, por dias sem afeto e por horizontes sem albores de esperança.  

Saliento o problema de quem faz opção pelas drogas, caracterizando-o como estado de infelicidade, para sublinhar o aspecto permanente de infelicidade no qual o drogado mergulha. "É sabido - diz Paul Eugène Charbonneau - com efeito, que nos casos de intoxicação séria, pode-se sempre rapidamente - e sem muita dificuldade - conseguir cura de desintoxicação que liberta da dependência física. Mas é extremamente difícil vencer a dependência psicológica que está encravada no mais fundo do espírito e que ameaça, sem cessar, reconduzir o toxicômano às drogas, que continuam a exercer sobre ele sedução tal que conduz à escravidão definitiva".  

Para o toxicômano, a infelicidade não é mais um momento, como acontece com a grande maioria das pessoas. A infelicidade torna-se estado, fazendo da vida uma vida inteiramente sem alegria interior.  

Creio, então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na importância do Dia Internacional contra o Abuso de Drogas e o Tráfico Ilícito. Para uma reflexão segura e profunda da sociedade e de suas instituições. A felicidade tem dimensões pessoais, mas tem também alcances sociais e tudo deve ser construído com o sentido que é dado à própria existência, seja em nível individual, seja em nível da Nação que deseja fazer a própria história.  

No campo das drogas, o problema é de todos, do da família, das instituições, do Estado.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1999 - Página 17146