Discurso no Senado Federal

AVANÇOS E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • AVANÇOS E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/1999 - Página 17458
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, DEFESA, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, ESPECIFICAÇÃO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR.
  • ANALISE, NECESSIDADE, ATENDIMENTO, CRECHE, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, SETOR PUBLICO, PARCERIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), IGREJA, ESCOLA COMUNITARIA, REGISTRO, INSUFICIENCIA, NUMERO, PROFESSOR.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), CRITICA, EX GOVERNADOR, INTERRUPÇÃO, ATENDIMENTO, GOVERNO ESTADUAL, DIFICULDADE, MUNICIPIOS, CONTINUAÇÃO, OFERTA.
  • NECESSIDADE, DEBATE, FINANCIAMENTO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo de minha vida pública, a educação tem sido o tema prioritário de todo o meu trabalho, tanto no Poder Legislativo, como Deputado Federal por quatro mandatos, quanto no Poder Executivo, como Secretário de Educação, por duas vezes, no Estado de Pernambuco.  

Participei ativamente da elaboração dos mais recentes textos legais sobre a educação nacional, como a Emenda Constitucional nº 14/96, a Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e a Lei nº 9.424/96, da criação do Fundef, normas estas que hoje representam e respaldam os avanços, as transformações e as grandes mudanças que estão ocorrendo no País, das quais esta Casa é privilegiada testemunha.  

Contudo, em relação à LDB, quero manifestar que não me basta ter sido o seu Relator. Sinto que urge, desde já, intensificar a discussão, o debate e sua regulamentação, para que ela saia do texto e se torne realidade na vida de todos os brasileiros.  

Em seminários que venho realizando em Pernambuco, meu Estado, com profissionais ligados aos mais diversos níveis de ensino e instituições, concluí que a educação infantil merece um reestudo, de imediato, para que não se criem distorções que poderão comprometer, em futuro próximo, grandes avanços já alcançados pelo atual sistema de educação do nosso País.  

A Constituição Federal de 1988 traduz, no Capítulo da Educação, art. 208, inciso IV, o resultado do grande embate social travado durante a Assembléia Nacional Constituinte, para que o atendimento da criança de zero a seis anos de idade fosse reconhecido e definido enquanto direito expresso em lei.  

Desde então, a educação infantil no Brasil passou a ser um direito do cidadão, garantido pela lei, embora com insuficiente atenção pedagógica, indefinição de competência dos poderes executivos sobre sua oferta e nenhum compromisso definido quanto à sua obrigatoriedade e expansão.  

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, avança e reforça o direito da criança até 12 anos ao atendimento socioeducativo. Corrigindo a lacuna existente na Constituição Federal, a Emenda Constitucional nº 14, de setembro de 1996, da qual também fui Relator na Câmara, define as competências dos poderes constituídos para oferta dos diversos níveis de ensino, entre os quais a educação infantil, que passa a ser de responsabilidade do Poder Executivo Municipal. "Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil", assim define a Emenda Constitucional nº 14.  

Em dezembro de 1996, com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação infantil foi reconhecida como parte integrante da educação básica. No Título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar, art. 4º, inciso IV, está definido: "O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade".  

Considerada, então, como a primeira etapa da educação básica, a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade.  

Avança ainda a determinação legal quando reafirma, no art. 9º, inciso IV, que "A União incumbir-se-á de (...) estabelecer em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil".  

Sobressai-se, ainda, no texto legal, respeitando-se a diversidade e pluralidade de conceitos e metodologias, a necessidade de oferecer, em nível nacional, referências e diretrizes comuns para a educação básica, da qual é parte integrante a educação infantil. Nesse aspecto, o grande diferencial que se impõe é que creches e pré-escolas passem a ser instituições de ensino e não de assistência e guarda. Segunda a conceituada educadora e Deputada Esther Grossi, "é uma prerrogativa e uma conquista da educação de hoje, à luz das descobertas de que se aprende desde que se nasce e não só após os sete anos, a chamada idade da razão, e que as aprendizagens nesse período têm particular importância para toda a vida".  

No conjunto da educação infantil, merece destaque a importância que foi dada às creches, como instâncias socioeducativas, sobretudo por sabermos das profundas desigualdades sociais que permeiam a sociedade brasileira, tais como as de ordem física, familiar e afetiva, bem como aquelas relacionadas ao estímulo para o pleno desenvolvimento cognitivo.  

Se, de um lado, a oferta de creches pelo poder público é recomendada; por outro lado, deve-se considerar que a grande relação de dependência entre a criança e a mãe faz com que seja desejável que a criança possa permanecer no ambiente familiar, sobretudo no primeiro ano de vida. Contudo, a procura por creche tem crescido nos últimos anos, face à necessidade de a mãe trabalhar fora de casa para contribuir na renda familiar. Assim, a lei dispõe pela oferta de creches, não em caráter obrigatório, mas como possibilidade real de oferta e demanda de cada município.  

Nesse entendimento, considerando inclusive a impossibilidade de rapidamente os Municípios viabilizarem a oferta de educação infantil, tornam-se relevantes as formas alternativas de atendimento oferecidas por organizações não-governamentais, igrejas e associações comunitárias. Há que se estabelecerem parcerias, definirem formas de controle e acompanhamento, possibilitarem orientações e apoio sociopedagógico, para evitar que essas iniciativas se transformem em locais de "depósitos de crianças", altamente perniciosos à sua infância em formação.  

As pré-escolas, lidando com crianças de quatro a seis anos, com maior grau de autonomia socioeducativa, podem funcionar com um modelo mais efetivamente escolar. Nesse nível de educação infantil, registra-se o trabalho pedagógico como um dos grandes benefícios à escolarização fundamental.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta abordagem histórico-legal-conceitual nos remete ao ponto seguinte da nossa fala: os números da educação infantil no Brasil.  

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio - PNAD, de 1995, o Brasil tem 21.375.192 crianças na faixa etária de zero a seis anos. Desse total, 12.073.480 crianças têm de zero a três anos, e 9.301.712, de quatro a seis anos de idade.  

Do total de 21.375.192 crianças de zero a seis anos - vejam bem Srªs e Srs. Senadores -, apenas 25,1%, ou seja, 5.358.400, freqüentam creches e pré-escolas.  

Pode-se abstrair desses dados que o débito com a oferta de educação infantil no Brasil é um desafio que precisará ser enfrentado na Década da Educação, instituída na LDB.  

O desafio da oferta institucional da educação infantil torna-se mais grave quando se atribui essa incumbência aos Municípios, na grande maioria com recursos insuficientes, pessoal desqualificado e rede física inadequada.  

Em meu Estado, Pernambuco, a situação não é tão diferente da média nacional e, em alguns aspectos, é até bem pior. Contando com uma população de 7.374.302 habitantes, Pernambuco convive com baixos indicadores de qualidade de vida, tais como: 30% da população de 15 anos ou mais é constituída por analfabetos; a taxa de mortalidade infantil é de 65 por mil nascidos vivos; 37% das residências estão nas áreas urbanas, e 87% não dispõem da rede de esgoto ou fossa. A seca assola mais de 90% dos Municípios do Estado.  

Nesse quadro, preocupante e desafiador, a oferta de educação infantil apresenta uma taxa decrescente de atendimento na ordem de 15,9% na série 1996/1998. Isto é, entre 1996 e 1998, o número de alunos na rede de educação infantil no Estado de Pernambuco caiu 15%. Enquanto nesse período a rede pública estadual decresceu 91,9% - portanto, a rede pública estadual de Pernambuco, de 1996 a 1998, praticamente fechou; de cada 100 alunos que existiam na rede pública da pré-escola, 92 foram mandados para casa - e a particular teve um decréscimo de 10,4%, a rede municipal cresceu apenas 11,7%.  

Evidentemente, o decréscimo na rede estadual tem uma de suas origens na LDB de dezembro de 1996, que determina o atendimento da educação infantil pelo município, embora, diga-se de passagem, não da forma contundente, agressiva e desproporcional como ocorreu em 1997 e 1998 no Estado de Pernambuco.  

No caso específico de Pernambuco, o governo anterior, do Sr. Miguel Arraes – tendo em vista que a LDB determinou que a educação infantil deveria ter um atendimento pela rede municipal –, simplesmente, de um ano para outro, fechou todas as vagas de educação infantil da rede estadual, colocando na rua 92% das crianças que estudavam nessas escolas, sem esperar o tempo necessário para que os Municípios pudessem absorver esses alunos. A rede municipal cresceu, mas apenas 10,4%, o que acarretou um decréscimo de cerca de 15% dos alunos matriculados no ensino infantil. Parece mentira, mas é verdade. Simplesmente mandaram todas essas crianças para casa, sem nenhum atendimento, sem possibilidade de continuar os seus estudos. Por outro lado, o decréscimo na rede particular origina-se em causas econômico-sociais e aumenta a demanda na rede municipal.  

Em Pernambuco, também, segundo pesquisa do Centro Luiz Freire, foi evidenciada a existência de uma rede paralela de ensino pré-escolar e de alfabetização, formada por três tipos de escolas: comunitárias (21,3%), filantrópicas (7,5%) e particulares (71,2%). A existência dessa rede alternativa evidencia que o poder público não responde à demanda instalada para a educação infantil no Estado.  

Na análise do problema da oferta de educação infantil, a permanência com sucesso na escola talvez constitua o maior desafio a ser enfrentado na Década da Educação, pois ele é indissociável da questão da qualidade da escola pública e dos resultados do ensino-aprendizagem.  

Neste contexto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cabe-nos uma nova reflexão: a necessidade de se buscarem recursos para o financiamento da educação infantil.  

O princípio de equalização de oportunidades educacionais com qualidade requer especiais cuidados no planejamento e na administração de recursos do sistema. Será preciso criar mecanismo de discriminação positiva entre regiões, redes e escolas mais carentes.

 

Refiro-me aqui à questão dos recursos, nos Municípios, para atender, assegurar e expandir a oferta de educação infantil. O Fundo de Valorização do Ensino Fundamental - Fundef - é referência de política governamental para possibilitar aos Estados e Municípios universalizarem o ensino fundamental.  

O Fundef é um ganho real em termos de recursos para a expressiva maioria dos Municípios brasileiros e para oito Estados das Regiões Norte e Nordeste, onde as desigualdades de investimento per capita por aluno são reais e graves.  

Parece-me consensual que os recursos constitucionais da educação, excluídos da composição do Fundef, isto é, 10% das receitas estaduais, 10% das transferências municipais e 25% das suas receitas próprias, não são suficientes para atender à demanda por educação infantil - 75% da população na faixa etária de zero a seis anos - sobretudo nos Municípios cuja arrecadação é tão insuficiente que recebem complementação da União e do Estado. Com certeza, esses Municípios complementados não suportarão o ônus real com a educação infantil.  

Cumpre-me aqui, reafirmo, não apenas tecer o relato histórico-conceitual da educação infantil, ou, menos ainda, apresentar a constatação estatística das nossas deficiências na oferta desse nível de ensino, mais do que isso, imponho-me abrir o debate sobre a questão, dois anos e meio após ser reconhecido, definido e priorizado na LDB.  

Diante dessas considerações, firmo hoje a convicção de que é imperativo que a União discuta a questão dos recursos e do financiamento da educação infantil e amplie sua parcela de participação redistributiva para os Municípios. A experiência positiva do Fundef poderá ser o referencial norteador para a criação de mecanismos de complementação financeira.  

Considerando que a oferta da educação infantil é competência exclusiva do Município, o mecanismo de aporte financeiro que vier a ser adotado deverá articular diretamente União e Município, levando em consideração os aspectos matrícula/ per capita /receitas municipais.  

Levando em conta, ainda, que a LDB atribui ao Município a responsabilidade com a oferta da educação infantil e entendendo que, na prática, a creche e a pré-escola desenvolvem concomitantemente a questão física, psicológica, pedagógica e social, num único processo, faz-se necessário identificar e reordenar a aplicação dos diversos recursos que se destinam a essa faixa etária de zero a seis anos, existentes em duplicidade de ações e competências, entre diversos órgãos: Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Comunidade Solidária, Ministério da Previdência, entre outros.  

Está aberta a grande discussão em nível nacional sobre a ampliação da ação supletiva e redistributiva da União, diretamente junto aos Municípios, para o financiamento da educação infantil.  

Outros pontos de destaque devem ser agregados ao tema, tais como:  

- a urgência em identificar financiamentos internacionais para esse nível de ensino;  

- a formalização do regime de parceria com instituições e escolas alternativas - filantrópicas, comunitárias e confessionais;  

- a intensificação da assistência técnica do Estado para os Municípios, especialmente para formação de pessoal.  

A questão está posta. A criança de zero a seis anos deste País merece uma maior e melhor atenção do povo brasileiro, especialmente dos que têm as decisões políticas ao seu alcance ou dos que a representam, como nós.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/1999 - Página 17458