Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO REVERENDO JAIME WRIGHT, COMBATENTE DO REGIME MILITAR.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO REVERENDO JAIME WRIGHT, COMBATENTE DO REGIME MILITAR.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/1999 - Página 17509
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JAIME NELSON, PASTOR, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, OPOSIÇÃO, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois fatos recentemente ocorridos vieram nos lembrar de nosso passado recente e nos permitiram fazer algumas reflexões. Refiro-me aos episódios da nomeação frustrada do Delegado João Batista Campelo para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal e do falecimento do reverendo Jaime Wright, bravo combatente dos arbítrios do regime militar.  

Em relação ao primeiro episódio, sem entrarmos na análise dos equívocos de diferentes naturezas que o cercaram, pôde-se, entretanto, constatar o quão vivas ainda estão na sociedade brasileira as marcas do confronto político-ideológico que a dividiu há trinta anos. O repúdio manifestado por importantes segmentos da sociedade mostrou que não se pode confundir tolerância com esquecimento.  

Quanto à morte do reverendo Jaime Wright, exemplo daqueles que combateram o "bom combate", não no sentido ideológico, mas no sentido ético, apesar dos necrológios da imprensa e dos pronunciamentos de alguns políticos, pôde-se constatar, por outro lado, uma certa indiferença da sociedade. Não houve nas manifestações de pesar a mesma ênfase daquelas de repúdio ao nome do Delegado Campelo.  

Sem incorrer em maniqueísmos, será que não podemos ver na reação aos fatos uma demonstração do julgamento que fazemos em relação à nossa própria história? Será que somos, afinal, como querem alguns, uma sociedade que não cultua seus heróis?  

Considero, Srªs e Srs. Senadores, que esse culto é indispensável à formação dos sentimentos de auto-estima e de confiança, fundamentais na transformação dos povos em cidadãos e dos países em nações. Assim, ocupo, hoje, esta Tribuna para lembrar um pouco da trajetória de Jaime Wright, cuja luta não deve ser esquecida e justifica sua inclusão entre os cidadãos que contribuíram, por meio de suas obras e de suas vidas, para o projeto, ainda em curso, de construção de uma sociedade capaz de acolher as diversidades e singularidades do povo brasileiro.  

Morto de infarto há um mês, Jaime Nelson Wright nasceu em Curitiba, em 12 de julho de 1927. Estudou teologia e foi ordenado pastor pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, em 1950. Voltou para o Brasil para trabalhar como missionário da Missão Presbiteriana do Brasil Central, cuja secretaria exerceu por cerca de dez anos. Nessa condição, coube-lhe dar destinação ao patrimônio da Missão quando a Igreja Presbiteriana do Brasil assumiu as igrejas que estavam sob seus cuidados.  

A Missão tinha propriedades agrícolas na região do médio São Francisco, município de Bom Jesus da Lapa. Essas propriedades foram doadas às noventa e duas famílias que as ocupavam, numa espécie de projeto pioneiro de reforma agrária, onde está hoje o município de Sítio do Mato. Na Chapada Diamantina, além da atividade quase sempre heróica e pioneira de pregador do Evangelho, como pastor das igrejas de Wagner e Caitité, foi diretor, por dez anos, do Instituto Ponte Nova, na cidade de Wagner.  

Com o objetivo de desvendar as condições em que foi morto seu irmão Paulo Wright, durante a ditadura militar, aproximou-se de outras lideranças cristãs e passou a consolar famílias de presos políticos torturados e mortos, e a enviar ao exterior denúncias que os jornais brasileiros, censurados, não publicavam.  

No início da década de 80, o pastor teve sua missão mais difícil. Levar secretamente cerca de 500 rolos de microfilmes do trabalho Brasil: Nunca Mais para Genebra. A pesquisa, que conseguiu reunir quase 1 milhão de páginas de documentos oficiais sobre perseguidos políticos, ainda era inédita no País. Wright e o Cardeal dom Paulo Evaristo Arns, organizadores do projeto, queriam deixar uma cópia em lugar seguro. A missão foi um sucesso. Ao ser lançado no Brasil, em 1985, o livro causou um impacto tão grande que permaneceu 91 semanas na lista dos mais vendidos. Brasil: Nunca Mais reuniu a mais completa coleção de documentos sobre a repressão política no País, com depoimentos de vítimas da tortura e listas com nomes de carrascos, e é, até hoje, referência histórica na matéria. Quando se conhece as condições em que foram feitas as investigações que resultaram no livro, é difícil imaginar o projeto sem ligá-lo à incrível coragem e capacidade de trabalho do Rev. Jaime, que, literalmente, remexeu os porões da ditadura. O pastor encarregou-se, também, da tradução do livro para o inglês.  

De julho de 1987 a julho de 1993, o Rev. Jaime foi Secretário-Geral da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, para a qual acabou indo, por problemas com sua igreja de origem; problemas, por sinal, decorrentes de sua condenação ao regime político brasileiro vigente à época.  

Era também formado em Jornalismo, o que, somado à sua condição de respeitado pastor, tornava-o freqüentemente solicitado a pronunciar-se, na grande imprensa, em nome da comunidade evangélica, o que fazia com muito brilho e autoridade.  

Há onze anos mudou-se para Vitória. Até recentemente, exerceu a presidência da Fundação Samuel, entidade de promoção social com sede em São Paulo. Membro da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, deixou o posto em protesto pela promoção de um general acusado de torturar presos políticos. Wright era casado com Alma Cole, com quem teve cinco filhos. De acordo com informações de sua filha Anita, o pastor levantou-se, no dia 29 de maio, com fortes dores no peito e em seguida sofreu um infarto. Morreu por volta das 6h30, no apartamento onde vivia. Foi enterrado no Cemitério Jardim da Paz, em Serra, município da Grande Vitória.  

Uma das primeiras pessoas avisadas sobre a morte foi o Cardeal Arns, hoje aposentado. "Perdi um amigo, irmão, companheiro, verdadeiro ‘bispo auxiliar’ para a defesa dos direitos humanos", disse.  

Na verdade, Srªs e Srs. Senadores, perdemos, todos, um amigo, irmão e companheiro. Embora não soframos mais os constrangimentos dos perseguidos políticos, era reconfortante contarmos com o "bispo", a quem poderíamos nos "queixar". A Nação brasileira deve vestir seu luto mais fechado porque perdeu um filho cuja vida sempre foi, acima de tudo, uma declaração de amor à Pátria.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/1999 - Página 17509