Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVAS PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DESTINA 5% DA BILHETERIA DE FILMES ESTRANGEIROS AO FINANCIAMENTO DE PRODUÇÕES NACIONAIS.

Autor
Luiz Estevão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Luiz Estevão de Oliveira Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • JUSTIFICATIVAS PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DESTINA 5% DA BILHETERIA DE FILMES ESTRANGEIROS AO FINANCIAMENTO DE PRODUÇÕES NACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/1999 - Página 17510
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, INFERIORIDADE, TRIBUTOS, PAGAMENTO, FILME, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ENTRADA, MERCADO INTERNO, BRASIL, DESEQUILIBRIO, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUÇÃO AUDIOVISUAL.
  • CRITICA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, COTA, EXIBIÇÃO, FILME NACIONAL.
  • COMENTARIO, CONTRADIÇÃO, PROTECIONISMO, PRIMEIRO MUNDO, IDEOLOGIA, GLOBALIZAÇÃO, LOBBY, ABERTURA, ECONOMIA, TERCEIRO MUNDO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PERCENTAGEM, VENDA, INGRESSO, FILME ESTRANGEIRO, FINANCIAMENTO, PRODUÇÃO CINEMATOGRAFICA, BRASIL.

O SR. LUIZ ESTEVÃO (PMDB-DF) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente notícia de que 400 cópias do novo episódio de Guerra nas Estrelas pagaram tão somente 1 mil e noventa reais para entrar no Brasil, recoloca a questão do " dumping cultural" sofrido pelo cinema nacional.  

Nossa balança comercial é desproporcionalmente deficitária nesse ramo da indústria do entretenimento, a qual, como todos sabemos, forma ao lado da microeletrônica e da biotecnologia entre os negócios que dominarão a economia globalizada no próximo milênio.  

O Brasil está gastando por ano 680 milhões de dólares na importação de produtos audiovisuais (em sua esmagadora maioria, filmes para o cinema e a TV provenientes dos Estados Unidos); em contrapartida, exportamos apenas 40 milhões de dólares, a mesma quantia arrecadada apenas na estréia de Star Wars em seu país de origem!  

Enquanto isso, a nova safra de produções do cinema brasileiro, possibilitada pelos incentivos da Lei do Audiovisual, responsável por sucessos internacionais como Central do Brasil , essa nova safra, repito (nada menos de 35 filmes), está, em sua quase totalidade, encalhada. Isso mesmo, encalhada pelas distorções que hoje imperam nos canais de distribuição e exibição. Mais que distorção, Sr. Presidente, estamos diante de contravenção, de puro e simples desrespeito à lei, já que os exibidores são obrigados a passar filmes nacionais durante, no mínimo, 49 dias do ano. Um daqueles melancólicos casos de "lei que não pegou"...  

Como disse há pouco, a Lei do Audiovisual é útil, é avançada, é oportuna, mas cobre apenas uma etapa do processo indústria cinematográfica: a produção. Se os ilustres pares me permitem o paralelo com outros segmentos econômicos, assim como muitos produtos físicos perecem se não consumidos, os artefatos culturais são assassinados quando impedidos de chegar ao público. E, com eles, vai morrendo um pouco, a cada dia, nosso sentido de identidade espiritual e artística enquanto povo e enquanto nação.  

A longo prazo, como ocorre em qualquer outro ramo da indústria, os saltos qualitativos, para se consolidarem e difundirem seu exemplo, impondo, afinal, a reformulação de velhos paradigmas e a consagração de novos caminhos, precisam ser precedidos de um longo acúmulo quantitativo. Essa perspectiva jamais se materializará enquanto nos limitarmos a render merecidas homenagens a exceções Central do Brasil , de Walter Salles, ou Orfeu, de Cacá Diegues, mas continuarmos ignorando o destino de dezenas de outros trabalhos que jamais verão a luz, não serão bafejados pelo calor dos aplausos do público, nem sequer dissecados pelo bisturi da crítica. Repito: seguirão fadados a ser não-filmes, a exemplo das "impessoas" do romance 1984, a utopia totalitária de George Orwell.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nestes tempos de globalização, a arena da cultura de massa reflete as mesmas contradições presentes no conjunto das relações econômicas internacionais. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos e a União Européia condenam veementemente quaisquer veleidades de proteger a agricultura ou a indústria doméstica por parte das nações em desenvolvimento, ao mesmo tempo que subsidiam suas próprias exportações e erguem uma pletora de barreiras não-tarifárias em torno de seus respectivos mercados.  

Desde sempre, Washington estimula, defende e promove os interesses de Hollywood, ciente de sua importância estratégica não só para a disseminação dos valores do American way of life ao redor do planeta, mas também para a geração de divisas e multimilionárias oportunidades de negócios. Registre-se, a propósito, que o Tesouro americano financia a expansão internacional das cadeias distribuidoras dos Estados Unidos a juros de apenas 2% para a construção de novas e modernas salas de projeção.  

Precisamos parar de engolir sofismas pré-fabricados que nos induzem a confundir modernidade com ingenuidade. Não se trata, portanto, de assumir nenhuma atitude xenófoba, de repúdio tacanho à cultura estrangeira, mas de, simplesmente, despertar para o imperativo da valorização de nossa própria cultura como supremo patrimônio nacional, tal como já vem fazendo países tão díspares como a França, a China ou o Irã, que tomam uma série de medidas legais para impedir que a abertura indiscriminada às importações de "pacotes", na proporção de um sucesso de bilheteria para meia dúzia ou mais de produtos ordinários, sufoque suas respectivas cinematografias. Afinal, não é apenas de valores culturais abstratos de que estamos falando, mas também de geração de empregos, de renda, de receita tributária, de consolidação de um rigoroso mercado interno.  

De mais a mais, Srªs e Srs. Senadores, não nos iludamos: no mundo inteiro, a onda homogeneizadora da globalização, com nítidos sobretons made in USA , estimula como necessário contraponto e medida de equilíbrio o resgate de particularismos e a reafirmação de especificidades.  

Foi pensando em alternativas para transformar a atual realidade que apresentei projeto de lei destinando 5% da bilheteria de filmes estrangeiros ao financiamento de produções nacionais. Tenho, porém, plena consciência de que devemos avançar ainda mais na união de todas as bancadas do Congresso Nacional em torno do efetivo cumprimento e do fortalecimento da lei que estabelece um mínimo de dias de exibição para filmes brasileiros, bem como de novas iniciativas que elevem as taxas de importação sobre produções estrangeiras.  

É um bom combate que a cultura brasileira e a indústria cinematográfica nacional esperam nos ver travar em prol da nossa auto-estima, da reflexão sobre nossas raízes e opções e também de nosso desenvolvimento.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/1999 - Página 17510