Discurso no Senado Federal

COMENTARIO A ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE AUTORIA DO SR. PEDRO PAULO REZENDE, INTITULADO 'CONVITE A INVASÃO' SOBRE A QUESTÃO DA SEGURANÇA DA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • COMENTARIO A ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE AUTORIA DO SR. PEDRO PAULO REZENDE, INTITULADO 'CONVITE A INVASÃO' SOBRE A QUESTÃO DA SEGURANÇA DA REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/1999 - Página 17520
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, PEDRO PAULO REZENDE, JORNALISTA, DENUNCIA, DOUTRINA, ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLANTICO NORTE (OTAN), DISPENSA, APOIO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), INTERVENÇÃO, MANOBRA MILITAR, MOTIVO, APREENSÃO, FORÇAS ARMADAS, BRASIL, POSSIBILIDADE, INVASÃO ESTRANGEIRA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, IMPEDIMENTO, AMEAÇA, INTERVENÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo inteiro ainda acompanha, apreensivo, os desdobramentos da crise da antiga Iugoslávia, que teve seu ponto mais grave nos bombardeios praticados pelos Estados Unidos e seus aliados, ao longo de quase três meses, sobre a população civil e alvos alegadamente militares naquele país. Os analistas internacionais têm dedicado espaços crescentes às múltiplas implicações do episódio, principalmente porque, pela primeira vez, a Organização do Tratado do Atlântico Norte se arrogou o direito de praticar uma intervenção militar sem o respaldo da Organização das Nações Unidas.  

Mais do que mero jogo diplomático ou superposição de siglas, o que está em questão é a quebra da supremacia do órgão universal, que sequer foi consultado efetivamente antes do início dos bombardeios que devastaram uma nação soberana.  

O jornal Correio Braziliense , em sua edição de ontem, traz uma palavra de alerta ao Brasil, em lúcida e profunda matéria intitulada: "Amazônia: cenário de jogos de guerra". Assinada pelo jornalista Pedro Paulo Rezende, a reportagem começa denunciando o que chama de "nova doutrina da OTAN, que dispensa apoio das Nações Unidas em intervenções militares" - postura que, segundo ele, é motivo de preocupação para as Forças Armadas Brasileiras.  

E existem, de fato, razões para tal "preocupação". Aliás, prefiro falar em "responsabilidade", porque as instituições militares existem justamente para assegurar à Nação a solidez de nossas fronteiras, a altiva preponderância de nossos interesses perante os demais países.  

E não se trata de paranóia nem mania de perseguição; é um risco real, do qual estão cientes todos quantos acompanham as manifestações das potências estrangeiras e, mais recentemente, as atividades das organizações não-governamentais que praticamente infestam todas as regiões.  

Começa a matéria advertindo para dois cenários, hipoteticamente criados em um quadro que todos conhecemos de sobra: uma dessas ONGs denuncia no exterior a ocorrência de massacre de índios ianomâmis na Amazônia. A partir daí, podem acontecer duas coisas, dentro da nova doutrina da OTAN: ou uma invasão maciça, fulminante, na Amazônia, ou uma ação mais política, começando pelas praias cariocas, depois de um amplo bombardeio, semelhante ao praticado contra os iugoslavos – ataques, de aviões invisíveis, às bases aéreas de Canoas, Santa Cruz e Anápolis, com a destruição, ainda no solo, de nossas vetustas esquadrilhas de caça.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC)- Ouço o nobre Senador Gerson Camata.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre Senador Nabor Júnior, vi a reportagem. Aquilo não é um exercício nem mesmo de futurologia, mas de fantasia. Primeiro porque o nome é Organização do Tratado do Atlântico Norte. Nós estamos no Atlântico sul, não tem nada a ver. Segundo porque não temos, no Brasil, graças a Deus, um Milosevic torturando, matando e oprimindo gente. E terceiro porque não temos também o problema que eles enfrentaram lá, uma guerra religiosa, quer dizer, os ortodoxos de um lado e os muçulmanos do outro. A continuidade daquele problema do Kosovo ameaçava o quê? Uma intervenção da Turquia, de maioria muçulmana, dos Emirados Árabes, da Arábia Saudita, em defesa dos muçulmanos que estavam sendo massacrados pelos sérvios ortodoxos. Creio que a OTAN, em defesa dos direitos humanos, lá no Atlântico norte, na sua área de atuação, para não permitir que essa guerra se alastrasse com a entrada de países do Oriente Médio, da Turquia, na defesa dos seus irmãos muçulmanos massacrados, teve que agir de uma maneira até um pouco dura. Mas, se ela não fizesse isso, os iugoslavos de origem albanesa estariam sendo massacrados, vítimas de uma hecatombe. Houve a necessidade, infelizmente, dessa intervenção, que não foi uma intervenção inopinada dos norte-americanos. Nenhum dos países da OTAN deixou de apoiar a ação, porque eles viam perigo que corriam nas regiões fronteiriças. Houve uma ação integrada, tanto a Itália, como a França, a Espanha e Portugal, embora não aparecessem, estavam lá com tropas e aviões. Quem acompanha a TV ARTP , portuguesa, viu como Portugal e Espanha tinham aviões participando do trabalho de solapar as resistência do Governo da Sérvia. Ora, tentar-se dizer, nesse exercício de fantasia do jornalista, que há motivos para uma organização do Atlântico Norte vir mexer no Atlântico Sul, com um país aliado, como o Brasil, é algo que gera fantasia e pode, se levado a sério, provocar até uma corrida armamentista na América do Sul, que é o que não queremos. O que os brasileiros querem das nossas Forças Armadas - e eu ouvi, outro dia, que o Ministro da Defesa, Elcio Alvares, começou a bater nesse ponto - é que elas comecem a defender nós brasileiros. Hoje, os inimigos não estão do lado de fora da nossa fronteira. Vemos assaltantes de bancos, que normalmente estão ligados ao tráfico de drogas, operando granadas militares e fuzis que nem o Exército brasileiro tem. Ora, temos o maior exército da América do Sul! Será que ele não pode cercar as nossas fronteiras, impedindo que entrem esses equipamentos militares para os bandidos? Enquanto estamos aqui tentando fazer uma lei para desarmar a população civil, por que as nossas Forças Armadas - temos a Aeronáutica mais forte e melhor equipada da América do Sul - não defendem as fronteiras do País? Outro dia, na CPI do Narcotráfico, ouvi um brigadeiro dizer que há mil aeroportos clandestinos só na Região Sudeste. Ele é o homem encarregado de tomar conta para não haja aeroportos clandestinos. Não devia haver nenhum. Aeroporto não é algo pequeno, que se pode esconder facilmente. Ora, se há oitocentos, com satélite, podem ser encontrados. Por que há oitocentos aeroportos clandestinos no Sudeste? Imaginem pelos lados do Amazonas, lá pelo Estado de V. Exª. Então, a maior Força Aérea da América Latina tem que começar a defender os brasileiros. Também no mesmo jornal Corrreio Braziliense , o Brasil se transforma num país igual à Colômbia em matéria de tráfico e fabricação de drogas. Vamos fechar a nossa fronteira para isso. Por que será que a nossa Marinha, a mais potente e forte da América do Sul, não defende o mar, não defende as costas brasileiras da entrada dessas armas que estão matando os nossos filhos, matando os que trabalham, prendendo os que trabalham dentro de casa enquanto os bandidos ficam do lado de fora. Ora, o que esse povo está fazendo? Vamos cobrar deles, vamos apelar ao patriotismo, que eles apresentem ao Congresso Nacional, ao Governo, ao Presidente Fernando Henrique um plano para começar a salvar este País da droga que está matando e acabando com a nossa juventude, do armamento que está matando os que trabalham neste País e que está sempre nas mãos dos bandidos. Ao invés de fazermos a lei aqui, eles, que têm a competência constitucional das Forças Armadas, podiam evitar que esses equipamentos militares entrem no País. O País precisa, nessa hora, que as lideranças militares se ponham a serviço da população brasileira. Uma reportagem como essa, a meu ver, abre um flanco para que os países da América Latina comecem a se armar numa corrida armamentista em que muitos ganharão. Certamente o povo brasileiro não ganhará.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e esclareço que estou reproduzindo, neste meu pronunciamento, a preocupação manifestada pelo jornalista Pedro Paulo Rezende, do Corrreio Braziliense, que chama atenção para o risco que a Região Amazônica pode correr se, realmente, consolidar-se essa política de hegemonia, a todo custo, das decisões de alguns países em assuntos internos de outros, principalmente por iniciativa dos desenvolvidos, sem que seja ouvido o Conselho de Segurança das Nações Unidas.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ele reclama exatamente disto: que uma decisão dessa natureza ignore a existência e a jurisdição do legítimo organismo internacional, que congrega praticamente todos os países independentes democráticos do mundo; no fundo, a matéria denuncia o erro de que uma iniciativa desse jaez, como aconteceu na Iugoslávia, não seja submetida à apreciação da ONU. E acrescenta um fato que não podemos desconhecer: a nossa Região Amazônica sempre foi alvo da cobiça de grandes potências. Sabemos disso!  

O escritor Arthur Cezar Ferreira Reis - que foi também Governador do Amazonas - publicou uma série de livros, provando a existência desse interesse perigoso. Temos de ter cuidado, porque, se houver mesmo uma denúncia, engendrada por essas ONGs de que estão massacrando os índios e devastando as florestas, estará criado clima propício a tal tipo de intervenção. É esse o sentido do valioso artigo de ontem, no Correio Braziliense

Não queremos, Senador Gerson Camata, de forma alguma, que haja uma corrida armamentista nos países da América do Sul. Mas, ao mesmo tempo, não queremos nem podemos admitir ameaças à integridade das nossas fronteiras; evitar qualquer invasão, seja lá de quem for, é algo que deve estar em primeiríssimo lugar nas preocupações de todos os brasileiros. E nessa postura, precisamos estar atentos não apenas às agressões típicas de uma ação imperialista ocidental – e faço questão de lembrar que, há poucos dias, o Senador Bernardo Cabral denunciou aqui, com meu integral apoio, uma ação de terroristas de tendência esquerdista, do Peru e da Colômbia, nos Estados de Rondônia e do Acre.  

Não podemos concordar com coisa alguma que ameace nossa soberania, venha da direita, venha da esquerda. E jamais poderemos esquecer que a Amazônia é, inquestionavelmente, uma região cobiçada pelo mundo inteiro. Temos de dar ouvidos aos vários escritores, sociólogos, historiadores - pessoas de grande conceito nacional e internacional - que já denunciaram essa cobiça existente sobre a nossa região.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. NABOR JUNIOR

(PMDB-AC) - Concedo o aparte ao Senador Ademir Andrade.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Senador Nabor Júnior, quero me somar a V. Exª, que tem toda a razão em suas preocupações. Gostaria de fazer alguns comentários também ao Senador Gerson Camata. S. Exª se esquece de que a OTAN é realmente uma organização do hemisfério Norte, mas os Estados Unidos têm praticamente o comando e atuam onde bem entendem. Os Estados Unidos são, na verdade, hoje, o grande xerife do Planeta Terra. Existem ainda, na América do Sul, colônias inglesas e francesas, que não são independentes.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Só francesas.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Não, há o caso das Ilhas Malvinas, que são uma colônia inglesa e em relação à qual houve até uma guerra. Uma ilhazinha, de certa forma desprezível, foi a causa de uma guerra que matou muita gente. A Inglaterra liquidou em poucos dias com quase toda a Força Aérea e Naval argentina. Embora em número a Argentina tivesse mais força, a tecnologia e o poderio bélico da Inglaterra foi muito maior. Então, com relação ao "ditador" iugoslavo, é preciso lembrar ao Senador Gerson Camata a pergunta: a OTAN fez valer a sua vontade? Não. A OTAN não fez valer a sua vontade. De certa forma, ela também saiu meio perdida nessa guerra. Um paisinho pequeno, como a Iugoslávia, com um poderio militar pequeno, via-se ameaçado pela independência de uma província que, durante séculos, foi sua e, se não tivesse tomado a atitude que tomou, Kosovo seria, hoje, uma província independente. E não será mais, porque, dentro do acordo, o atual Presidente "ditador" iugoslavo conseguiu que Kosovo continuasse pertencendo à Iugoslávia. Isso foi uma vitória. Há um compromisso de que Kosovo jamais será independente e de que permanecerá território iugoslavo. Esse foi o acordo firmado. Portanto, é uma vitória também do atual Presidente iugoslavo. Todos falam de ditadura. Mas como pode haver um ditador sem uma única resistência dentro de seu país? Ele estava fazendo uma guerra, enfrentando as maiores potências do mundo, e teve seu país, por 72 dias, massacrado por bombardeios que levaram fábulas de dinheiro dos países industrializados e que, evidentemente, alimentaram as indústrias armamentistas dos Estados Unidos e da Inglaterra. De repente, as condições são, no fundo, as que ele queria. Dentro do governo e do parlamento iugoslavos, não houve uma única manifestação de oposição, nenhuma entidade da sociedade civil, nenhum parlamentar iugoslavo, ninguém se colocou contra um Presidente que viu seu país massacrado. Houve uma denúncia da imprensa, e é evidente que os Estados Unidos queriam isso.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Peço aos nobres Senadores que não travem um debate paralelo, evitando, destarte, prejuízos para a essência deste meu pronunciamento.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - Peço desculpas a V. Exª, mas me incomoda ouvir sobre coisas que realmente não aconteceram. V. Exª tem toda razão com a preocupação com a Amazônia. A OTAN não poderia intervir nesse processo sem a aprovação da ONU e permitir o que aconteceu. E o Brasil admitir e não votar, não protestar contra o que aconteceu significa que, no futuro, podem agir dessa forma também com relação à Amazônia. V. Exª está coberto de razão no seu pronunciamento. Devemos nos precaver contra essas possibilidades. Muito obrigado.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Muito obrigado a V. Exª.  

A história do Acre está registrada nas melhores páginas da nação brasileira. A região foi conquistada, na prática, há mais de cem anos, por famílias oriundas do nordeste brasileiro, que ali extraíam borracha. Isso foi decisivo para uma reação positiva, no momento em que a Bolívia contratou um sindicato americano para anular a presença dos nossos conterrâneos. É uma lição do passado que devemos aprender em profundidade, inclusive como precaução para o nosso futuro.  

Delírio? Não!  

O próprio repórter do Correio Braziliense , na matéria que hoje trago ao debate da Casa, disse que isso já foi cogitado em circunstâncias semelhantes:  

"Em meados de 1992, o Colégio Interamericano de Defesa, sob a orientação do Departamento de Estado dos Estados Unidos, reuniu militares das forças armadas latino-americanas em forças especiais de combate ao narcotráfico. O jogo de guerra elaborado para o encontro? Nada menos que a invasão da Amazônia brasileira."  

E prossegue a reportagem de Pedro Paulo Rezende:  

"A razão apresentada para a intervenção seria impedir a devastação da floresta amazônica. Os brasileiros contestaram a idéia e alertaram que o Brasil é um país muito diferente do Panamá e de Granada, lembrando, com citações ao Vietnã, que a guerra na selva não pode ser confundida com a guerra no Golfo."  

Em um tópico destacado da matéria, cita-se a declaração do professor Geraldo Cavagnari, especialista em estratégia da Universidade de Campinas, de que " uma invasão do Brasil seria feita não pela OTAN, mas pelo G-7, o organismo que reúne os sete países mais poderosos do Ocidente, aos quais se junta o Japão".  

Para aquele especialista, as pressões seriam mais econômicas que militares - mas o resultado seria igualmente terrível, como explica ele: "não teríamos como resistir às pressões econômicas do chamado Primeiro Mundo. Essa seria a maneira mais eficiente de conseguirem seu intento".  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trata-se de uma preocupação que todos os brasileiros conscientes carregam em seu civismo; que para nós, amazônidas, revela-se muito mais grave, porque ouvimos, quase todos os dias, insinuações e propostas insultuosas acerca de um pretenso - e falso! - direito universal sobre parte do território brasileiro.  

É difícil passar um mês inteiro sem ouvirmos declarações de governante ou de organização estrangeira sobre a matéria. São vários os pretextos: a nossa incapacidade de evitar a ação dos traficantes na região, a derrubada de áreas florestais, o tratamento prestado aos índios. Em todos os cantos do Planeta, principalmente no conforto das nações européias, há sempre alguém falando da Amazônia e elaborando teses espúrias sobre sua condição estratégica para a humanidade.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Concede-me V. Exª outro aparte?  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Gerson Camata.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Essa história se assemelha àquela com a qual nossa geração toda conviveu – e V. Exª se lembra bem. Diziam que o grande inimigo do Brasil na América Latina, contra a hegemonia brasileira, era a Argentina. Então, lançamo-nos num programa nuclear desvairado, que não serviu de nada para o País e que queimou nosso dinheiro. Compramos porta-aviões e fizemos base aérea no Rio Grande do Sul. Foram muitos bilhões de dólares jogados na lata de lixo, porque inventaram um grande inimigo. A Argentina possui 27 milhões de habitantes. Se entrarem aqui, colocamos para fora a tapa. Somos 170 milhões de habitantes. Eles não têm nem soldados para ocupar o País. Nunca tiveram essa preocupação, e hoje a Argentina é a grande aliada comercial do Mercosul, a grande companheira do Brasil – e sempre o foi. Mas inventaram essa história para que houvesse uma corrida armamentista que só sangrou o povo brasileiro. Não vamos deixar inventar outra. Já conhecemos essa história, que sempre começa desse jeito. Não vamos levar essas coisas a sério. Há pessoas por trás disso querendo vender armas, estratégias, equipamento militar. Vamos sair disso. Já estamos cansados, e essa história não cola mais. Vamos espantar esse fantasma, porque ele não existe.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Gostaria de saber quem estimula a corrida armamentista em países subdesenvolvidos como o Brasil. Essa preocupação não é apenas do jornalista que escreveu o artigo publicado ontem no jornal Correio Braziliense , mas de próprios integrantes das nossas Forças Armadas. V. Exª sabe que, durante o Governo do Presidente Ernesto Geisel, houve um rompimento do acordo militar Brasil–Estados Unidos.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB-ES) - Graças a Deus, o acordo foi rompido. Ele servia apenas para nos vender navios e tanques velhos. Graças a Deus, paramos de comprar essas porcarias.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Tenho o maior respeito pelos Estados Unidos, cujas instituições democráticas, no plano interno, representam um modelo a ser copiado por todos os povos que buscam um alto estágio social e cultural; em relação ao Brasil, sempre foi um importante aliado, com valiosas contribuições para o nosso desenvolvimento tecnológico e econômico. Mas isso não nos pode levar à cegueira, a não ver que eles têm realmente interesses na Amazônia, que em nada condizem com os nossos próprios projetos para a grande região.  

De onde parte essa história de que a Amazônia deve ser intocada, um santuário ecológico, que não pode ser explorada? Vamos viver sempre sujeitos a esses conceitos emitidos por nações que destruíram totalmente as suas reservas florestais, que acabaram com os seus índios e que agora querem ditar normas para nós? Não podemos concordar com isso, inclusive porque são posições desprovidas de qualquer sinceridade. Já abordei essa questão outras vezes e, para mim, o quadro é absolutamente claro e cristalino: não somos nem poderíamos ser a favor da devastação irresponsável das florestas nem da dizimação de nações indígenas. Mas, daí a admitir que quem praticou isso em seu próprio território venha a se imiscuir em assuntos de nossa soberania ... aí, a distância é muito grande!  

Como representante do Acre, Estado inserido na Amazônia, manifesto essa preocupação, da mesma forma como firmei posição, outro dia, a propósito da incursão de terroristas colombianos e peruanos, que, segundo denúncias da imprensa e informações trazidas a este plenário, estabeleceram ligações com movimentos políticos dos chamados trabalhadores sem terra, do Brasil.  

Não tenho nenhum receio de ser acusado de antiamericano, inclusive porque não o sou. Como disse há pouco, admiro não apenas a grande nação norte-americana, mas todos os países democráticos da Europa, embora tal admiração não apague a consciência de que existe uma cobiça internacional sobre a Região Amazônica. Isso já foi denunciado há cerca de 40 anos, época em que eu era um jovem estudante, em Manaus, atento às denúncias de Arthur César Ferreira Reis, um dos nacionalistas mais lúcidos deste País, que sempre se embasava em provas concretas e cabais. Devemos, então, ter essa preocupação, sem temer acusações de xenofobia ou de nutrir interesses escusos, como promover o rompimento de laços de amizade do Brasil com os Estados Unidos ou qualquer outro país que integre a OTAN.

 

O essencial, todavia, não pode ser abandonado: existe, e recebemos diariamente notícias disso, uma campanha latente contra a soberania do Brasil sobre a Amazônia, uma área que corresponde à metade de todo o nosso território. Esse exercício, irresponsável e ofensivo, de teorias atentatórias à segurança nacional e à integridade do solo brasileiro, encontra eco até mesmo em nossas próprias fronteiras, repetido por patrícios inconscientes, que ignoram por completo a realidade das condições da grande Região Norte.  

Na conclusão de sua matéria, o jornalista Pedro Paulo Rezende faz uma apreciação crítica dos fatos que denunciou, começando com uma advertência lúcida e objetiva, que nos merece o mais profundo respeito, a mais responsável ponderação: "As hipóteses de intervenção militar estrangeira no Brasil são extremamente remotas, mas deveriam ser levadas a sério, apesar disso. O Brasil encontra-se completamente despreparado para enfrentar qualquer ameaça externa".  

E faz uma comparação que, no grotesco do quadro proposto, revela-se muito precisa. Diz ele : "Mal comparando, o Brasil é um lutador de boxe velho e gordo, num mundo em que predominam ágeis lutadores de caratê".  

Nessa imagem, vemos o surgimento de outro aspecto do problema, até agora subestimado pela sociedade brasileira: a cobiça que desperta, nas nações asiáticas superpopulosas, a existência de vastas regiões ainda desabitadas na Região Norte. Seria o cúmulo da ingenuidade pensar que os líderes daqueles países — onde até o espaço sob as camas é alugado — não sonham em, um dia, resolver seus problemas demográficos à custa da soberania brasileira sobre a Amazônia ou o Centro-Oeste.  

Rogo à Presidência aceitar que a análise assinada pelo jornalista Pedro Paulo Rezende, sob o título "Convite à Invasão", cujos tópicos iniciais já citei, seja publicada para que conste dos Anais da Casa.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR NABOR JÚNIOR EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/1999 - Página 17520