Discurso no Senado Federal

REGISTRO DE AUDIENCIA PUBLICA REALIZADA EM REUNIAO CONJUNTA DAS COMISSÕES DE ASSUNTOS ECONOMICOS E DE ASSUNTOS SOCIAIS, SOBRE O BANCO DA TERRA, A CEDULA DA TERRA, A REFORMA AGRARIA E A POLITICA AGRICOLA, EPISODIO DA DETENÇÃO DE TRABALHADORES RURAIS LIGADOS AO MST NO ESTADO DO PARANA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REGISTRO DE AUDIENCIA PUBLICA REALIZADA EM REUNIAO CONJUNTA DAS COMISSÕES DE ASSUNTOS ECONOMICOS E DE ASSUNTOS SOCIAIS, SOBRE O BANCO DA TERRA, A CEDULA DA TERRA, A REFORMA AGRARIA E A POLITICA AGRICOLA, EPISODIO DA DETENÇÃO DE TRABALHADORES RURAIS LIGADOS AO MST NO ESTADO DO PARANA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1999 - Página 16671
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), ASSUNTO, REFORMA AGRARIA, BANCO DA TERRA, POLITICA AGRICOLA, PARTICIPAÇÃO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REPRESENTANTE, SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • REGISTRO, REQUERIMENTO, PUBLICAÇÃO, NOTAS TAQUIGRAFICAS, AUDIENCIA PUBLICA, ENCAMINHAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, AUDIENCIA, REPRESENTANTE, SOCIEDADE CIVIL, DEFESA, REFORMA AGRARIA, DESENVOLVIMENTO AGRICOLA.
  • DENUNCIA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR), CONFLITO, SEM-TERRA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CAROS AMIGOS, DENUNCIA, VIOLENCIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR), VITIMA, SEM-TERRA.
  • CRITICA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, OPOSIÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • APREENSÃO, REDUÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ademir Andrade, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar que, ontem, em reunião conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos e da Comissão de Assuntos Sociais, tivemos uma audiência pública a respeito da Cédula da Terra, do Banco da Terra, das questões relativas à reforma agrária e à política agrícola, quando estiveram presentes, representando o Ministro Raul Jungmann, o Presidente do INCRA, Nelson Borges Gonçalves, bem como os representantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo.  

Houve um debate do mais alto nível, conforme qualificado por Nelson Borges Gonçalves, Presidente do INCRA, que contou ainda com os seguintes debatedores: Dom Tomás Balduíno, Presidente da Comissão Pastoral da Terra; o representante da Associação Brasileira de Reforma Agrária; José Jerônimo Brumatti, Vice-Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag; Roberto Baggio, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; João Batista da Fonseca, representando o Movimento de Libertação dos Sem Terra e o Sr. Aurélio Vianna Júnior, representando a Rede Brasil.  

Muito significativa foi essa reunião, porque, inclusive, poderá ser considerada como uma preparação do diálogo que o Fórum Nacional por Reforma Agrária e pela Justiça no Campo pretende realizar com o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Sr. Presidente, quero registrar o requerimento aprovado ontem por unanimidade:  

Nos termos regimentais, requeremos sejam as notas taquigráficas desta audiência pública sobre as questões da Cédula da Terra, do Banco da Terra, Reforma Agrária e Política Agrícola, em reunião conjunta da CAE e da CAS, no Senado, em 23 de junho de 1999, objeto de publicação especial do Senado e encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso; seja encaminhada mensagem ao Presidente dos membros dessas comissões do Senado de quão importante é que possa Sua Excelência atender, o quanto antes, em audiência, os representantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo (...).  

Em 22 de abril de 1999, encaminharam o ofício anexo nesse sentido para debaterem os temas, objeto do diálogo de ontem, naquela data assinados por João Pedro Stédile, do MST, e também por representantes da CPT, da Contag, da ABRA e das demais entidades que compõem o Fórum pela Reforma Agrária.  

Solicitaram audiência visando expor a gravidade do quadro agrário nacional, as preocupações dessas entidades de representação e o apoio aos trabalhadores rurais acerca dos virtuais desdobramentos políticos, econômicos e sociais, com a eventual efetivação do programa Nova Reforma Agrária.  

Sr. Presidente, é importante ressaltar que houve o apoio dos Senadores, com o objetivo de chamar a atenção do Presidente da República sobre a importância de Sua Excelência debater esses problemas, olho no olho, com os representantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária.  

Também foi sugerido ao Presidente Osmar Dias que uma comissão de Senadores visite os trabalhadores rurais sem terra que estão detidos no Paraná, assim como em outros Estados, para que se possa examinar os procedimentos que têm caracterizado a ação do Governo do Paraná em relação àqueles trabalhadores.  

Tem havido também problemas em São Paulo, onde foram detidos trabalhadores no Município de Porto Feliz, e no Pará.  

Nos próximos dias, é importante verificar a razão daquelas detenções e que haja diálogo, vontade de resolver o problema agrário, da injustiça no campo. Que não haja o que tem caracterizado ações recentes, como, por exemplo, o que foi publicado, com muita clareza, no artigo de José Arbex Jr., na revista Caros Amigos. Vou ler alguns trechos dessa reportagem, que tem por título "Terror no Paraná".  

Madrugada fria, por volta das 3h. A escuridão é total e, no descampado em volta, muito silêncio. A sensação é de quietude e paz. De repente, eclode o inferno! Centenas de pontos de luz invadem o negrume da noite. Tiros, cães ferozes ladram. Bombas explodem na escuridão. Gritos autoritários, selvagens estalam no ar: "Saiam, saiam todos, todos para fora, já! Todos com as mãos na cabeça! Vamos! O que vocês estão esperando! Vamos! Soltem os cachorros! Soltem os cachorros! Um atrás do outro aí! Mãos na cabeça, em fila! Sem demora! Um atrás do outro"! Crianças chorando - uma delas pergunta: "E agora, o que eles vão fazer pra nós"? -, mulheres assustadas, homens acossados - todos despertam subitamente, para mergulhar no mais terrível pesadelo de suas vidas. Com as mãos na nuca, os homens são obrigados a deitar de bruços sobre o chão lamacento. As mulheres e as crianças, amedrontadas e vigiadas por cães, são levadas para outro canto, sem direito sequer a um copo de água. Suas moradias são destruídas e incendiadas, seus pertences são roubados, sua dignidade aviltada. Chega o sol, infinitas horas depois, e todos - principalmente os homens - são colocados em fila para ser filmados, fotografados, interrogados, e - gado humano - obrigados a embarcar em camburões, ônibus e caminhões. Cumpre-se a lei. Lei? Alguém falou em lei?  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, será essa a prática da descentralização da reforma agrária do Governo Federal? Passar a responsabilidade para o Governo Estadual do Paraná fazer isso?  

Anteontem, o Jornal Nacional , da Rede Globo de Televisão , apresentou uma reportagem em que mostrou o treinamento da Polícia Militar do Estado do Paraná para realizar esse tipo de operação.  

Prossigo com o texto de José Arbex:  

Esse festival de horrores poderia ter acontecido aos refugiados de Kosovo, sob o triplo ataque da OTAN, do exército sérvio e de narcotraficantes albaneses; ou aos curdos da Turquia e do Iraque, caçados (e eventualmente chacinados) pelos respectivos governos ou aos indígenas de Chiapas, no sul do México, ou ainda aos árabes palestinos de Israel. Mas não. Tudo aconteceu no Brasil, mais precisamente no noroeste do Paraná, durante a madrugada de 21 de maio de 1999.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esta não é uma descrição do que ocorreu em Canudos com a comunidade de Antônio Conselheiro, mas do que ocorreu em maio último, no Paraná.  

Prossegue José Alberx:  

As vítimas são os camponeses do MST acampados em fazendas de Querência do Norte e região. De uma só tacada, foram desalojadas cerca de setenta famílias das fazendas Bello I, Bello II e Bello III; vinte famílias de Porangaba II e outras 68 famílias de Cobrinco(em Monte Castelo). Pelo menos sete honrados trabalhadores foram presos e dez, feridos, alguns com queimaduras de terceiro grau, como no caso de Antônio Canaço. Nem sequer senhores idosos foram poupados. Geraldo José dos Santos, 80 anos, acampado na Cobrinco, conta que "os policiais chegaram por volta de 1h30, jogando bombas, pularam a porteira e me deram um chute que me derrubou no chão, depois me deram outro chute, quando eu já estava no chão, fiquei deitado no chão frio durante várias horas, disseram para eu ficar quieto, demoliram meu barraco e ficaram zombando dos sem-terra". E E.S.R.I., adolescente de dezessete anos: "Um soldado me deu uma rasteira e me derrubou, me algemaram com a mão para trás, depois me mandaram levantar e o mesmo policial deu quatro tiros para cima, perto de mim. Depois me levaram junto com os outros; um outro policial me deu dois chutes e bateu com aquele pau na minha cabeça."  

Duas semanas antes, na madrugada de 6 de maio, a polícia desalojara outras dezentas famílias, acampadas em seis áreas (...). E há quase um ano, na madrugada de 9 de julho de 1998, foi a vez das 350 famílias acampadas na fazenda Santa Gertrudes, em Mariluz, Cruzeiro do Oeste. Na ocasião, a fazenda foi ocupada por uma impressionante força de mais de setecentos soldados fortemente armados, portando bombas de gás e cães. Em todos os casos, a polícia adotou a mesma estratégia, a mesma brutalidade e o mesmo aparato militar, sempre apoiada por tropas "de elite", como o Grupo Águia (criado nos anos 80) ..., o Grupo de Operações Especiais, o Batalhão de Choque e o Comando de Operações Especiais da Polícia Civil.  

José Arbex Jr. tem o cuidado de dar também a versão oficial.  

O Governo do Paraná nega a prática de violência. Em entrevista de 18 de maio, o Secretário da Segurança Pública, Cândido Martins de Oliveira, afirmou categoricamente que nenhuma ação de despejo foi promovida de madrugada - ato que, de resto, seria ilegal. Diz que por uma questão de método, durante a madrugada a polícia apenas bloqueia o acesso às áreas em litígio, até para garantir a segurança dos próprios sem-terra. Afirmou, também, que nesse tipo de ação são mobilizadas tropas de elite, treinadas para suportar, sem revidar, todo tipo de eventuais provocações ou perda de controle emocional por parte dos despejados.  

"Os soldados estavam armados com balas de festim, apenas os oficiais portavam armas municiadas com balas de verdade" - diz S. Sª. "As tropas são orientadas no sentido de assegurar o respeito aos direitos da pessoa humana, sendo expressamente proibidas ações violentas". Essas declarações foram corroboradas pelo Porta-Voz do Governador Jaime Lerner, Hudson José. Segundo S. Sª, as denúncias do MST têm motivação política. A liderança do movimento quer criar um fato que atraia a simpatia para o movimento, que estaria perdendo o apoio da opinião pública naquele Estado".  

Mas as coisas não são bem assim. Caros Amigos , essa publicação teve acesso a várias fitas de vídeo que registraram as ações de despejos praticadas pela polícia paranaense em Querência do Norte, na madrugada de 06 de maio, e em Mariluz, em 09 de julho de 1998. Na madrugada, os sons e as imagens registradas nas fitas retratam ações que se desenvolvem exatamente como os fatos descritos na abertura dessa reportagem. Não bastassem as fitas, em 22 de julho de 1998, seis camponeses que estavam acampados na fazenda Santa Gertrudes, em Mariluz, prestaram declaração juramentada à Promotoria de Justiça da Comarca de Medianeira, em que relataram episódios de tortura, roubo de dinheiro e atos de selvageria praticados pela polícia. Indagado sobre essas declarações, Cândido Martins de Oliveira, Secretário de Segurança, respondeu, simplesmente: "É perjúrio". Como é fácil acusar de perjúrio mães e pais de família, jovens trabalhadores, gente honrada cujo grande crime foi ter nascido pobre!"

 

Mas não é só. Dom Tomás Balduíno, que esteve aqui ainda ontem, relatou-nos sua visita aos presos na cadeia de Ponta Grossa, onde ouviu como os trabalhadores haviam sido objeto, inclusive, de torturas.  

Sr. Presidente, dada a relevância e a importância dessa reportagem tão bem-feita, eu gostaria de requerer que ela fosse transcrita na sua íntegra. Trata-se de um documento de grande importância que, inclusive, contribui para esclarecer qual a natureza e o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que, nestes dias, tem sido objeto de inúmeras reportagens, inclusive no jornal O Estado de S. Paulo que, hoje, traz um editorial de crítica ao Movimento, em função do curso do qual participaram diversas lideranças de trabalhadores rurais, não apenas do Brasil, mas também de outros países. Ontem, Roberto Baggio esclareceu que esses cursos, como os realizados em Mato Grosso do Sul, em Sidrolândia, são encontros que, há cerca de dez anos, vêm sendo efetuados normalmente por trabalhadores rurais.  

O Estado de S. Paulo tem procurado transmitir à sociedade que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estaria fazendo praticamente uma declaração formal de guerra. Ora, na medida em que as autoridades governamentais, inclusive o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, tiverem a atitude de procurar dialogar e compreender, como fez o Sr. Nelson Borges, Presidente do INCRA, ao diferir em opinião mas ouvir com atenção - e S. Sª qualificou como de alto nível o debate -, na medida em que viermos a utilizar os meios institucionais, inclusive o Congresso Nacional, para aprofundar esse debate, esse diálogo, tenho a convicção de que mais estaremos contribuindo para que não haja a violência que o próprio jornal O Estado de S. Paulo gostaria que não existisse.  

Sr. Presidente, é necessário, também, que o Governo acelere a realização da Reforma Agrária. Ontem, o Presidente do INCRA, informou-nos que, enquanto nos quatro primeiros anos, de 1995 a 1998, foram assentadas cerca de duzentas e oitenta mil famílias, a um número médio de 70 mil, neste primeiro semestre de 1999, segundo a informação que S. Sª forneceu ontem, em audiência pública, foram assentadas treze mil famílias. Ora, isso, claramente, é uma diminuição no ritmo da realização de assentamentos e de reforma agrária. Então, não é à toa que cresce a tensão no campo.  

Explicou S. Sª que no segundo semestre esse número será significativamente aumentado. Quero ver e, quando realmente o for, farei questão de ressaltar o fato, porque a cada momento faço, aqui, o registro de a quantas anda a reforma agrária neste País.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Senador, faltam 3 minutos para o término da sessão.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Em um minuto concluirei.  

O próprio Presidente do Incra reconheceu que se levarmos em consideração os dados relacionados à estrutura fundiária brasileira publicados no Atlas Fundiário de 1996, do Incra, relativos a 1992, em que 2,5% dos maiores proprietários de terras têm, hoje, 57% da área agricultável do País, se levarmos em consideração que centenas de milhares de famílias de trabalhadores rurais saíram do campo e a concentração havida, essas duzentas e oitenta mil famílias, mais as outras treze mil, assentadas nesses últimos quatro anos e meio, provavelmente não estarão significando maior eqüidade e maior justiça no campo.  

É preciso acelerar-se a reforma agrária e fazer se muito mais.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1999 - Página 16671