Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO PARANA.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • COMENTARIOS SOBRE O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO PARANA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1999 - Página 16666
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, IDEOLOGIA, FUNÇÃO, ESTADO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, DEBATE, PRIVATIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA ELETRICA (COPEL), DESENVOLVIMENTO, ESTADO DO PARANA (PR), PREJUIZO, GOVERNO ESTADUAL, PRIVATIZAÇÃO.
  • CRITICA, PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DISCRIMINAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, AUSENCIA, DIVIDA, OPOSIÇÃO, ORADOR, SISTEMA, CISÃO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), DESVALORIZAÇÃO, PATRIMONIO, COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA ELETRICA (COPEL), ANTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há como negar que o Brasil, como afirma o Professor Francisco Weffort, é um exemplo de êxito do Estado desenvolvimentista. Formado a partir das circunstâncias criadas pela crise de 1929, esse Estado atuou, durante décadas, como esteio principal do modelo de crescimento do país. Não há como negar, também, que o Estado desenvolvimentista se esgotou e com ele se exauriu o modelo de desenvolvimento que impulsionava.  

Há muita controvérsia sobre o papel que atualmente cabe ao Estado. As crises que atingiram - e continuam atingindo - duramente os países capitalistas, especialmente após a queda do muro de Berlim, levantaram duras críticas contra a chamada intromissão do Estado no livre mercado. No entanto, é preciso que não percamos jamais a capacidade de fazer a crítica da crítica às funções do Estado, buscando equacionar aqueles setores nos quais sua intervenção se faz necessária.  

Nosso País vive os dilemas desse momento de crise e indefinição. Como diz o Professor José Luiz Fiori, em seu excelente livro "O Vôo da Coruja" , "um fantasma e uma esperança percorrem, hoje, as ‘veias abertas’ do continente latino-americano: crise e democracia aparecem, ali, como face e contraface de uma perplexidade teórica e política. Suas principais forças sociais convergem, pela primeira vez, propondo como resposta à destruição, desordem e incerteza produzidas pela crise, a reinvenção de uma sociedade democrática (...) Nem por isso a razão crítica pode abdicar de sua tarefa". Reinventar a sociedade democrática é tarefa cotidiana, que exige disposição, competência e, sobretudo, espírito alerta para com os desvios provenientes da fascinação pelas palavras de ordem da moda.  

Tal é o caso das privatizações. E esse é o tema deste pronunciamento.  

Não resta dúvida de que o processo de privatização de empresas estatais é irreversível, não apenas no Brasil, mas na maioria dos países. Trata-se de um movimento que vem no bojo da globalização dos mercados, apontando para uma reestruturação das economias no mundo. Possui, também, um componente ideológico derivado da aparente falência do socialismo real, cujo símbolo maior foi a queda do muro de Berlim, e que terminou com o desmoronamento da divisão Leste-Oeste. Na esteira da euforia do que parecia ser o início de um mundo novo, hegemonicamente dominado pelo capitalismo e pelo mercado, surgiram as chamadas idéias neoliberais, com a pregação do Estado mínimo e do abandono de toda forma de bem-estar social atrelado aos governos.  

No entanto, a privatização das empresas estatais não pode ser defendida a partir desse ponto de vista, hoje já claramente indefensável. Tanto a pregação neoliberal quanto a aspiração por um Estado mínimo refluíram fortemente no mundo ocidental, trazendo à baila, mais uma vez, a necessária presença do Estado como elemento moderador e ordenador de uma vida social, política e econômica não apenas equilibrada, como também justa. Hoje, é incontestável que não se podem adotar políticas monetárias ortodoxas em nome da estabilidade econômica, considerando o rastro de desempregados, miseráveis, famintos e abandonados simplesmente como um resultado marginal desagradável, porém inevitável, no caminho rumo à "modernidade".  

A necessidade da privatização das estatais deve ser vista sob a ótica das novas funções do Estado moderno. Sem precisarmos incorrer nos excessos (e nas iniqüidades) da visão neoliberal, podemos tranqüilamente afirmar que não existe mais espaço para um Estado onipresente, preenchendo cada espaço livre da vida política da Nação.  

No caso do Brasil, o Estado, especialmente a partir da década de 30, foi elemento determinante para o desenvolvimento e o progresso. As políticas getulistas permitiram que o País, ainda carente de empresas fortemente capitalizadas, pudesse modernizar-se, industrializar-se e assumir um lugar de destaque no mundo. Foram as empresas estatais, cujo símbolo maior é a Petrobrás, que permitiram ao Brasil ingressar, com firmeza, no conjunto daqueles países que escaparam da grande sina das antigas colônias: permanecer um país periférico. Petróleo, navegação, estradas, energia, aviação e comunicações foram setores que, não fosse o investimento público, estariam infinitamente aquém das nossas necessidades de hoje. Portanto, não se trata - sem incorrer não apenas em grave injustiça, mas fundamentalmente numa visão míope da história - de recriminar o passado, como se as iniciativas do Estado brasileiro tivessem freado o progresso. Ao contrário, se hoje o País pode abrir-se ao exterior e tornar-se um investimento viável para os capitais internacionais, é porque as políticas estatizantes das décadas de 30 a 70 permitiram a criação de uma infra-estrutura sólida e moderna.  

Em nosso Estado do Paraná, temos o exemplo da Companhia Paranaense de Energia, a Copel. Essa empresa deita raízes nos idos de 1911, como a primeira usina do Estado, um marco para a vida econômica do Paraná. Em 1954, sob a égide do Governador Bento Munhoz da Rocha, concretiza-se a estatal paranaense, que teria um notável impulso no primeiro Governo Ney Braga.  

A Copel surge como uma das mais importantes, se não a principal alavanca para o desenvolvimento do Estado. Hoje, constitui uma empresa modelar, gerenciada segundo os princípios mais avançados da administração, econômica e financeiramente saudável, com uma ampla gama de investimentos realizados e previstos.  

Em nosso período de Governo, entre 1987 e 1991, pudemos acompanhar, dia a dia, a importância estratégica da Copel para o desenvolvimento de nosso Estado. Nessa época, o Clic Urbano beneficiou 400 mil paranaenses. Grandes e pequenas indústrias, em todo o interior, foram atendidas com a implantação de quase mil quilômetros de linhas transmissoras e sessenta e sete mil novas subestações. O Clic Rural alcançou todas as áreas agrícolas do Estado do Paraná.  

Nessa mesma época, conseguimos viabilizar a Usina do Xisto, em São Mateus do Sul, uma das maiores vitórias políticas e econômicas do Estado, com a utilização de uma fonte alternativa de energia, o projeto da Usina de Caxias, e levar avante a execução de dois terços da obra da Usina de Segredo, que se tornou o símbolo nacional da luta pela moralidade pública, com a economia de US$103 milhões.  

Isso tudo me leva, como homem público, a pedir uma pausa para reflexão aos nossos governantes.  

É tema forte na vida política do nosso Estado a privatização da Copel. Sem dúvida, não somos contrários ao processo de privatização no País. No entanto, entendemos que há setores cuja importância estratégica é tão forte que sua privatização deve ser pensada com prudência e, acima de tudo, com espírito público.  

Antes de mais nada, vale a pena realçarmos alguns números retirados do balanço da Copel de 98: o patrimônio líquido da empresa é de cerca de R$4,6 bilhões; a composição do seu capital social indica que, das ações ordinárias, 58,6% pertencem ao Estado do Paraná; 26,4% ao BNDESpar; e 12,5% são ações custodiadas em bolsa. Quanto às ações preferenciais (sem direito a voto), 80,8% estão custodiadas em bolsa; 10.8% pertencem à Eletrobrás; e 8,4% ao BNDESpar.  

Esses dados indicam que, em um eventual processo de privatização, caberia ao Estado do Paraná apenas 31,1% do valor auferido. No entanto, é preciso salientar que, desse montante, cerca de R$508 milhões referem-se a um repasse feito ao Governo do Estado durante o governo subseqüente ao nosso. Nessa época, é bom lembrar, a Copel recebeu, graças aos esforços do Deputado Luiz Carlos Haully, cerca de R$800 milhões, dos quais R$300 milhões foram repassados ao Paraná e constituem a origem dessa dívida, orçada hoje em R$508 milhões.  

A Copel jamais receberia esses recursos, pois a intenção do Governo Federal era repassá-los apenas para as empresas "deficitárias", preparando-as para a privatização. Insurgindo-se contra essa discriminação odiosa, que constituía uma premiação às avessas – pois premiava a incompetência e a incúria –, o Deputado Haully conseguiu reverter a intenção inicial e a Copel foi incluída e beneficiada.  

Fazendo os cálculos, portanto, uma eventual privatização da Copel significaria para o Estado do Paraná, para o Governo do Paraná, apenas R$1,4 bilhão. Deduzindo-se R$508 milhões, que é a dívida do Estado para com a Copel, restaria ao Governo do Paraná R$992 milhões. É evidente que a legislação possibilita o pagamento desse valor em TDA’s ou precatórios, mas isso pode significar que o Governo do Paraná nada receberia pela privatização da Copel neste momento.  

A Copel é um empresa sólida, de inquestionável exemplaridade profissional. Como Governador, pude constatar que, do ponto de vista técnico, a Copel conta com um corpo profissional da mais alta qualificação técnica e gerencial. Enquanto muitas empresas estatais servem de paradigma para aqueles que apontam o Estado como um gerente ineficiente e incapaz, a Copel, por meio de seu eficiente corpo de funcionários, demonstra exatamente o contrário.  

Infelizmente, a ideologização dos processos de privatização prejudicou enormemente a Copel.  

O BNDES, encarregado de gerenciar o processo de privatização, vem estabelecendo, ao longo do tempo, exigências que nos fazem pensar. As empresas estatais, por exemplo, foram sumariamente impedidas de estabelecer negócios com o BNDES, o que não acontece com as empresas privadas. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional, estranhamente, só permite a tomada de empréstimos internacionais para empresas endividadas. Como esse não é o caso da Copel, conclui-se que ela é punida por possuir uma situação financeira equilibrada.  

Outro dado interessante. Desde novembro passado a Copel vem solicitando a renovação de suas concessões, o que a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica – vem concedendo automaticamente a todas as empresas que se privatizam. No entanto, para a Copel, a Aneel ainda não se manifestou, dando a entender que só o fará a partir da perspectiva da privatização da empresa.

 

É muito sério que isso ocorra. Há uma pressão do Governo Federal em favor da privatização também da Copel. Vejam, portanto, que não há interesse apenas do governo estadual, que quer tapar alguns buracos abertos pela ineficiência administrativa, sobretudo pela incompetência do gerenciamento financeiro no Estado, há também o interesse do Governo Federal, que estimula a privatização de uma empresa exemplar como a Copel.  

Adotou-se, para a privatização das estatais de energia elétrica, o modelo inglês, obrigando as empresas a dividirem-se, desverticalizando-se em empresas de geração, de transmissão e de distribuição. Tal divisão objetiva, de forma inequívoca, estimular a concorrência. Pois bem. Na Região Sul, temos três empresas transmissoras: a Copel, a Gerasul e a CEEE. Inacreditavelmente, o valor fixado para transmissão pela Copel é menor que o seu custo, valor que, pasmem, foi renovado para este ano. Não é sem fundamento a impressão de que tanto o BNDES quanto a Aneel têm envidado esforços no sentido de desvalorizar o patrimônio da Copel a fim de vendê-lo tão barato quanto possível.  

É mais uma denúncia da maior seriedade. Desvalorizar um patrimônio público para que ele seja privatizado pelo menor preço, é, sem dúvida, um crime contra o erário, um crime contra a economia popular.  

Outro elemento que contribuiu para a desvalorização do patrimônio foi a alteração do câmbio. Pelos tratados envolvendo Itaipu, o Brasil se compromete a gastar a energia produzida pela usina. Dessa forma, a Copel é obrigada a comprar cinco milhões de megawatts de energia – comprar em dólar e vender em real. Com a desvalorização do real, o custo da energia subiu, provocando violenta queda no setor durante o primeiro trimestre de 1999.  

Segundo a Gazeta Mercantil , esses prejuízos foram para a Light de R$71,641 milhões; para a Coelba, R$132,43 milhões; e para a Copel, R$2,230 milhões.  

Em função desse prejuízo, o Governo Federal concedeu reajustes. Para as empresas privadas, o reajuste variou de 16 a 20%. Para a Copel, apenas 10%, o menor índice de todos. Novamente fica a impressão de uma desvalorização forçada do patrimônio para a venda mais barata.  

A grande questão que se coloca é se vale a pena privatizar a Copel. Será que a empresa já esgotou todas as suas possibilidades como instrumento privilegiado a alavancar o desenvolvimento do Paraná? Creio que não. Será que, em mãos privadas, a Copel poderia ter desenvolvido o programa Clic Rural, que contribuiu enormemente para a fixação do homem no campo e para levar condições de vida mais humanas à zona rural? Creio que não. Poderia ter desenvolvido o Clic Urbano com tantas tarifas diferenciadas para faixas de população mais pobres? É claro que não. Será que, em mãos privadas, a Copel poderia sustentar os incentivos subsidiados que fizeram parte do atrativo às montadoras no Estado? Enfim, será que a Copel, em mãos privadas, serviria ainda como instrumento de política estimuladora do desenvolvimento, contribuindo – como contribuiu – para a construção de uma infra-estrutura capaz de suportar a industrialização do Paraná?  

Uma das principais obrigações do homem público é zelar pelo patrimônio público. A Copel é resultado do esforço de gerações de paranaenses, fruto da capacidade operativa e gerencial de vários governos que se sucederam ao longo do tempo.  

Será que podemos desprezar esse imenso patrimônio material, moral, político, técnico e gerencial, pulverizando-o numa sociedade anônima distante dos verdadeiros interesses do povo do Estado do Paraná? Podemos pulverizar essa conquista de gerações, simplesmente porque as pressões do BNDES e similares nos forçam a tal? Ou porque precisamos de recursos para atender custeios emergenciais e conjunturais? O que responderemos às futuras gerações, se atiramos pelo ralo o esforço de toda uma história de investimento e competência, sacrificando-a por um modismo momentâneo ou para suprir "furos" que deveriam ser cobertos pelo esforço e pela competência de arrecadação do Poder Público e de reformas que permitissem economia, eliminando o desperdício? O que responderemos às futuras gerações de paranaenses?  

Um texto publicado na revista AméricaEconomia, de maio deste ano, deve nos fazer refletir. Diz o seguinte: "Há apenas oito ou nove anos, as empresas elétricas internacionais chegaram com tudo, na Argentina e no Chile, à procura de oportunidades que a privatização, nesses países, lhes havia proporcionado. Hoje, muitas delas estão lambendo as feridas e procuram novos horizontes. A festa da privatização elétrica, na maioria dos países do Cone Sul, chegou ao fim". E mostra, mais adiante, que a concorrência e a atomização do mercado baixaram, de fato, os preços. Mas, ao mesmo tempo, o mercado se desestruturou, a ponto de haver áreas, no Chile, onde empresas privadas operam sob total regime de monopólio. E, segundo a revista, o que temos agora "é o pior cenário possível: muita oferta e demanda concentrada em fortes jogadores".  

Outro artigo, este do economista norte-americano Greg Brown, na revista Business Week , aponta para o fantasma da escassez de energia no Chile, acarretando blackouts diários, com efeitos devastadores na economia do País. Segundo um dos principais empresários chilenos, a produtividade despencou 14% desde o início da crise energética, com fortes riscos de o país perder US$100 milhões por mês em produtividade e vendas.  

Vejam a seriedade dessa denúncia, que deve, pelo menos, pedir pausa para reflexão àqueles que administram o patrimônio público no Brasil hoje, e que estão empurrados para a privatização de forma muitas vezes inconseqüente.  

Tudo isso nos mostra que a privatização do setor energético deve ser encarada com a máxima prudência e cuidado; e cuidado redobrado com uma empresa forte, saudável e fundamental para o desenvolvimento do Estado do Paraná, como a Copel. Sem dúvida, uma empresa estatal que desmente o preconceito cultivado ideologicamente por tantos neste País: o de que a empresa estatal, por ser estatal, é uma empresa incompetente, incapaz de atender às aspirações de eficiência da população. A Copel desmente esse preconceito, por se tratar de uma empresa estatal da mais absoluta competência e eficiência.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1999 - Página 16666