Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO SOCIOLOGO CATALÃO MANUEL CASTELLS, PELO TRABALHO SOBRE A REALIDADE DO BRASIL, DOS BRASILEIROS E DA SOCIEDADE GLOBALIZADA PELA TECNOLOGIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO SOCIOLOGO CATALÃO MANUEL CASTELLS, PELO TRABALHO SOBRE A REALIDADE DO BRASIL, DOS BRASILEIROS E DA SOCIEDADE GLOBALIZADA PELA TECNOLOGIA.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/1999 - Página 17919
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ELOGIO, OBRA INTELECTUAL, MANUEL CASTELLS, SOCIOLOGO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA, CONTRIBUIÇÃO, TEORIA, INFORMAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, MANUEL CASTELLS, SOCIOLOGO, ASSUNTO, REFORMA ADMINISTRATIVA, ESTADO, AMBITO, GLOBALIZAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo à tribuna do Senado para prestar justa homenagem a um dos mais brilhantes pensadores do Ocidente na atualidade. Trata-se do sociólogo catalão Manuel Castells, que amargara por longo tempo um ostracismo injustificável, até que o merecido reconhecimento agora tivesse, em tempo, compensado o irreparável lapso. Intelectual do mais precioso quilate, há muito tem contribuído, com suas refinadas reflexões e análises, para o real entendimento das forças que movem e estruturam a sociedade contemporânea. Doutor pela Universidade de Nanterre, em Paris, leciona hoje na Universidade da Califórnia, em Berkeley, de onde tem anunciado sua genial teoria sobre a revolução da informação moldando os campos da economia, da política, da sociedade e da cultura.  

Sobre sua competência, o notável pensador inglês, Anthony Giddens, do alto de sua posição acadêmica na London School of Economics , não hesita em classificar A era da informação – trilogia recente de Castell – de soberba, digna de uma autoridade intelectual da magnitude de um Max Weber, que ocupa lugar nobre, senão de pai-fundador, no panteão do pensamento sociológico.  

Não menos elogioso, para a sociologia brasileira, o nome do professor Castells é de longa data conhecido e reverenciado. Seu extenso currículo bibliográfico tem sido traduzido e publicado desde a década de 70, em cujo início esteve por aqui, como professor visitante em Campinas. A partir daí, não deixou de retornar ao País, de quando em quando, sempre disposto ao diálogo, à troca de idéias com a intelectualidade brasileira, à participação no debate dos problemas nacionais. Por isso mesmo, justifica-se, com muita legitimidade, seu interesse em assuntos internos do País, especificamente os pertinentes ao funcionamento do Estado e da máquina pública brasileira.  

Nesse contexto, não é por acaso que, das mais de 20 obras publicadas, bem mais da metade pode ser encontrada vertida para o português. Dentre as quais, cumpre destacar Problemas de Investigação em Sociologia Urbana , publicada em nossa língua em 75, A Teoria Marxista das Crises Econômicas e as Transformações do Capitalismo , publicada em 79 pela editora Paz e Terra, A Questão Urbana , publicada em 83, além da recente Sociedade em Rede , que acaba de ser lançada, também pela Paz e Terra, na condição de primeiro volume traduzido da trilogia.  

Sr. Presidente, depois de 20 anos de pesquisa sobre a sociedade digital, Castells publica a célebre trilogia A Era da Informação , que acaba de ser traduzida para o português. Sua tese mais ousada consiste na previsão, para 2002, da realização de escaneamentos genéticos a partir do delineamento completo do mapa do genoma humano. Para Castells, a manipulação biotecnológica das formas de vida poderá ser devastadora, caso providências inadiáveis de controle não sejam tomadas. O advento da revolução biológica reúne, contraditoriamente, aspectos construtivos e destrutivos, para o balanceamento dos quais não se antevê nada de muito alentador.  

E, para ele, mais do que nunca, cabe ao Estado exercer o papel de controlador dos efeitos nefastos da globalização. Reproduzindo suas palavras na abertura do artigo que escreveu em 98 para a revista brasileira Reforma Gerencial : "O Estado é o principal instrumento de que hoje dispõem os cidadãos para controlar a globalização em função de seus valores e interesses". Nesse sentido, para que a questão da biotecnologia seja discutida com o pragmatismo e a flexibilidade que lhe são genuínos, cumpre, antes de tudo, reprogramar o papel do Estado e de seus agentes.  

A propósito, seu artigo "O Estado-rede e a reforma da administração pública", publicado na revista Reforma Gerencial , arrosta com muita consistência a questão da reforma administrativa, propondo 8 princípios básicos de funcionamento dentro das circunstâncias da modernidade globalizada. Elenca, ele, os princípios da subsidiariedade, flexibilidade organizacional, coordenação, participação cidadã, transparência administrativa, modernização tecnológica, profissionalização dos agentes públicos e, por fim, o princípio da retroação na gestão. Para o sociólogo, não há outra saída aos impasses da globalização senão a formulação do Estado-rede como administração flexível e conectada, seguindo os princípios enumerados.  

O sociólogo catalão, que esteve no Brasil há algumas semanas para o lançamento da Sociedade em Rede , fez questão de realçar sua longa amizade com o Presidente Fernando Henrique, de quem é amigo desde os tempos da Universidade de Paris. Aliás, sobre o desempenho de FHC no Governo, Castells exalta a alta capacidade do Presidente para o exercício da reflexão sobre o que ocorre no mundo e na sociedade, sem deixar de reconhecer o duro processo de ajuste por que passa o País no contexto da globalização.  

Mais do que isso, o sociólogo não vê na volatilidade do capital, em si, a incarnação do atual mal financeiro. Na verdade, segundo ele, não se trata de especuladores sinistros se organizando para controlar o capital mundial. Trata-se de uma constante instabilidade financeira, justificada pelo emprego maciço de tecnologia da informação, que proporciona movimentações instantâneas de capital. Para que se contornasse tamanho descompasso, Castell declara que se deveria controlar, imediatamente, o fluxo de capitais, contra cuja proposta os EUA e o FMI trabalham incessantemente. A eles, não interessa qualquer dispositivo que ameace o fluxo do mercado de capitais aberto e irrestrito, cuja dinâmica favorece imensamente uma economia flexível, altamente tecnológica e competitiva como a americana.  

Sr. Presidente, Castells é irreverente sem resvalar na trivialidade. Suas preferências ideológicas estão longe de se alinhar com paradigmas românticos ou pragmáticos. Anarquista convicto, não identifica problemas de ordem moral quando a privacidade dos homens e mulheres que orquestram a esfera pública é indevidamente invadida pela mídia. Sobre a Internet, sua opinião é lacônica: "O preço de estar na rede é acessar qualquer tipo de conteúdo..., pois a rede não pode ser controlada". Nessa linha, diz ele: "Tecnicamente, não há mais a privacidade. Pode-se escutar tudo, gravar tudo, interferir em qualquer mensagem. Toda vez que se usa um celular ou um PC ligado em rede, a gente se expõe na esfera pública".  

Por tudo isso, fica evidente que o acesso à informação constitui valor incontestavelmente fundador da nova sociedade que se ergue. Desse modo, assevera Castell, a distribuição de riqueza passa pela educação, que é atributo do Estado. A revolução informacional adquire dimensão bem mais larga e profunda se comparada com a revolução industrial, visto que aquela guarda relações e laços muito estreitos com a engenharia genética, baseada no código hereditário, cujos dados podem ser programados. Em síntese, afeta os dois elementos fundamentais da vida: a extensão de nossa mente e a capacidade de atuarmos sobre a existência.  

Nessas condições, não nos causa espécie a posição do sociólogo a respeito da criação de comitês de ética na biotecnologia no mundo inteiro. Para ele, qualquer resistência contra este desenvolvimento tecnológico, em particular, e contra a tecnologia, em geral, se desmorona diante da inexorabilidade da história. "É uma batalha perdida", prenuncia Castells. Sobre o futuro da sociedade nos grandes centros, o sociólogo percebe na tecnologia informacional um caminho mais rápido rumo à fragmentação da coletividade em guetos isolados, e somente mantidos em comunicação em cima do modelo hoje alcunhado de "comunidades eletrônicas".  

Em conclusão, sobre Manuel Castells, poderia estender-me por muito mais, porque é, de fato, com muito orgulho e com muita satisfação que lhe ofereço esta homenagem, em retribuição ao largo e denso trabalho a que se tem dedicado sobre a realidade do Brasil, dos brasileiros e da sociedade globalizada pela tecnologia. Desse modo, mais do que sugerir a leitura de suas idéias, de suas palavras e de seu raciocínio, recomendo a todos uma detalhada apreciação de sua rica e sedutora linha argumentativa, pela qual nos convence, aterradoramente, da tragédia que se avizinha caso não nos adaptemos com inteligência e responsabilidade à "tecnologização" do mundo.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/1999 - Página 17919